RodrigoCabral

RodrigoCabral

Apenas alguém que escreve.

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Alguns Poemas

MACIEIRA

A macieira negou-me seus frutos!
Não será agora tempo de maçãs é isto?
Podia jurar que as vi no mercado
Rotuladas separadas e etiquetadas
Demarcadas pesadas e arrumadas
Podia jurar que as vi no mercado sim!
Mas a macieira negou-me seu fruto
Logo a mim que a reguei dia após dia sem falhas
Cuidei do solo onde ela cresce
Afastei os pássaros tão danosos
E as lagartas?
Oh macieira não me diga que esqueceu as lagartas?
Bichinhos famintos e impiedosos a devorar tuas folhas
Eu as combati...
As afastei
Cansei achei que estava tudo perdido
Você viu não viu?
Mas no fim... triunfei!
Mas a macieira... ha esta macieira...
Não me deu seus frutos
Eu a vi La fora nas intempéries
Os ventos do sul salgados de mar a fustiga-la
A neblina baixa tomada de maresia a cobrir-lhe
Eu vi a tudo e me preocupei
Cuidei para que as folhas velhas e feias não toldassem o chão onde vive
Retirei os galhos mortos
Afugentei os cães que queriam demarca-la
Bem... afugentei na maioria das vezes ao menos
Bem sabes macieira que aqui ha cães demais
E eu tenho horas de menos
Algum gato vadio em teus galhos?
Eu o enxotava
Um único ninho de canário na primavera?
Confesso eu permiti
Pássaro belo quando livre o canário
Cantou pra você e lhe mostrou o milagre de sua vida nascendo
Fui zeloso macieira...
Mas a macieira negou-me seus frutos
E agora o que fazer com tanto tempo?
Todas as horas e dias e meses que entreguei a você?
Todo o meu pensamento positivo
Todos os planos e sonhos pra tuas frutas?
Sem Eva nem serpente no meu quintal
Sem madrasta má ou branca jovem por aqui
Guilherme Tell aqui jamais esteve
Éramos só você e eu macieira
E teus frutos
E os doces vindos deles
Quem sabe talvez algumas tortas
Issacc Newton teria amado tua sombra
Pra pensar em gravidade e quaisquer outras coisas em que ele pensava
Já eu sempre quis tão pouco macieira tão pouco
Só ler um pouco abrigado sob você
Colher em minhas mãos vez por outra uma maçã
Tanto te dei
Tão pouco pedi
Esperei...
Mas a macieira me negou seus frutos!
Na próxima certamente tentarei uma laranjeira.

NENHUM FIM

Andei em ruas velhas vincadas de mistérios
Como a face desbotada de um ancião doente
Senti o frio que o vento trouxe
Era um vento de inverno assombrando nossa primavera estéril
Eu toquei os desejos secretos que pude perceber com o tempo
E cortejei o tempo de um tempo que não podia ser meu
Por que meu relógio não sussurra mais horas exatas?
Quando foi que perdi o discernimento do que era real?
E nas madrugadas torpes de mulheres sujas e bebidas baratas...
Eu me entreguei a buscas que não faziam sentido
Eu soube da noite em que o vomito secava na calçada
Eu soube do fedor podre que a boca desdentada da madrugada exalava
Eu soube de tudo...
E caminhei insensível por tristezas nauseantes
Torturado por melodias que nem BIRD poderia tocar
Ressoavam em minha mente canções que não podiam ser interpretadas
O céu escuro cobriu-se de um êxtase sem cor e dobrou-se
Eu vi o cavalo negro que trazia a fome...
Um ser sem sexo sem paixões e sem vontades
Apenas a natureza crua do que deve ser executado...
Senti a ânsia faminta de tantos ardores...
Fome de viver...
De devorar...
De gritar...
Eu vi os mitos mortos e ainda insepultos em longos e trágicos cortejos
Cobain calado e triste com gosto de heroína na cabeça
Ginsberg sem auto poesia gay e abusada
Blake sem mais palavras
Tudo é vastidão morta
Tudo é terra estéril
Tudo é sonho sem alma
Crias da morte
Morcegos de pesadelo
Eu vi tudo
E segui a margem sem flores nas aleias
Sem nem mesmo uma reles rosa ainda que negra e murcha
Eu andei conformado sabendo que esta era minha jornada
Ruas antigas vincadas de mistério
E nenhum fim.

