O poema mais lindo do mundo, recusado pelo seu autor, nunca será lido, expurgado, no fundo da lata de lixo. Quantos de nossos textos, de nossas vontades, de nossas ações vão, antes, para o ostracismo? Se não rasgamos e jogamos, vamos, com os dedos, selecionando, na tela, e deletando; numa tecla, com seta voltada à esquerda, vamos apagando.
Voltava, ao final e ao cabo do dia de trabalho, para casa e, bem posicionado na poltrona, lia os poemas de Rafael. Há tempos, dizem, que se deve escrever com o vinho e revisar com o café. Eu, que não sou o autor, tomei a liberdade de ler, em muitas ocasiões, com uma taça de vinho. Fui, em alguns momentos, tomado por um arrebatamento, por uma lança, cuja ponta tinha enorme beleza conjugada à força erótica de versos, do amor e da dor.
Em tempos de sociedade hiperconectada, de redes sociais, a sociedade em rede, nos leva, cada vez mais, a comunicações breves, instantâneas e, não raro, abreviações dilacerantes para a língua pátria. Há tempos, por isso, decidi retomar o hábito de escrever cartas para os amigos.
Penso que os que, como eu, estão, no mínimo, na casa dos 40 anos, escreveram e receberam cartas. Mensagens por e-mail são, para mim, de 1996 para frente. As cartas sempre foram uma paixão. Hoje, imagino que se sentar para escrever para alguém, não digitando, mas um texto manuscrito é um ato de enorme apreço. Quantas não foram as missivas que, sim, traziam “Nesta confissão farta/De amor contido nesta carta”? As cartas que chegavam, na maioria das vezes, com o perfume da mulher amada, já em minhas mãos, faziam-me arrepiar, de desejo e de paixão. Como, meu Deus, consegue em poucos versos, sutis, lindos, Rafael sintetizar um turbilhão de sentimentos?
Leia. Refugie-se no talento do artista, na sensibilidade do poeta. Nessa nossa sociedade fraturada entre “nós” e “eles”, regadas por sentimentos de medo, ódio, angústia e quase esquizofrenia coletiva; a arte e a beleza são a resistência, o espaço da pulsão de vida e o encontro do ser humano com sua obra, com sua vida, com seus projetos. O mundo, às vezes, quer nos massacrar, nos humilhar. Há que se armar de poesia, música, literatura, filosofia e enfrentar esse sentimento de ódio, de desumanização, de autoengano e de frustrações socialmente fabricadas.
Rafael Zafalon – artista invulgar – nos brinda com seu texto. Nos convida, assim, à leitura, ao tempo precioso de nos dedicarmos à nossa própria existência. Lendo os seus versos, vamos pensando em nossa vida, em nossas alegria e agruras. Não creio numa felicidade absoluta, mas, sim, em felicidades cotidianas, simples, presentes naquilo que, por muitos, é desprezado, no ínfimo, nas fímbrias das relações sociais. O poder da poesia de Rafael será, caro leitor, inquietante, mas, também, revigorante. A inteligência e a beleza vencerão a obtusidade e o escárnio dos poderosos e maldosos.
Rodrigo Augusto Prando[1]
(São Paulo - SP, 29 de setembro de 2019)
[1] Possui Graduação em Ciências Sociais (1999), Mestrado em Sociologia (2003) e Doutorado em Sociologia (2009) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Atualmente, é Professor Assistente Doutor da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas. Na Graduação ministra as disciplinas Sociologia Geral e Sociologia das Organizações. Na pós-graduação lecionou a disciplina Sociologia do Terceiro Setor. Administrativamente, foi Coordenador Didático da área de Sociologia e Humanidades e, posteriormente, Professor Responsável pela Linha de Formação "Humana e Social", do CCSA - UPM (2008-2013) e foi Professor Responsável pelo curso "Lato Sensu" de Gestão em Organizações do Terceiro Setor (2005-08). Professor da UNIFAE lecionando Sociologia para o curso de Publicidade e Propaganda e Professor do Mestrado em Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de Vida. Na tese de doutorado versou acerca da trajetória intelectual e política de Fernando Henrique Cardoso e fez análise de conteúdo dos discursos presidenciais (1995-98). Na UPM, realizou pesquisas no Núcleo de Estudos do Terceiro Setor (NETS), no Núcleo de Empreendedorismo e Desenvolvimento Empresarial (NEDE) e no Núcleo de Pesquisa em Qualidade de Vida (NPQV) atualmente, é pesquisador da Agência Mackenzie Sustentabilidade. Desenvolve pesquisas e orienta nas áreas de empreendedorismo, empreendedorismo social, gestão em Organizações do Terceiro Setor, Responsabilidade Social Empresarial, valores, história e cultura brasileira, Pensamento Social Brasileiro e Intelectuais e poder político.