

Fayola Caucaia
TransPOÉTICA que fala de amor, afeto e liberdade, a partir das minhas subjetividades.
1998-04-08 São Paulo
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FACE ABUSADORA
Me sentindo estranha, eu que me sinto estranha e incomodada após revelar o abuso que sofri, dentro da casa que eu chamava de minha, que foi me dado como minha e me fez tão mal. Eu que estou me sentindo mal com a abusadora aqui do lado, me sinto jogada, não pertencente a esse lugar, com vontade de correr, fugir pra nunca mais voltar.
Quem me abusou dorme ao lado, não é homem. Quem me abusou acha que eu tinha esquecido e dorme tranquilo, como se nada importasse. Como uma doença na memória que invalida e apaga, não vou naturalizar apagamento ou naturalizar abuso, ela é um monstro para além desse abuso que findou aparecer agora, me sinto perdida para lidar com essa situação, pensei que algo iria mudar depois disso. Sabe quando você está num jogo de guerra, e sente que conseguiu atacar seu adversário, mas ele não tem alma, nenhum ataque mais o afeta, me sinto no esmo, não cheguei lá.
Quem me abusou vive do fracasso, nada na vida deu certo. Vive da miséria sugando da mãe de 56 anos empregada doméstica que, conseguiu a trancos e barrancos conquistar sua casa, sua liberdade, sua independência, suga do irmão de 18 anos que está iniciando a vida agora e o que mais precisa é de referência para ser guiado na vida adulta, de responsabilidade. Vive como um parasita, um carrapato, num lugar onde ninguém mais quer, ou nunca quis.
Quem me abusou não sabe o que é amor, tentou, mas fracassou, pois só o ódio impera em todas as gerações que vieram e findam de ir em sua vida, não sabe a diferença entre comunicação e deboche, não sabe conversar, nem sociabilizar. Quem me abusou, parece que vive o próprio inferno, o problema é que torna a vida de outrem em um inferno igual.
Revelei, como uma lembrança que nunca deveria ser revelada, mas a sujeira debaixo do tapete incomoda demais, aprendi com a minha mãe a nunca viver na sujeira, a sujeira se espalhou, o ventilador ajudou no estrago, esqueci de sair da frente do ventilador, a sujeira caiu em mim também. Mas tudo bem, nada que uma limpeza não resolva, o que eu preciso é saber como limpar tudo isso, como desinfectar essa casa das pragas impregnadas, como limpar meu corpo dessas dores, como fazer todes entender que abuso é um problema, como retirar a merda por toda parede, preciso aprender. Estou procurando respostas e caminhos, isso não pode mais continuar.
A merda foi feita, e tá longe de um simples pedido de perdão, resolver qualquer uma dessas questões, é necessário ação! Já foi, a merda foi jogada no ventilador, espalhou por todo lugar, está fedendo, eu não quero mais ficar embaixo dessa nuvem pesada de tristeza e infelicidade, não quero que minha mãe e meu irmão fiquem embaixo dessa sujeira também, preciso encontrar um jeito de tirar essa merda toda.
Não bastou falar do abuso para minha mãe, eu não sei se ela me escultou, quando falei, a reação dela não foi boa, foi como um inacreditável, não acreditou, sua reação atrás do celular, numa vídeo chamada interestadual, foi chamar a abusadora para em frente a tela, no esmo, sem chegar lá, desliguei pra me proteger, nada se falou desde então, nada, silêncio, o silêncio é conivente. Decidi depois de meses longe da família, longe da mãe, me reaproximar, por que sempre são as vítimas que perdem sua casa? Decidi reivindicar, mas descobri que não sou forte o suficiente, olhar para a cara da sua abusadora, depois de tudo revelado, me mostrou que eu sou frágil e que devo assim, me fortalecer, ser minha própria fortaleza, aprender assim a viver só. Eu não vou naturalizar abuso, o silencio é conivente.
Olhei todos os problemas em volta desse inferno que se foi criado, minha mãe está sendo abusada, meu irmão está sendo abusado, a abusadora está vivendo na esbornia, não tem amigos, não tem felicidade, mas fica em casa materializando as conquistas desses abusos em seu corpo, com dores, gorduras e infelicidade, não há nenhum problema em ser gordo, mas ela me dá nojo, nojo em ver todos os abusos crescerem em seu corpo e a abusadora sair plena, e nada acontecer com ela, nada! Continua no trono, abusando psicologicamente, economicamente e motivacionalmente outrem que moram aqui, como pode deitar sua cabeça a noite e dormir sossegada depois de tantos abusos.