EU ERA O DECIMO

Eu era o décimo...
Nove antes de mim...
Todos jovens e selvagens
Todos corajosos e indóceis
Todos melhores que eu
Eu fui o décimo...
Fiz o que fiz depois dos outros nove terem feito
Senti a terra entre meus dedos...
Senti o cheiro ocre do mato...
Meus ouvidos cheios das suplicas dela...
A meu redor burburinho indecifrável
No horizonte os clarões das bombas
E os estrondos...
Nenhuma piedade na minha cena
Éramos dez...
E eu fui o décimo...
Se saciei alguma fome naquele dia não foi a da carne
Não foi a da luxuria...
Foi apenas a selvageria
Fui apenas besta...
Animal sem amor só instintos...
A moça tremeu em meus braços...
A moça gemeu em meus braços...
A moça sofreu em meu domínio...
A moça chorou certamente...
Mas eu não vi
Não pude olhar-le o rosto
Era a guerra...
Eram dias de batalha e fúria
Momentos de chama e ódio
Só amigos ou inimigos a minha volta
Só o comando de meu capitão
Só a batalha a caça o caos e morte...
A moça era inimiga...
Assim disse o capitão
Assim concordaram meus companheiros
Era inimiga não merecia cuidados
Eu assisti os outros nove...
Um a um saciarem sua fome brutal no frágil corpo dela
Pensava em minha mãe que me criou pra ser honrado
Pensava em minha irmã que devia ter a idade da moça
Tudo em mim cada fibra cada sentimento em revolta contra aquele ato
Mas os nove se sucederam
Todos foram a ela e todos voltaram
Todos sorrindo e saciados
Todos me olhando...
Esperando...
Cheio de horror e nojo eu hesitei
Pensei mil coisas
Mil palavras...
Mas fui...
Fui o décimo.

ESTA É MINHA HISTÓRIA(OU EU ESTAVA LÁ)

Eu andei no fio da lâmina

Em dias sem medo nem trégua

Bebida barata e substâncias no sangue

Eu chorei no vazio profundo da madrugada

Onde os olhos que me viam estavam mareados de pó

Eu senti a fome que só o ódio pode provocar

E eu golpei tantos rostos indistintos que a memória borrou

Nunca fiz juras nas minhas horas sombrias

Mas desferi vinganças mesquinhas

Existe alguma que não o seja?

Respirei o ar miserável do beco

Andávamos vagando

Nunca chegamos a lugar algum

Contei mentiras a ouvidos ansiosos

Estava la quando a faca cortou o antebraço

Estava la quando o golpe quebrou aqueles ossos

Ouvindo Ozzy bem louco

Consumindo o sexo sujo da ocasião

Espumando a boca hedionda e perversa

Gritando nas ruas...

Batalhei por causas inúteis

Quantos queixos quebrados e olhos vazados naqueles dias?

Quantas consequências pra colher ?

Eu carreguei calado as garrafas pro quarto quando ninguém podia ver

E ninguém via nada naqueles dias...acredite...

Quando o vandalismo era minha voz as vitrines das lojas tinham que ouvir

Estilhaços nas calçadas meu legado...

Imbecilidade fodida na cabeça meu valor

No coração só magoas...

Eu estava la quando os camburões levaram os mais afoitos de nos

E hoje sei que foi bem feito...

Eu estava la quando os esquifes esconderam do mundo os mais loucos de nós

E hoje sei que já foram tarde...

Eu estava la nos dias em que tudo era selvagem

Eu estava la nos dias em que tudo era treva

Alguns ainda estão lá...

AGORA EU ESTOU AQUI.

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