Luis Aranha

1901-05-17 São Paulo SP
1987-06-29 Rio de Janeiro
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Alguns Poemas

Poema Pitágoras

Meu cérebro e coração pilhas elétricas
Arcos voltaicos
Estalos
Combinações de idéias e reações de sentimentos
O céu é uma vasta sala de química com retortas cadinhos tubos provetes e todos os
Vasos necessários
Quem me quitaria de acreditar que os astros são balões de vidros
Cheios de gases leves que fugiram pelas janelas dos laboratórios
Todos os químicos são idiotas
Não descobriram nem o elixir da longa vida nem a pedra filosofal
Só os pirotécnicos são inteligentes
São mais inteligentes do que os poetas pois encheram o céu de planetas novos
Multicores
Astros arrebentam como granadas
Os núcleos caem
Outros sobem da terra e têm uma vida efêmera
Asteróides asteriscos
Bolhas de sabão!
Os telescópios apontam o céu
Canhões gigantes
De perto
Vejo a lua
Acidentes da crosta resfriada
O anel de Anaxágoras
O anel de Pitágoras
Vulcões extintos
Perto dela
Uma pirâmide fosforescente
Pirâmide do Egito que subiu ao céu
Hoje está incluída no sistema planetário
Luminosa
Com a rota determinada por todos os observatórios
Subiu quando a biblioteca de Alexandria era uma fogueira iluminando o mundo
Os crânios antigos estalam nos pergaminhos que se queimam
Pitágoras a viu ainda em terra
Viajou no Egito
Viu o rio Nilo os crocodilos os papiros e as embarcações de sândalo
Viu a esfinge os obeliscos a sala de Karnak e o boi Apis
Viu a lua dentro do tanque onde estava o rei Amenemas
Mas não viu a biblioteca de Alexandria nem as galeras de Cleopatra
Nem a dominação dos ingleses
Maspero acha múmias
E eu não vejo mais nada
As nuvens apagaram minha geometria celeste
No quadro negro
Não vejo mais a sua nem minha pirotécnica planetária
Rojões de lágrimas
Cometas se desfazem
Fim da existência
Outros estouram como demônios da Idade Média e feiticeiros do Sabbath
Fogos de antimônio fogos de Bengala
Eu também me desfarei em lágrimas coloridas no meu dia final
Meu coração vagará pelo céu estrela cadente ou bólido apagado como agora erra
Inflamado pela terra
Estrela inteligente estrela averroísta
Vertiginosamente
Enrolando-o na fieira da Via-Láctea joguei o pião da terra
E ele ronca
No movimento perpétuo
Vejo tudo
Faixas de cores
Mares
Montanhas
Florestas
Numa velocidade prodigiosa
Todas as cores sobrepostas
Estou só
Tiritante
De pé sobre a crosta resfriada
Não há mais vegetação
Nem animais
Como os antigos creio que a terra é o centro
A terra é uma grande esponja que se embebe das tristezas do universo
Meu coração é uma esponja que absorve toda a tristeza da terra
Uma grande pálpebra azul treme no céu e pisca
Corisco arisco risca no céu
O barômetro anuncia chuva
Todos os observatórios se comunicam pela telegrafia sem fio
Não penso mais porque a escuridão da noite tempestuosa penetra em mim
Não posso matematizar o universo como os pitagóricos
Estou só
Tenho frio
Não posso escrever os versos áureos de Pitágoras !...

Luis Aranha (São Paulo SP, 1901 - Rio de Janeiro RJ, 1987) participou, em 1922, na Semana de Arte Moderna, em São Paulo. Entre 1922 e 1923 colaborou na revista modernista Klaxon, publicando os poemas O Aeroplano, Paulicéia Desvairada, Crepúsculo e Projetos. Em 1926, formou-se bacharel na Faculdade de Direito de São Paulo. Nomeado por concurso para o Ministério das Relações Exteriores, em 1929, serviu, nos anos seguintes, em Portugal, Itália, Vaticano, Venezuela, Chile, Alemanha, Japão e Ceilão. Teve alguns de seus poemas publicados no artigo Luis Aranha ou a Poesia Preparatória, de Mário de Andrade, na Revista Nova, em 1932. O artigo foi publicado novamente em 1943, como parte integrante do livro Aspectos da Literatura Brasileira. Em 1938 foi delegado do Brasil na Conferência Panamericana, em Lima (Peru). Em 1946, integrou o conselho da Delegação Brasileira na Conferência da Paz, em Paris (França). Seus poemas foram reunidos e publicados em 1984, no livro Cocktails, editado por Nelson Archer. Luis Aranha pertence à primeira geração do Modernismo; sobre sua poesia afirmou o crítico Antonio Risério: "a obra incompleta de Luis Aranha aponta para o futuro. Seus poemas estão entre as criações mais arrojadas que o modernismo produziu em seus disparos iniciais. Um projeto poético inovador, radical, engajado até a medula na criação de uma poesia adequada às novas realidades do mundo urbano-industrial.".
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