anamariabasso

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Professora, escritora e apaixonada por viagens.

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Alguns Poemas

O Anjo (Crônica)

Onde estás, oh criação, que dorme pesadelos e vive sonhos tresloucados, contando com o perdão divino?
Uma vez vivi uma experiência um tanto surreal. Saí do meu corpo enquanto dormia e me deparei com monstros alados e chifrudos e estes, quando me fitaram, colocaram fogo pela goela para me queimar as pestanas. 
Corri, corri muito para me livrar das criaturas na esperança de encontrar um riacho pra apagar o incêndio que o fogo cuspido pelos dragões me crestava.
Acordei vertendo água pelos poros mas aliviada de ter me livrado de tais seres fabulosos.
Aí minha vida começou naquele dia, um dia divino, cheio de luz do sol. Vivi um sonho acordada. Sonhei que pisava firme no chão dentro do meu corpo e resolvi banhar-me dele, do sol, pra captar energias e seguir a diante em busca de respostas para minhas inquirições. Esperava respostas convincentes sobre a vida, a morte, Eu, Deus... Eu me escrevo com letra maiúscula, pois uma resposta Eu consegui naquele dia, que Eu sou Deus, sou o meu Deus e que todos nós temos um dentro do corpo vivo. Um Deus tão poderoso que julga, condena, absolve, dá à luz, tira a vida, faz e acontece, ama, odeia, cria e destrói. Esse Deus que Eu tenho dentro do meu corpo vivo é o Deus todo poderoso e Eu tenho todo controle sobre ele. Deus sou Eu. Sabe quem me deu essa resposta? Foi um anjo.
Bom, consegui respostas sobre Eu e Deus naquele dia, mas a vida e a morte ficaram para a noite depois do dia que estava por vir, a noite em que eu dormiria pesadelos de novo, mas agora sabendo que só esse Eu despacharia os dragões para outro planeta.

A Louca (Crônica)

