O vidro do espelho estilhaçou-se com o impacto, espalhando reflexos cintilantes pela sala. Por um momento, tudo ficou em silêncio, como se o próprio tempo tivesse parado para observar o desfecho da minha loucura. O punhal ainda estava em minha mão, mas agora parecia mais pesado, como se carregasse todo o peso da minha culpa.
Minha respiração estava ofegante, os olhos fixos no vazio onde o espelho antes estava. E então, veio o som. Um sussurro, suave e arrepiante, como uma melodia tocada ao contrário.
"Por que fez isso, meu amor?"
Eu me virei, a voz era inconfundível. Sua voz. Ali, entre os cacos e as sombras, uma silhueta surgiu. Ela estava lá, ou pelo menos algo que parecia ser ela. Os cabelos castanhos esvoaçavam, mas sua pele já não era de seda — era pálida, quase translúcida, como se feita de neblina.
"Você me deixou", murmurei, sem conseguir controlar o tremor na voz. "Eu só queria me livrar da dor, me vingar daquela maldita cobra que tirou você de mim!"
Ela se aproximou, mas seus passos não faziam som. Era como se deslizasse pela sala, flutuando entre os fragmentos de vidro. Seus olhos, antes tão brilhantes como a lua, agora eram dois abismos negros que pareciam sugar tudo ao redor.
"Você acha que é a cobra que carrega sua culpa?" Sua voz era doce, mas cada palavra me cortava como lâminas. "Foi você quem trouxe o veneno para nossa casa."
Eu recuei, tropeçando em uma cadeira. As velas vacilaram, lançando sombras que pareciam gargalhar de mim. "Não... não pode ser verdade!"
Ela estendeu a mão, e por um instante, senti o toque familiar de seus dedos, mas logo aquilo se tornou um frio lancinante que percorreu minha espinha.
"Você se lembra, Lasteir. Não minta para si mesmo. Você é o criador do monstro que tanto teme."
Minhas memórias começaram a girar em minha mente, como folhas ao vento. Pequenos detalhes que eu havia enterrado vieram à tona: a discussão na noite em que ela morreu, o olhar de súplica que ela me deu antes de cair no chão... e o frasco.
Aquele maldito frasco que eu segurava.
"Não..." sussurrei, enquanto o punhal caía da minha mão, batendo no chão com um som metálico.
Ela sorriu, mas não era o sorriso caloroso de antes. Era algo frio, calculado, quase triunfante.
"Lembre-se, meu amor. Nós somos feitos de sombras. E agora, você faz parte delas."
Antes que eu pudesse reagir, as sombras que dançavam nas paredes começaram a se mover, deslizando em minha direção como uma maré negra. Elas me envolveram, e eu senti meu corpo ser puxado para dentro da escuridão, para um lugar onde nem mesmo a memória da luz poderia alcançá-lo.
E, no final, restou apenas o som suave de sua risada, ecoando no vazio.