pauloferraz

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Baiano, advogado, funcionário público, poeta, cristão, conservador e liberal

1971-08-16 Cândido Sales - BA
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Inventário de um Cândido Povo


INVENTÁRIO DE UM CÂNDIDO POVO

Paulo Ferraz de Oliveira



Cândido Sales, berço esplêndido!

Cândido é o amor de teus filhos.

Filhos que de ti nasceram, filhos que em ti cresceram,

E se foram para outras terras, jamais de ti esqueceram.


Cândido Sales, conquista interminável!

Serias tu a Nova Conquista do sertanejo necessitado

Dos humildes que depositaram em ti suas vidas secas.


Mas não eram tão cândidos teus candidatos!

Conquistaram tuas terras com a avareza do latifundiário,

Exploraram tuas riquezas com a ganância do mercenário.


Cândido Sales, gente de labuta!

Gente pacífica que pela sobrevivência luta

E pela brava fé da esperança desfruta.


Cândido Sales, entreposto de tradições culturais!

Vieram teus colonizadores e por ti se apaixonaram

Talvez pelas águas pardas do teu incansável rio,

Ou pelo espetáculo da rodovia que em teu ventre resplandece.


Não vieram alemães, nem italianos, nem tampouco sulistas;

Mas vieram os nordestinos, cabras da peste, homens e mulheres de coragem

E, caprichosamente, os irmãos do norte fazem parte da nossa bela imagem.


Cândido Sales, milho e mandioca!

Abres orgulhosamente a cortina árida do Nordeste Brasileiro,

Não só nos mapas de Geografia ou no discurso do poeta,

Mas nos seus costumes, suas tradições, sua pobreza.


Na farinha do baiano, no Cuscuz do pernambucano,

Na peleja, no suor, na alegria e na tristeza nossa de cada dia,

Todos se misturam numa só paixão,

Candidossalenses de alma e coração.


Cândido Sales, romântica promessa!

És uma jovem donzela acanhada, ávida de sonhos

A solidariedade é o trunfo do nosso povo, virtude rara;

A politicagem é nossa ferida exposta que não sara.


A feira é a nossa garota dos olhos, nosso chamego semanal

Na segunda feira, a cidade inteira desce jubilosa à Praça do Mercado

Ali na feira, a eloquente arte da sobrevivência comercial

Ofusca a elegante conferência das damas sobre o novo boato espalhado


Nas barracas exaustas, pulsa e acelera o coração da nossa terra,

Se a feira incomoda os lucros do lojista estabelecido

É a única porta aberta para o sustento do povo sofrido


Cândido Sales, ciranda de ilusões!

A vibrante Rio-Bahia é o teu motor. De dia e de noite.

A aflição, o paraíso; o sonho e o pesadelo.

Vidas e mortes se entrelaçam nesta gigantesca estrada

Estrada que é a nossa própria aventura de viver.


Às marginais da nossa Rio-Bahia, também "briquita" o povo

Os ofícios são antagônicos, o sofrimento é o mesmo.

A turma do óleo em sua correria interminável dentro de macacões esburacados

Os borracheiros com seus macacos incansáveis, dentro de clínicas de pneus furados


A famosa beira da Rio-Bahia, nosso oásis de prosperidade!

Se o movimento cai, a cidade inteira queixa a calamidade

Menos as prostitutas, que apesar de darem descontos

Lideram o mercado interno e externo.

Mas diz a lenda que a mais bonita logo enriquece e vai embora

Frustra a freguesia e parte pro Sul para ser uma distinta senhora.


Cândido Sales, esperança dolorosa!

A ponte do Rio Pardo é um monumento do progresso sobre nossas águas;

Última lágrima dos que partem para o exílio, exangues, em busca da sorte

Primeira alegria dos que voltam, após a saudade os sufocarem de mágoas.


A nossa velha Ponte, tão surrada, tão massacrada anos a fio

Hoje não tem mais o outrora pujante e generoso rio

Abrigo de pobres e andarilhos, balançou mas nunca caiu

É ponte federal, mas Brasíla parece que nunca a viu

No Planalto não se sabe que nessa parte do país,

Tem um povo honesto e trabalhador sem oportunidade de emprego decente

Ah, se essa Ponte caísse, Brasília conheceria a história dessa brava gente.


Cândido Sales não conhece fila de desempregados.

Não temos esse privilégio concedido aos pobres de cidade grande.

Pobre daqui entrava na fila pra fazer caridade.

Para ajudar o miserável mais pobre na Rádio de Seu Geraldo.


Cândido Sales, comunidade solidária!

Se hoje não tens mais a Rádio Difusora clamando "vamos fazer caridade"

Não é por falta de necessitados.


É porque a modernidade consumista não tolera a exposição da miséria,

Se a voz agônica do seu Geraldo nos incomodava,

O silêncio cúmplice de nossa hipocrisia social obstrui a nossa artéria

Nossos olhos testemunham a nossa indiferença, desconfiados

E gloriosamente moramos mais perto de Deus

E cada vez mais distante de nossos ilustres deputados.
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