anamariabasso

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Professora, escritora e apaixonada por viagens.

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E Se (Crônica)

Fim de ano, época de planejar aquela viagem no Natal e Ano Novo naquele lugar especial.
Era o ano de 2004 e depois de discutirmos as opções, decidimos pela Ilha de Sumatra, na Indonésia. Somos loucos por mergulho de cilindro e lá era o lugar perfeito para observar peixes exóticos, com uma visibilidade incrível e pouca corrente marítima essa época do ano. Um sonho de viagem que há tempos estava nos nossos planos. Tudo conspirava a nosso favor: férias de final de ano coincidindo com as do marido e das filhas e um pacote de viagem com tudo incluso por um preço tentador. A viagem perfeita!
Chegamos dia 24 de dezembro, já véspera de Natal, meu esposo Gilmar, minhas duas filhas já adultas, Mariana e Clarissa e eu no aeroporto de Banda Aceh, no extremo norte da Ilha de Sumatra. Uma van nos aguardava para nos levar até nosso hotel.
Passamos a noite de Natal acompanhados de turistas de todo canto, Austrália, Estados Unidos, França, Croácia e uma ceia natalina divina foi servida!
Tínhamos tudo planejado com um guia local que nos levaria em seu barco para o melhor mergulho de nossas vidas na manhã seguinte, dia 25. Mas um imprevisto impossibilitou nosso passeio. Algo aconteceu com o guia, talvez uma ressaca natalina, não sei bem o que houve. Depois de desculpas e um bônus extra no pacote de ilhas que conheceríamos, marcamos para o dia seguinte.
Na manhã do dia 26 o sol apareceu impecável, poucas nuvens no céu nos garantia uma visibilidade de mais de dez metros nas profundezas próximo à ilha de Palau Tuan.
Tomamos um leve café da manhã e nos encontramos com Rimba, nosso guia, na recepção do hotel. Eram oito horas da manhã quando seguimos de barco num mar estranhamente calmo em direção ao local próximo a ilha onde ancoramos. Comentamos sobre o quão baixa estava a maré naquela manhã.
Conseguíamos ver a silhueta da costa de onde estávamos.  Ao longe, as edificações marcavam a vila repleta de pousadas, nosso hotel, que era a maior construção da vila e pontinhos pretos se mexendo, que claro, eram os turistas misturados aos moradores, iniciando mais um dia agitado.
Rimba se preparou para mergulhar conosco. Entramos na água, conferimos nosso equipamento e o seguimos num mergulho colorido e espetacular a uma profundidade de cerca de vinte e cinco metros. Seu auxiliar, Satria, ficou no barco como era de praxe.
Estávamos há vinte minutos no fundo, deslumbrados com tanta cor, beleza, peixes nunca vistos, quando sentimos uma forte corrente marítima nos atingir. A água, a princípio transparente, ficou turva, nos impossibilitando de ver dois metros a nossa frente.
Rimba sinalizou que deveríamos subir à superfície. Com a água turva, nos perdemos no caminho de volta pois não encontrávamos o barco quando olhávamos do fundo. Levamos mais ou menos dez minutos para chegarmos à superfície e no caminho de volta, nosso grupo foi separado pela forte corrente que jogou Mariana e Gilmar para longe. O medo tomou conta de todos. Rimba sinalizou para que Clarissa e eu continuássemos nossa subida, e que ele iria aguardar por meu esposo e Mariana que tentavam nadar de volta na nossa direção, mas sem sucesso. A corrente estava muito forte e o contato visual péssimo. Para aumentar ainda mais nosso desespero, algas começaram a se enroscar no cilindro da Clarissa, nos meus óculos de mergulho e eu não conseguia mais ter contato visual com Mariana e Gilmar. Entrei em desespero. “Eles sumiram!”, eu tentava me comunicar com Clarissa por mímica. Ela, mais calma, pegou no meu braço e apontou em direção à superfície. Eu a segui.
Quando finalmente conseguimos emergir, Gilmar e Mariana já estavam na superfície, separados da gente por uns cem metros, mas juntos, o que foi um alívio. Em seguida Rimba também apareceu logo ao nosso lado, muito assustado. A água transparente tinha se tornado escura, suja, com algas por toda parte. Procuramos pelo barco, por Sátria, o auxiliar, e nada. Olhamos em direção à vila e o mar pareceu não ter mais fim. Era tudo água, a vila, as árvores, as pousadas, o hotel de luxo. Tudo virou um emaranhado de tudo.
Era o fim da vila, o fim do barco, o fim de Sátria, o auxiliar.
Nos salvamos do pior tsunami já registrado na Ásia justamente por estarmos no fundo do mar, uma ironia.
A correnteza teimava em nos separar, mas com uma corda amarrada no pulso de cada um, conseguimos nadar chegar juntos até a vila devastada. Esse percurso levou quase duas horas. Exaustos e sem fôlego, nos deparamos com corpos boiando, entulhos de todos os tipos por todos os lados. Pessoas que sobreviveram ao tsunami gritavam por pessoas desaparecidas, uns choravam, outros socorriam os sobreviventes feridos, todos em estado de choque. No caminho até chegarmos ao local mais alto da ilha, socorremos muitas pessoas e resgatamos alguns corpos dos entulhos. Perdemos tudo, mas estávamos vivos.
Até hoje me pergunto: se tivéssemos saído para o mergulho no dia 25 como estava combinado a princípio, será que Satria ainda estaria vivo? Será que teríamos sobrevivido ao tsunami em terra?
E se...
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