A mulher que não tive
Por jamais tê-la, refugiei-me na solidão branca do sal, resguardando-me no silêncio mineral das pedras. Mas mesmo ali, onde a matéria se depura e a vida se renega, nunca a esqueci. Noite após noite, engravidei jardins com flores, sorrisos, esperanças e copos de cerveja. Até que, um dia, beija-flores se embriagavam ao luar e eu te imaginei assim, esquiva e linda, como turmalina ou, no verso, rima.
Tu me olhavas no fundo da alma com os olhos de um lago imerso em infinita dor. E nos teus olhos eu sonhei a luz púrpura do desejo, fogo que em si só consome e cria – o teu olhar eram taças de absinto que me inebriavam a alma e me assomavam memórias antigas, coreografias esquálidas de uma valsa que jamais dancei.
No limbo da minha poesia colho palavras inauditas que sobreviveram a ti, meu amor – e elas me falam de um tempo de trêmulas gotas de volúpia, como pássaros atordoados que caíssem às seis horas de todas as tardes no passeio público. São restos de naufrágio, coisas destruídas, lembranças de amigos mortos, ferimentos que ainda sangram na memória.
E no meu sonho eu me fiz bálsamo para a memória, prazer para o corpo e silêncio para a alma. E no sono da noite sonhei teus seios – momento entre dois desejos, onde após amar-te depositaria mil beijos, esperanças e anseios. Eram teus seios dunas solitárias que apaziguavam minha vontade, minha sede de prazer.
No instante que nunca houve, eu te apanhei nos braços e sonhei loucuras e calmas de pétalas e oceanos distantes, repletos de viagens e amores desfeitos - e tua pele, dourada pétala de crepom, hoje me soa apenas como salitre triste que renega o mar.
Talvez por nunca tê-la, querida, nunca me saciei e tantas vezes ainda sonho teu colo como um poema, o mesmo poema que um dia vi nascer desesperado em meus lábios, sangrando de dor e prazer, e que nunca consumou-se – tal qual nunca pude acarinhar o latifúndio vazio de tuas costas nuas.
O teu sexo, amada minha, o teu sexo também sonhei. E era ele, de início, doce fruto de pêlos umedecidos suspenso no cio da noite e, depois, gruta incendiada prenhe de manhãs ensolaradas. Ah, teu sexo que jamais tive e tanto desejei – imaginava-o leito de rios que cortam aldeias distantes onde os poetas costumam ir colher rimas e romãs para poemas que nunca escreverão.
Teus próprios sonhos, minha querida, eu sonhei um dia, e no meu vão delírio os vi reais em mim se recriando – ora como filhos correndo pela sala, ora vagas promessas como traças devorando minha triste alma.
Tuas pernas, ah, tuas pernas, tão lindas, como não sonhá-las?
Torres morenas de desejo, meneando sisudas e austeras na rua dos meus vinte anos, como se me dissessem meio sim, meio não – como quem deseja, mas não sabe como. Eram lindas e longas utopias – nasciam fartas nas ancas e quase inconscientes escorriam aos joelhos e se precipitavam delirantes aos pés que, eu sonhava, as trariam a mim. Quanta ingenuidade!
Oh, amada que não tive e jamais terei, vendo-te hoje assim tão longe, e no entanto tão perto, ainda sinto como se uma sombra calma me acalentasse o sono e me enfeitiçasse a alma, como se de repente todas as estrelas acendessem e tu finalmente se me oferecesses o amor que jamais tive.
Mas, qual nada, querida, teu amor é hoje apenas poesia. E se no silêncio da rua te imagino nua, Lady Godiva cavalgando a lua, e grito teu nome na solidão do quarto, meu grito soa como clarim barroco de um querubim, vazio e oco – eco silencioso de mim.
Hoje acordo só, sem ti, sem mim, sem ninguém, poeta febril, exausto como um fauno nu – e, lentamente, enxugo as lágrimas em meu leito vazio, recolho o que de ti em mim ainda é fome e novamente adormeço, sem sequer saber-lhe o nome.
Tu me olhavas no fundo da alma com os olhos de um lago imerso em infinita dor. E nos teus olhos eu sonhei a luz púrpura do desejo, fogo que em si só consome e cria – o teu olhar eram taças de absinto que me inebriavam a alma e me assomavam memórias antigas, coreografias esquálidas de uma valsa que jamais dancei.
No limbo da minha poesia colho palavras inauditas que sobreviveram a ti, meu amor – e elas me falam de um tempo de trêmulas gotas de volúpia, como pássaros atordoados que caíssem às seis horas de todas as tardes no passeio público. São restos de naufrágio, coisas destruídas, lembranças de amigos mortos, ferimentos que ainda sangram na memória.
E no meu sonho eu me fiz bálsamo para a memória, prazer para o corpo e silêncio para a alma. E no sono da noite sonhei teus seios – momento entre dois desejos, onde após amar-te depositaria mil beijos, esperanças e anseios. Eram teus seios dunas solitárias que apaziguavam minha vontade, minha sede de prazer.
No instante que nunca houve, eu te apanhei nos braços e sonhei loucuras e calmas de pétalas e oceanos distantes, repletos de viagens e amores desfeitos - e tua pele, dourada pétala de crepom, hoje me soa apenas como salitre triste que renega o mar.
Talvez por nunca tê-la, querida, nunca me saciei e tantas vezes ainda sonho teu colo como um poema, o mesmo poema que um dia vi nascer desesperado em meus lábios, sangrando de dor e prazer, e que nunca consumou-se – tal qual nunca pude acarinhar o latifúndio vazio de tuas costas nuas.
O teu sexo, amada minha, o teu sexo também sonhei. E era ele, de início, doce fruto de pêlos umedecidos suspenso no cio da noite e, depois, gruta incendiada prenhe de manhãs ensolaradas. Ah, teu sexo que jamais tive e tanto desejei – imaginava-o leito de rios que cortam aldeias distantes onde os poetas costumam ir colher rimas e romãs para poemas que nunca escreverão.
Teus próprios sonhos, minha querida, eu sonhei um dia, e no meu vão delírio os vi reais em mim se recriando – ora como filhos correndo pela sala, ora vagas promessas como traças devorando minha triste alma.
Tuas pernas, ah, tuas pernas, tão lindas, como não sonhá-las?
Torres morenas de desejo, meneando sisudas e austeras na rua dos meus vinte anos, como se me dissessem meio sim, meio não – como quem deseja, mas não sabe como. Eram lindas e longas utopias – nasciam fartas nas ancas e quase inconscientes escorriam aos joelhos e se precipitavam delirantes aos pés que, eu sonhava, as trariam a mim. Quanta ingenuidade!
Oh, amada que não tive e jamais terei, vendo-te hoje assim tão longe, e no entanto tão perto, ainda sinto como se uma sombra calma me acalentasse o sono e me enfeitiçasse a alma, como se de repente todas as estrelas acendessem e tu finalmente se me oferecesses o amor que jamais tive.
Mas, qual nada, querida, teu amor é hoje apenas poesia. E se no silêncio da rua te imagino nua, Lady Godiva cavalgando a lua, e grito teu nome na solidão do quarto, meu grito soa como clarim barroco de um querubim, vazio e oco – eco silencioso de mim.
Hoje acordo só, sem ti, sem mim, sem ninguém, poeta febril, exausto como um fauno nu – e, lentamente, enxugo as lágrimas em meu leito vazio, recolho o que de ti em mim ainda é fome e novamente adormeço, sem sequer saber-lhe o nome.
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