Questiono a abusadora, sobre todos os abusos, como pode ver a mãe trabalhar, ainda no mesmo emprego de anos, sabendo das dificuldades que tem por não ter escolaridade e ver a garra que a mãe tem por ter feito nós chegarmos até lá, nos formar para termos uma vida melhor. Como pode ver a mãe trabalhar, se expor em uma quarentena, com um vírus mortal para seu corpo, que é grupo de risco, como pode não se esforçar para colocar “frutas" na mesa de casa, como pode ficar tão bem vendo que a mãe continua a lutar? Questionei, e fui pega de surpresa, ela não liga, acho que nem me escutou, nesse momento estava tentando, com toda calma, segurando todas as dores que me causou, na tentativa de fazer com que tivesse uma epifania, despertasse desse abuso toda que a cerca, e nada!
Questiono mais uma vez, na tentativa de ver alguma mudança, o que você conquistou em seus 30 anos de vida? Você não paga aluguel e não há nenhum problema em morar com a mãe, mas qual a dificuldade de manter uma casa sem transformar isso em um grande problema, por que desses abusos todos, por que dá manutenção desses abusos todos?
O problema era o pai alcoólatra? Ele saiu. Hoje tá bem, apesar de não procurar mais os filhos para saber se tá bem, mas saiu porque era um problema, gerou um problema enorme que explodiu, ele saiu, ele se casou, posso ver sorriso em seu rosto, vi que sofreu igual, não entendíamos todo sofrimento, não havia cumplicidade, hoje fico feliz que ele está bem, ele saiu.
O problema era eu, a bicha que agora é travesti, a “sodomita”, a perdida? Eu saí. Saí de casa porque a abusadora me humilhava, quando eu mais estava fragilizada, saí em busca de paz pro meu corpo, pra minha mente e pro meu coração, fui pra Salvador, estou lá, é minha casa, cheguei na universidade federal como forma de ascender e mudar a narrativa falida da minha família que sofreu com tantos abusos coloniais e finda sofre com abusos internos, dentro da própria casa, saí do ninho para buscar uma vida melhor, minha ajuda por hora para a minha mãe é não ser mais uma boca para ela sustentar, enquanto eu não conseguir retornar todo apoio que ela me deu.
Mesmo com tudo isso transformado, mudado. Nada mudou, a casa não melhorou, minha mãe continua a trabalhar, a abusadora continua mal humorada, com a cara fechada, penando na infelicidade, reflete nos sobrinhos os problemas agora, fala que o barulho deles é um problema, não consegue ver a felicidade que é uma casa com crianças e a vida que se tem. Acho que ela não gosta de vida. Continua com as mesmas reclamações, enche de placas a casa toda, com frases que não te faz refletir, mas te faz mal, faz isso porque é a única forma de se sentir pertencente e por não saber se comunicar. A infelicidade impera.
Eu estou aqui, mas não queria estar.
Cheguei em dezembro, afim de passar um mês com a mãe, na parceria com o irmão e minha irmã favorita, dus sobrinhes e cunhado, na parceria e consegui, me reestabeleci com todes, acabei ficando mais do que o planejado, continuo aqui e acabo não me sentindo tão bem. Tinha me programado para ter essa conversa só no final da minha estadia, mas acabou acontecendo já, numa tentativa de diálogo para mudar a situação, disse que a atitude dela não estava boa, ela não me escutou, eu disse que ela estava vivendo dos abusos e não estava fazendo bem para nossa família, nada, disse que ela só sabe abusar e que me abusou na infância sexualmente, ela nada disse, ficou me olhando, eu disse que não tinha esquecido, apesar de ter tentado por muito tempo e até pensar que tinha esquecido, me lembrando, na tentativa de ficar bem comigo mesma e na convivência “harmoniosa” com a abusadora, revelei que eu não esqueci e que ela só abusava, não consegue ver quanto abuso você faz? Fazendo mal todes ao seu redor, usando a palavra Deus, como forma de invalidar toda a responsabilidade para os problemas que gera, como pode dizer que segue Deus, sendo que faz tudo ao contrário à sua ideologia, atacando a própria família, vivendo na própria merda a fim de nos aborrecer, como pode viver assim?