Pensei em vários títulos para essa história, e depois de lerem o que vou contar, vão concordar comigo.
O dia prometia transcorrer normalmente: acordar num dia de férias, visitar minha mãe e me despedir de minha irmã que retornaria de sua viagem de férias, brincar com minha sobrinha de lindos olhos azuis e comer bolo e pão de queijo com café. Porém, ver uma louca se jogar do quarto andar de um apart-hotel, definitivamente não estava nos meus planos.
Ao atravessar a última esquina que levaria ao prédio de minha mãe, um grito que veio do apart-hotel à minha direita me chamou a atenção, e quando olhei na direção e me deparei com uma mulher de calcinha preta e camiseta vermelha se lançando sobre a pequena sacada do apartamento, me senti como se assistindo a um filme. Cobri os olhos para não ver o que eu realmente via, uma louca se lançando sobre a sacada, mudando de ideia na metade do caminho e se agarrando ao parapeito da sacada para não cair.
Numa questão de segundos pensei na minha covardia em não querer olhar e, quem sabe, poder ajudar aquela louca a mudar de ideia. Voltei meu olhar para a louca pendurada na sacada e lá de dentro do apartamento saiu um homem que rapidamente a agarrou pelos braços. Ela ficou lá, tentando apoiar as pernas em algo e gritando não sei o que.
Começou a juntar gente, eu olhava para a louca pendurada, olhava para baixo onde ela provavelmente cairia, olhava para o homem que tentava segurá-la, olhava para um senhor que surgiu no segundo andar e ficou a olhar a multidão que se formava e comecei a gritar para ele que chamasse a polícia.
Vi quando o porteiro do apart-hotel saiu correndo em direção à portaria, vi quando o homem que segurava a louca pediu que ela tivesse calma, vi quando um senhor de terno azul escuro parou do meu lado com seu celular na mão e vi quando alguns carros pararam na esquina e de dentro deles saíram seus motoristas para ver o que estava acontecendo ali.
Eu gritei novamente para o senhor no segundo andar! “Chame a polícia!” Mas a sensação que eu tinha era de que ninguém me ouvia, e a louca continuava pendurada.
O senhor de terno azul marinho que estava parado ao meu lado, muito calmamente me perguntou se o número do bombeiro era 193. Eu olhei para ele e me dei em conta de que meu celular estava no bolso da minha calça preta. Ao pegá-lo tentei ligar 190, mas eu não me concentrava no teclado e disquei 199. Cancelei a discagem, olhei novamente em direção à louca dependurada na sacada do quarto andar e percebi que o homem que a agarrava pelos braços estava obtendo sucesso em puxá-la para cima e para dentro. Mais uma vez eu tentei discar 190 e quando no meu celular acusou “chamando”, o homem conseguiu salvar a louca de sua queda mortal.
Que alívio! Cancelei a ligação para a polícia.
O senhor de terno azul marinho do meu lado murmurou algo que eu não entendi e seguiu o seu caminho. As pessoas que haviam saído de seus carros para ver a louca cair também seguiram seus caminhos. A multidão que se formara na frente do apart-hotel se dispersou e eu fiquei ali parada por mais alguns instantes, para ver se alguém apareceria na sacada do quarto andar pra dizer que estava tudo bem, mas o homem e a louca sumiram para dentro do apartamento.
Devolvi meu celular para o meu bolso e disse para mim mesma: “que louca”.
Voltei a caminhar na direção do prédio da minha mãe que se encontrava há alguns metros e meus pensamentos fervilhavam. O que poderia ter levado aquela louca a tentar se matar? Sim, porque foi exatamente o que ela fez, ela se jogou lá de cima, mas um milésimo de segundo de bom senso a fez mudar de ideia e se agarrar ao parapeito. Seria desespero por um amor não correspondido? Seria chantagem por um pedido não realizado? Ou seria algum tipo de doença mental que acometia aquela pobre jovem?
Quando cheguei ao meu destino, me pus a chorar abraçada à minha irmã que estava de visitas. Ela pensou que eu tivesse sido assaltada ou coisa parecida, e, aos prantos, contei o que eu acabara de presenciar. Minha outra irmã chegou em seguida e quis saber também o que tinha acontecido.
Agora, contando a história da louca, penso em suicidas pelo mundo afora. Se Deus nos deu o livre arbítrio, então cometer suicídio é uma escolha individual, da qual ninguém deve se intrometer ou impedir, ou não? Eu sou livre e faço da minha vida o que bem entender, inclusive acabar com ela, ou não?
Mas e depois dela, da morte, o que virá? A escuridão para os suicidas? Quem disse?
Seria um covarde aquele que tira a própria vida ou um covarde aquele que não tem coragem de tirá-la?
Para a minha verdade, sei que quero viver. Preferiria viver sem ter que ver pessoas pulando de sacadas, mas se tiver a má sorte de presenciar novamente coisas do tipo, tentarei agir mais rápido com relação ao meu celular no bolso da minha calça.
Nesse dia, mal sabia eu que alguém muito próximo e que eu amava muito, teria o êxito que a louca não teve por causa do milésimo de segundo.
 

E Se (Crônica)

