À FLOR DA PELE
Ainda que peça perdão à pele adormecida
Admito a culpa premeditada da saudade.
Quando as mãos chegam a vias de facto
Perspetivo estrangular as palavras evisceradas,
Mas o renovar da aurora ardente das estrelas,
Ampara as mãos que se deixam abandonar.
Acaricio os olhos teimosamente circunspectos,
E nas fotografias onde permaneces viva
Regurgito a carne que não me permitiu morrer à fome.
Por afecto aos lábios ainda murmuro os nomes-próprios
Que a memória tardia diz não humedecer.
O caminho refaz-se em sentido oposto à foz.
De contornos rígidos perco-te na profundidade.
Convenço-me da minha viuvez precoce
Ao sacudir os pés enterrados na mesma areia
Que nos media o tempo de sobrevivência.
O meu paradeiro ainda é uma folha nua.
Já seria de inverno a próxima colheita!
Os milagres que não aconteceram na tua descama
Testemunham a inocência do termómetro febril.
Descravo os dentes da tua exterioridade
E decepo os pés que não determinam as distâncias.
Numa afirmação de força comovo-me
Com as criaturas que choram esta noite.
Das vezes que te amaldiçoei por amor
Era apenas saliva que temperava a saudade.
De boca seca já não sou quem te descreve.
Adivinho que com as aves migratórias
Chegará o rumor de uma nova estação.
Se já não for habitável esta perene solidão
Confessarei os meus temores ao despertar.
A terra fértil esteve em pousio por demasiado tempo!
Urge a colheita do teu corpo!
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