Shantall Tuiche

Shantall Tuiche

Jornalista, artista plástica, escritora, membro da Academia Jahuense de Letras.
Vivendo da arte, ousando ser além de apenas existir.
Mãe de pet e colecionadora de histórias.

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Além dos horizonte de eventos



- Glicose

Podia-se afirmar,
com um grau alto de certeza,
que era doce,
violentamente doce.
Como todas as abelhas rainhas deveriam ser.

- Temperatura

O sonho habitava o estreito limite entre o gelo e a lava.
Não havia meio termo,
não havia o café adoçado de maneira insuficiente,
não havia meia palavra entre os dentes,
qualquer coisa haveria de ser coisa alguma se assim fosse.
E era.

O calor dos lábios
outrora fora substituído
por horas,
incontáveis horas separando o sol de um outro sol,
estrela nua..
Uma colisão sem luz, sem graça,
sem a extrema desgraça da beleza mais brutal, mais singela,
E binária.

- Pulso

Toda busca inútil por autoconhecimento
deveria começar com a observação das veias esverdeadas,
dos tendões sobressaltados
e reativos aos impulsos.

Poderia ficar horas e horas e horas e mais algumas horas
observando os ponteiros correndo em um relógio sem pertinência. 
Existia uma vida ali, correndo, agindo e reagindo,
doçura e demência
"e de nada valeria acontecer de ser gente", sabe como é.
O pulso deveria ser a entrada para outro lugar desconhecido.
E era.

O pulsar gira e gira e gira e gira,
anda de mãos dadas com a vertigem
uma estrela de neutrons qualquer que se preze 
aceita o colapso, como fato.
Toda busca é inútil se não começar olhando para o que está na sua cara.
O que faz seu pulso pulsar?
Pulsar como um farol girando e girando e girando.
Era a frequência pela qual se apaixonava, pelas mesmas coisas de sempre.
E sempre, inesperadas.

O  jeito certo de segurar alguém é pelos pulsos
Toda aquela tempestade vai passar e carregar tudo 
para qualquer outro lugar, desconhecido,
e nada vai ser o mesmo, além do que sempre foi como antes.
Eu, inútil




- Respiração, saturação e consciência

Por definição ordinária respiração é um substantivo feminino
que designa o ato ou efeito de respirar,
movimento duplo dos pulmões, 
inspiração e expiração;
fôlego.

Na prática foi diferente, 
tudo estava funcionando, 
mecanicamente perfeito,
inspiração, expiração,
o ar entrava, o ar saía,
então porque a vista escurecia?
porque o coração batia perfeito? 
perfeito, acelerando cada vez mais, mas perfeito.

sabe o que é um coração batendo perfeito no momento da sua morte,
poetas ousariam rimar com sorte, mas era só, defeito.
a vista escureceu, o corpo amoleceu, e desfaleceu,
caiu,
lentamente, caiu
faltou o que fazia falta, o ar, e caiu.
Faltava o sentido da vida.
No corpo, que cai.

Tudo ficou escuro e quieto.
Mas havia ainda um pensamento,
um último instante de pensamento: “Morri”.

Um morri, curiosamente consciente 
sem desespero, sem conforto também, isso é verdade.
Em meio a escuridão um pequeno ponto de luz apareceu,
foi aumentando e havia ainda um pensamento,
e em haver ainda um pensamento havia um conforto:
“Ok, existo.”
Não importava onde.

O corpo desfalecido, em repouso,
necessitou menos oxigênio,
o pouco ar que entrava agora,
fora suficiente para recobrar a consciência.
A luz foi aumentando, a imagem se formando a partir do centro,
era uma luz 
luz do poste à frente, à cima 
sem túneis, sem eternamente.

Éter... o éter...pobre éter já não mais admitido pelos físicos.

Por definição: Viva.


- Pressão

Livro III: menciona o coração e os vasos sanguíneos.
Era uma imagem escondida debaixo de um bolso de coração costurado a mão, 
fatto a mano. 
Um nó na garganta percorrendo 20km de veias e artérias até chegar ao zênite. 
O corpo celeste mais brilhante do céu naquele instante. 
Estradas bloqueadas, quatro pistas bloqueadas, 
sol reluzindo nas partes metálicas dos carros à frente, 
e tudo bloqueado. 
Artérias, arteríolas, vênulas, veias e capilares, 
vias coletoras, vias arteriais, vias expressas, 
vias locais, tudo parado. 

Minutos, horas, dias, meses, 
anos, annus mirabilis, tudo parado. 
Tudo. 
Parado.

Só a vida andava à revelia, 
as coisas aconteciam, 
iam e vinham,
 automático, automatizado, 
fazendo bem o seu trabalho, 
cumprindo bem o seu papel. 
Papel em branco, 
asurado 
de um corretivo que não corrigia nada. 
Ou quase nada.
Tudo 
errado, 
embora parecesse o mais correto.


- Dor

Dor, dor...
a dor que precede o sofrimento.

Dia-após-dia, um poema,
um lamento,
presente,
falando de ausentes e distantes,
fazendo não mais ter sentido 
aqueles retrato na estante.

Tudo passa, e passou.

Sobre o sofrimento eu não sei.
Sei 
das noites e dos gritos de susto.
Sei 
dos dias e dos instantes de medo
Sei 
que era tarde ainda sendo tão cedo.
Sei 
que debaixo de tudo que conto guardo um segredo.

Fui uma estrela de neutrons.
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