Fim de ano, época de planejar aquela viagem no Natal e Ano Novo naquele lugar especial.
Era o ano de 2004 e depois de discutirmos as opções, decidimos pela Ilha de Sumatra, na Indonésia. Somos loucos por mergulho de cilindro e lá era o lugar perfeito para observar peixes exóticos, com uma visibilidade incrível e pouca corrente marítima essa época do ano. Um sonho de viagem que há tempos estava nos nossos planos. Tudo conspirava a nosso favor: férias de final de ano coincidindo com as do marido e das filhas e um pacote de viagem com tudo incluso por um preço tentador. A viagem perfeita!
Chegamos dia 24 de dezembro, já véspera de Natal, meu esposo Gilmar, minhas duas filhas já adultas, Mariana e Clarissa e eu no aeroporto de Banda Aceh, no extremo norte da Ilha de Sumatra. Uma van nos aguardava para nos levar até nosso hotel.
Passamos a noite de Natal acompanhados de turistas de todo canto, Austrália, Estados Unidos, França, Croácia e uma ceia natalina divina foi servida!
Tínhamos tudo planejado com um guia local que nos levaria em seu barco para o melhor mergulho de nossas vidas na manhã seguinte, dia 25. Mas um imprevisto impossibilitou nosso passeio. Algo aconteceu com o guia, talvez uma ressaca natalina, não sei bem o que houve. Depois de desculpas e um bônus extra no pacote de ilhas que conheceríamos, marcamos para o dia seguinte.
Na manhã do dia 26 o sol apareceu impecável, poucas nuvens no céu nos garantia uma visibilidade de mais de dez metros nas profundezas próximo à ilha de Palau Tuan.
Tomamos um leve café da manhã e nos encontramos com Rimba, nosso guia, na recepção do hotel. Eram oito horas da manhã quando seguimos de barco num mar estranhamente calmo em direção ao local próximo a ilha onde ancoramos. Comentamos sobre o quão baixa estava a maré naquela manhã.
Conseguíamos ver a silhueta da costa de onde estávamos.  Ao longe, as edificações marcavam a vila repleta de pousadas, nosso hotel, que era a maior construção da vila e pontinhos pretos se mexendo, que claro, eram os turistas misturados aos moradores, iniciando mais um dia agitado.
Rimba se preparou para mergulhar conosco. Entramos na água, conferimos nosso equipamento e o seguimos num mergulho colorido e espetacular a uma profundidade de cerca de vinte e cinco metros. Seu auxiliar, Satria, ficou no barco como era de praxe.
Estávamos há vinte minutos no fundo, deslumbrados com tanta cor, beleza, peixes nunca vistos, quando sentimos uma forte corrente marítima nos atingir. A água, a princípio transparente, ficou turva, nos impossibilitando de ver dois metros a nossa frente.
Rimba sinalizou que deveríamos subir à superfície. Com a água turva, nos perdemos no caminho de volta pois não encontrávamos o barco quando olhávamos do fundo. Levamos mais ou menos dez minutos para chegarmos à superfície e no caminho de volta, nosso grupo foi separado pela forte corrente que jogou Mariana e Gilmar para longe. O medo tomou conta de todos. Rimba sinalizou para que Clarissa e eu continuássemos nossa subida, e que ele iria aguardar por meu esposo e Mariana que tentavam nadar de volta na nossa direção, mas sem sucesso. A corrente estava muito forte e o contato visual péssimo. Para aumentar ainda mais nosso desespero, algas começaram a se enroscar no cilindro da Clarissa, nos meus óculos de mergulho e eu não conseguia mais ter contato visual com Mariana e Gilmar. Entrei em desespero. “Eles sumiram!”, eu tentava me comunicar com Clarissa por mímica. Ela, mais calma, pegou no meu braço e apontou em direção à superfície. Eu a segui.
Quando finalmente conseguimos emergir, Gilmar e Mariana já estavam na superfície, separados da gente por uns cem metros, mas juntos, o que foi um alívio. Em seguida Rimba também apareceu logo ao nosso lado, muito assustado. A água transparente tinha se tornado escura, suja, com algas por toda parte. Procuramos pelo barco, por Sátria, o auxiliar, e nada. Olhamos em direção à vila e o mar pareceu não ter mais fim. Era tudo água, a vila, as árvores, as pousadas, o hotel de luxo. Tudo virou um emaranhado de tudo.
Era o fim da vila, o fim do barco, o fim de Sátria, o auxiliar.
Nos salvamos do pior tsunami já registrado na Ásia justamente por estarmos no fundo do mar, uma ironia.
A correnteza teimava em nos separar, mas com uma corda amarrada no pulso de cada um, conseguimos nadar chegar juntos até a vila devastada. Esse percurso levou quase duas horas. Exaustos e sem fôlego, nos deparamos com corpos boiando, entulhos de todos os tipos por todos os lados. Pessoas que sobreviveram ao tsunami gritavam por pessoas desaparecidas, uns choravam, outros socorriam os sobreviventes feridos, todos em estado de choque. No caminho até chegarmos ao local mais alto da ilha, socorremos muitas pessoas e resgatamos alguns corpos dos entulhos. Perdemos tudo, mas estávamos vivos.
Até hoje me pergunto: se tivéssemos saído para o mergulho no dia 25 como estava combinado a princípio, será que Satria ainda estaria vivo? Será que teríamos sobrevivido ao tsunami em terra?
E se...

