Quando a Dor Faz Ninho
A dor veio com passos de sombra, escorrendo pelos cantos da alma como chuva que não avisa. Fez morada entre as costelas, estendeu sua manta fria sobre o coração e calou os pássaros da alegria. Tudo que era cor desbotou; até o silêncio passou a pesar como ferro quente no peito. A esperança, coitada, encolheu-se num canto, feito bicho ferido.
Ela canta baixo, com voz de vento cortante, e seu canto fere mais que o grito. Tem cheiro de ausência e gosto de lágrima engolida. A dor não quer respostas — ela é, simplesmente. Cresce nos espaços vazios das palavras não ditas, floresce nas lembranças que se recusam a morrer. Ela se aninha no escuro e se alimenta de tudo que nos falta.
Mas até na dor mora um sopro de vida. Um fio de luz por entre as tramas do luto. Porque o coração, mesmo trincado, aprende novas batidas. E aos poucos, quase sem querer, a gente descobre que sobreviver também é arte — uma arte feita de cacos, mas ainda assim, arte. E quem caminha com a dor no peito carrega também a semente da cura.
B'Carte