Acredito que dores devem ser curadas, procurando os problemas que a geram na tentativa de resolve-las. Acredito que mudanças são necessárias na tentativa de crescermos. Acredito que abusos não podem ser naturalizadas, porque ela fede e ficamos podre com ela dentro de nós, não podemos naturalizar os abusos.
Eu estou aqui e quero continuar.
Quem me abusou dorme ao lado, não é homem. Quem me abusou acha que eu tinha esquecido e dorme tranquilo, como se nada importasse. Como uma doença na memória que invalida e apaga, não vou naturalizar apagamento ou naturalizar abuso, ela é um monstro para além desse abuso que findou aparecer agora, me sinto perdida para lidar com essa situação, pensei que algo iria mudar depois disso. Sabe quando você está num jogo de guerra, e sente que conseguiu atacar seu adversário, mas ele não tem alma, nenhum ataque mais o afeta, me sinto no esmo, não cheguei lá.
Quem me abusou vive do fracasso, nada na vida deu certo. Vive da miséria sugando da mãe de 56 anos empregada doméstica que, conseguiu a trancos e barrancos conquistar sua casa, sua liberdade, sua independência, suga do irmão de 18 anos que está iniciando a vida agora e o que mais precisa é de referência para ser guiado na vida adulta, de responsabilidade. Vive como um parasita, um carrapato, num lugar onde ninguém mais quer, ou nunca quis.
Quem me abusou não sabe o que é amor, tentou, mas fracassou, pois só o ódio impera em todas as gerações que vieram e findam de ir em sua vida, não sabe a diferença entre comunicação e deboche, não sabe conversar, nem sociabilizar. Quem me abusou, parece que vive o próprio inferno, o problema é que torna a vida de outrem em um inferno igual.
Revelei, como uma lembrança que nunca deveria ser revelada, mas a sujeira debaixo do tapete incomoda demais, aprendi com a minha mãe a nunca viver na sujeira, a sujeira se espalhou, o ventilador ajudou no estrago, esqueci de sair da frente do ventilador, a sujeira caiu em mim também. Mas tudo bem, nada que uma limpeza não resolva, o que eu preciso é saber como limpar tudo isso, como desinfectar essa casa das pragas impregnadas, como limpar meu corpo dessas dores, como fazer todes entender que abuso é um problema, como retirar a merda por toda parede, preciso aprender. Estou procurando respostas e caminhos, isso não pode mais continuar.
A merda foi feita, e tá longe de um simples pedido de perdão, resolver qualquer uma dessas questões, é necessário ação! Já foi, a merda foi jogada no ventilador, espalhou por todo lugar, está fedendo, eu não quero mais ficar embaixo dessa nuvem pesada de tristeza e infelicidade, não quero que minha mãe e meu irmão fiquem embaixo dessa sujeira também, preciso encontrar um jeito de tirar essa merda toda.
Não bastou falar do abuso para minha mãe, eu não sei se ela me escultou, quando falei, a reação dela não foi boa, foi como um inacreditável, não acreditou, sua reação atrás do celular, numa vídeo chamada interestadual, foi chamar a abusadora para em frente a tela, no esmo, sem chegar lá, desliguei pra me proteger, nada se falou desde então, nada, silêncio, o silêncio é conivente. Decidi depois de meses longe da família, longe da mãe, me reaproximar, por que sempre são as vítimas que perdem sua casa? Decidi reivindicar, mas descobri que não sou forte o suficiente, olhar para a cara da sua abusadora, depois de tudo revelado, me mostrou que eu sou frágil e que devo assim, me fortalecer, ser minha própria fortaleza, aprender assim a viver só. Eu não vou naturalizar abuso, o silencio é conivente.
Olhei todos os problemas em volta desse inferno que se foi criado, minha mãe está sendo abusada, meu irmão está sendo abusado, a abusadora está vivendo na esbornia, não tem amigos, não tem felicidade, mas fica em casa materializando as conquistas desses abusos em seu corpo, com dores, gorduras e infelicidade, não há nenhum problema em ser gordo, mas ela me dá nojo, nojo em ver todos os abusos crescerem em seu corpo e a abusadora sair plena, e nada acontecer com ela, nada! Continua no trono, abusando psicologicamente, economicamente e motivacionalmente outrem que moram aqui, como pode deitar sua cabeça a noite e dormir sossegada depois de tantos abusos.