A Louca

Pensei em vários títulos para essa história, e depois de lerem o que vou contar, vão concordar comigo.
O dia prometia transcorrer normalmente: acordar num dia de férias, visitar minha mãe e me despedir de minha irmã que retornaria de sua viagem de férias, brincar com minha sobrinha de lindos olhos azuis e comer bolo e pão de queijo com café. Porém, ver uma louca se jogar do quarto andar de um apart-hotel, definitivamente não estava nos meus planos.
Ao atravessar a última esquina que levaria ao prédio de minha mãe, um grito que veio do apart-hotel à minha direita me chamou a atenção, e quando olhei na direção e me deparei com uma mulher de calcinha preta e camiseta vermelha se lançando sobre a pequena sacada do apartamento, me senti como se assistindo a um filme. Cobri os olhos para não ver o que eu realmente via, uma louca se lançando sobre a sacada, mudando de ideia na metade do caminho e se agarrando ao parapeito da sacada para não cair.
Numa questão de segundos pensei na minha covardia em não querer olhar e, quem sabe, poder ajudar aquela louca a mudar de ideia. Voltei meu olhar para a louca pendurada na sacada e lá de dentro do apartamento saiu um homem que rapidamente a agarrou pelos braços. Ela ficou lá, tentando apoiar as pernas em algo e gritando não sei o que.
Começou a juntar gente, eu olhava para a louca pendurada, olhava para baixo onde ela provavelmente cairia, olhava para o homem que tentava segurá-la, olhava para um senhor que surgiu no segundo andar e ficou a olhar a multidão que se formava e comecei a gritar para ele que chamasse a polícia.
Vi quando o porteiro do apart-hotel saiu correndo em direção à portaria, vi quando o homem que segurava a louca pediu que ela tivesse calma, vi quando um senhor de terno azul escuro parou do meu lado com seu celular na mão e vi quando alguns carros pararam na esquina e de dentro deles saíram seus motoristas para ver o que estava acontecendo ali.
Eu gritei novamente para o senhor no segundo andar! “Chame a polícia!” Mas a sensação que eu tinha era de que ninguém me ouvia, e a louca continuava pendurada.
O senhor de terno azul marinho que estava parado ao meu lado, muito calmamente me perguntou se o número do bombeiro era 193. Eu olhei para ele e me dei em conta de que meu celular estava no bolso da minha calça preta. Ao pegá-lo tentei ligar 190, mas eu não me concentrava no teclado e disquei 199. Cancelei a discagem, olhei novamente em direção à louca dependurada na sacada do quarto andar e percebi que o homem que a agarrava pelos braços estava obtendo sucesso em puxá-la para cima e para dentro. Mais uma vez eu tentei discar 190 e quando no meu celular acusou “chamando”, o homem conseguiu salvar a louca de sua queda mortal.
Que alívio! Cancelei a ligação para a polícia.
O senhor de terno azul marinho do meu lado murmurou algo que eu não entendi e seguiu o seu caminho. As pessoas que haviam saído de seus carros para ver a louca cair também seguiram seus caminhos. A multidão que se formara na frente do apart-hotel se dispersou e eu fiquei ali parada por mais alguns instantes, para ver se alguém apareceria na sacada do quarto andar pra dizer que estava tudo bem, mas o homem e a louca sumiram para dentro do apartamento.
Devolvi meu celular para o meu bolso e disse para mim mesma: “que louca”.
Voltei a caminhar na direção do prédio da minha mãe que se encontrava há alguns metros e meus pensamentos fervilhavam. O que poderia ter levado aquela louca a tentar se matar? Sim, porque foi exatamente o que ela fez, ela se jogou lá de cima, mas um milésimo de segundo de bom senso a fez mudar de ideia e se agarrar ao parapeito. Seria desespero por um amor não correspondido? Seria chantagem por um pedido não realizado? Ou seria algum tipo de doença mental que acometia aquela pobre jovem?
Quando cheguei ao meu destino, me pus a chorar abraçada à minha irmã que estava de visitas. Ela pensou que eu tivesse sido assaltada ou coisa parecida, e, aos prantos, contei o que eu acabara de presenciar. Minha outra irmã chegou em seguida e quis saber também o que tinha acontecido.
Agora, contando a história da louca, penso em suicidas pelo mundo afora. Se Deus nos deu o livre arbítrio, então cometer suicídio é uma escolha individual, da qual ninguém deve se intrometer ou impedir, ou não? Eu sou livre e faço da minha vida o que bem entender, inclusive acabar com ela, ou não?
Mas e depois dela, da morte, o que virá? A escuridão para os suicidas? Quem disse?
Seria um covarde aquele que tira a própria vida ou um covarde aquele que não tem coragem de tirá-la?
Para a minha verdade, sei que quero viver. Preferiria viver sem ter que ver pessoas pulando de sacadas, mas se tiver a má sorte de presenciar novamente coisas do tipo, tentarei agir mais rápido com relação ao meu celular no bolso da minha calça.
Nesse dia, mal sabia eu que alguém muito próximo e que eu amava muito, teria o êxito que a louca não teve por causa do milésimo de segundo.

