Ars Poetica


Afirmam que a poesia é a distância mais curta
entre dois seres, invisíveis,
mas tal voz idílica será um engano,
os poetas nunca largaram o fólio dos desertos,
nunca ousaram o incandescente indulto dos pomares
nem o seu oblíquo circuito de chamas,
e a secura tem os teus olhos a fazer de sol.
                           *
O amor é o silêncio e também a blasfêmia
e o evangelho:  vós, que sonhais,
escrevei matéria à altura
das vossas crenças, o passar do furor no trecho
que nunca subsistirá sob os olhos,
“o dom do luto” em sua exercitação muda,
pois as “coisas inúteis ficam” sempre para os poetas
onde a ilusão, semeada, em fala, andeja.
                           *
Acerco-me por instantes da língua
mas o canto é mudo, o fogo que te retoma
já só se reconhece na íntima deserção da mão,
o coágulo onde o instante se faz e desfaz em última prece.
                           *
Na susceptível ausência de deus no poema eu vivo,
na tua ausência no meu corpo eu desvivo,
e o verso é a solidão, o teu rosto mais frondoso,
a pura ars poetica: a chama que na dobradiça não arderá.

inédito
1932
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