Questiono a abusadora, sobre todos os abusos, como pode ver a mãe trabalhar, ainda no mesmo emprego de anos, sabendo das dificuldades que tem por não ter escolaridade e ver a garra que a mãe tem por ter feito nós chegarmos até lá, nos formar para termos uma vida melhor. Como pode ver a mãe trabalhar, se expor em uma quarentena, com um vírus mortal para seu corpo, que é grupo de risco, como pode não se esforçar para colocar “frutas" na mesa de casa, como pode ficar tão bem vendo que a mãe continua a lutar? Questionei, e fui pega de surpresa, ela não liga, acho que nem me escutou, nesse momento estava tentando, com toda calma, segurando todas as dores que me causou, na tentativa de fazer com que tivesse uma epifania, despertasse desse abuso toda que a cerca, e nada!
Questiono mais uma vez, na tentativa de ver alguma mudança, o que você conquistou em seus 30 anos de vida? Você não paga aluguel e não há nenhum problema em morar com a mãe, mas qual a dificuldade de manter uma casa sem transformar isso em um grande problema, por que desses abusos todos, por que dá manutenção desses abusos todos?
O problema era o pai alcoólatra? Ele saiu. Hoje tá bem, apesar de não procurar mais os filhos para saber se tá bem, mas saiu porque era um problema, gerou um problema enorme que explodiu, ele saiu, ele se casou, posso ver sorriso em seu rosto, vi que sofreu igual, não entendíamos todo sofrimento, não havia cumplicidade, hoje fico feliz que ele está bem, ele saiu.
O problema era eu, a bicha que agora é travesti, a “sodomita”, a perdida? Eu saí. Saí de casa porque a abusadora me humilhava, quando eu mais estava fragilizada, saí em busca de paz pro meu corpo, pra minha mente e pro meu coração, fui pra Salvador, estou lá, é minha casa, cheguei na universidade federal como forma de ascender e mudar a narrativa falida da minha família que sofreu com tantos abusos coloniais e finda sofre com abusos internos, dentro da própria casa, saí do ninho para buscar uma vida melhor, minha ajuda por hora para a minha mãe é não ser mais uma boca para ela sustentar, enquanto eu não conseguir retornar todo apoio que ela me deu.
Mesmo com tudo isso transformado, mudado. Nada mudou, a casa não melhorou, minha mãe continua a trabalhar, a abusadora continua mal humorada, com a cara fechada, penando na infelicidade, reflete nos sobrinhos os problemas agora, fala que o barulho deles é um problema, não consegue ver a felicidade que é uma casa com crianças e a vida que se tem. Acho que ela não gosta de vida. Continua com as mesmas reclamações, enche de placas a casa toda, com frases que não te faz refletir, mas te faz mal, faz isso porque é a única forma de se sentir pertencente e por não saber se comunicar. A infelicidade impera.
Eu estou aqui, mas não queria estar.
Cheguei em dezembro, afim de passar um mês com a mãe, na parceria com o irmão e minha irmã favorita, dus sobrinhes e cunhado, na parceria e consegui, me reestabeleci com todes, acabei ficando mais do que o planejado, continuo aqui e acabo não me sentindo tão bem. Tinha me programado para ter essa conversa só no final da minha estadia, mas acabou acontecendo já, numa tentativa de diálogo para mudar a situação, disse que a atitude dela não estava boa, ela não me escutou, eu disse que ela estava vivendo dos abusos e não estava fazendo bem para nossa família, nada, disse que ela só sabe abusar e que me abusou na infância sexualmente, ela nada disse, ficou me olhando, eu disse que não tinha esquecido, apesar de ter tentado por muito tempo e até pensar que tinha esquecido, me lembrando, na tentativa de ficar bem comigo mesma e na convivência “harmoniosa” com a abusadora, revelei que eu não esqueci e que ela só abusava, não consegue ver quanto abuso você faz? Fazendo mal todes ao seu redor, usando a palavra Deus, como forma de invalidar toda a responsabilidade para os problemas que gera, como pode dizer que segue Deus, sendo que faz tudo ao contrário à sua ideologia, atacando a própria família, vivendo na própria merda a fim de nos aborrecer, como pode viver assim?
Acredito que dores devem ser curadas, procurando os problemas que a geram na tentativa de resolve-las. Acredito que mudanças são necessárias na tentativa de crescermos. Acredito que abusos não podem ser naturalizadas, porque ela fede e ficamos podre com ela dentro de nós, não podemos naturalizar os abusos.
Eu estou aqui e quero continuar.
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