A Maratona (Crônica)

Descobri o prazer de correr para me exercitar e relaxar.
Quase todos os dias, entre cinco e seis da tarde saio para a Avenida das Cataratas para fazer isso que denomino o meu mais novo hobby, correr. Já corro oito quilômetros sem parar, claro que dando passadas leves, mas que provocam em meu corpo um suor prazeroso, pois, como mulher já chegando na faixa dos cinquenta anos, nada melhor do que sentir a transformação que esta corrida está fazendo com meu corpo, deixando-o magro e firme.
Toda esta introdução é para chegar na minha mais nova proeza, correr uma maratona.
Pois é, de moto com meu amor pela cidade outro dia, nos deparamos com um outdoor anunciando a "Meia Maratona das Cataratas" que aconteceria em breve. Fiquei toda empolgada, afinal eu já corro oito quilômetros sem parar, então vinte e um seria só uma questão de treino. Grande engano!
Correr uma maratona, mesmo que seja meia, requer um treino de meses, o que eu não tinha até o acontecimento, mas lá fui eu, continuando com a minha corrida da tarde, só que aumentando o percurso, mas nunca a velocidade. Outro grande engano.
Cinco dias antes da largada saí de viagem a trabalho para São Paulo e Rio, foi uma maratona, mas de visitas a livrarias e lojas de pedras preciosas, o que eu não quero entrar em detalhes nesta crônica.
Cheguei no Sábado a tempo de pegar o Kit do Atleta com camiseta, boné, um chip para ser colocado no tênis para medir o tempo de corrida e um vale jantar no Hotel que patrocinava a Meia Maratona, tudo por cem reais com a inscrição inclusa, é claro. No sábado à tarde, saí para treinar, sem forçar, para salvar energias para o grande dia que seria o seguinte.
E o seguinte chegou bem cedo.
Às sete horas da manhã meu amor me deixou no local indicado pela organização da prova para a largada.
Havia umas mil pessoas no local, entre mulheres e homens, uns famosos do ramo, outros nem tanto, e eu.
Helicóptero sobrevoando o local nos filmando, televisão entrevistando os atletas profissionais e os anônimos, e eu, só a observar, solitária em meu short verde, camiseta do meu patrocinador, o Brasas English Course, que é minha escola, meu iPod de estimação, meu tênis Nike já surrado, meu chapéu branco de tecido e todo um desejo de completar a Meia Maratona das Cataratas.
Foi dada a largada e saí no meio do pelotão geral. Nossa, que sensação gostosa ver toda aquela gente correndo ao meu lado, na minha frente, atrás de mim, todos correndo, fazendo aquilo que descobri ser uma delícia, uma brisa batendo de leve no meu rosto, Phil Collins cantando nos meus ouvidos, o trânsito todo parado, pessoas acenando e torcendo, motos passando com fotógrafos na garupa e eu fazendo pose, correndo e fazendo o V da vitória com os dedos.
Comecei com minhas passadas curtas e regulares, como estava acostumada a fazer nas minhas tardes de relaxamento, mas notei que muitos corredores estavam me ultrapassando, e eu ficando para trás. Resolvi acelerar meu passo e acompanhar um senhor que ia ao meu lado. Pensei comigo, ‘um senhor de uns setenta anos vai ser fácil acompanhar, assim manterei um ritmo'.
Havia homens e mulheres atrás de mim e muita gente à minha frente. Veio a primeira descida, a primeira subida, e eu mantive o passo acelerado para acompanhar o senhor de setenta anos e ficar à frente da turma que vinha atrás de mim.
