Kantaris

Kantaris

Um cientista se descobrindo na literatura. Escrevo contos, poesias e artigos.

15/03/1990
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Texturas

O latido noturno dos cães isolados quebra a melodia de acordes melancólicos daquela guitarra que tocava em minha cabeça. As músicas soam como zumbidos em meus ouvidos; apenas uma imagem, sem sons, surge em minha memória. As unhas em tons escuros, as poucas vestes no mesmo tom, e as joias que adornam seu corpo distraem minha atenção. 

Os zumbidos cessam, os cães silenciam, mas aquela imagem permanece fixa em meus pensamentos. Os cabelos escuros e os lábios na cor de seriguela madura concentram todo o desejo em um único compartimento da minha memória. Suas mãos habilidosas, que dominam as telas e as cordas, também serpenteiam pelo meu corpo em pensamento, como a dança das víboras do deserto.

Aquele quarto, nunca antes visitado, soa-me familiar. Relembro, na memória, cada espaço, cada compartimento, cada obra inacabada que ainda aguarda a atenção da artista. Sinto-me como uma de suas telas, esperando pelo toque de suas mãos, seu olhar, seu pensamento. O espelho reflete a imagem dela, mas eu que vejo apegado aos desejos crus da humanidade.

Repasso cada imagem guardada na memória mais longínqua para compor os sons daquela canção. Mesclo os acordes de sua guitarra com os tons suaves e agudos de sua voz. O arrepio na pele traz à tona os sussurros propositadamente ditos próximos ao ouvido. As luzes melancólicas tingem de vida a cena, enquanto os realces da pele macia e desnuda, marcados pelas cicatrizes que conferem humanidade, completam o que componho.

As memórias antes dispersas se sobrepõem em camadas, e a obra vai sendo criada. Nela, a artista escreve suas letras, esculpidas nos detalhes conexos, dispostos em posições antagônicas, tocadas sobre as feridas que ainda cicatrizam em nossas peles.

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