Mais outra descida e outra subida e começou uma leve garoa. Avistei a placa do quilômetro cinco. Nossa, como eu já me sentia cansada, mas ordenei ao meu cérebro que se lembrasse das minhas corridas anteriores, da minha corrida até o portão da maior hidrelétrica do mundo, ida e volta, de todo o pouco treino que eu havia feito até então. Ele se lembrou e minhas pernas conseguiram continuar correndo. Avistei o quilômetro sete e o portão do Parque Nacional já estava perto. Chegar até o Parque era uma questão de honra. Pois cheguei. O senhor de setenta anos parou e eu pensei comigo, 'deve ter desistido', mas ele só tinha ido ao banheiro. Continuei minha corrida já rodeada de árvores, num asfalto precário que exigia de cada passada um esforço maior. A garoa continuava a cair e a me molhar toda, mas a expectativa de chegar logo era um estímulo!
Pensei no meu amor que já estava à minha espera lá nas Cataratas. Olhei meu relógio e vi que talvez não conseguisse cumprir a maratona no tempo máximo estipulado, duas horas e trinta minutos, pois ainda estava no quilômetro doze, e já corria há quase duas horas. Mais nove quilômetros. Será que consigo?
De repente, o senhor que tinha parado para ir ao banheiro passou a toda por mim. 'Mas como?' Eu pensei, 'onde ele acha tanta energia já a essa altura da corrida?' Os corredores à minha volta já eram bem escassos, uns oito para trás, uns cinco à minha frente, inclusive o senhor de setenta anos que agora usava uma capa de chuvas transparente. Pensei em dar uma caminhada com passadas largas para descansar, mas se diminuísse ainda mais o ritmo, os oito corredores atrás de mim me ultrapassariam e eu chegaria em último lugar.  Sem chances, em penúltimo talvez, mas não em último! E mantive o passo da corrida me sentindo muito cansada. Eu não fazia ideia do quanto vinte e um quilômetros era longe para correr, para caminhar, longe pra tudo naquela altura do meu cansaço. No quilômetro quatorze, uma mulher que vinha atrás de mim me ultrapassou e a turma que ainda era visível à minha frente sumiu correndo. Minha solidão foi intensa neste momento. Desejei que meu amor viesse me buscar, me tirasse dessa agonia, eu não aguentava mais correr.
Decidi caminhar para descansar, eu precisava descansar se quisesse chegar. Mais dois corredores passaram por mim neste momento. Avistei ao longe mais um posto de água. Pensei em ficar por ali mesmo, de tão cansada, mas como que ligada no automático, voltei a correr, passei pela turma solidária, agarrei um copo de água e continuei minha jornada. Era meu cérebro no comando.
Já não queria ouvir Coldplay que cantava nos meus ouvidos, eu já não queria correr mais, queria estar no aconchego do meu lar, quentinha, tomando um chocolate quente. Queria pegar uma carona até a chegada, eu queria sentar e esperar que viessem me buscar, pois meu corpo já não aguentava mais correr.
Meu corpo não aguentava, mas meu cérebro ordenava que minhas pernas continuassem correndo e que logo chegaríamos, cérebro e corpo juntos.
No quilômetro dezoito fui alcançada por uma mulher de Natal, Rio Grande do Norte, que já estava correndo sua terceira meia maratona. Buscamos forças e conversamos pelos próximos dois quilômetros. Ela me disse que veio de Natal com um grupo de três pessoas e que todos estavam correndo a meia maratona, só que já estavam à sua frente. Ela ficara para trás pois teve que atender ao chamado da natureza. Ela tinha a minha idade. Neste momento, um ônibus cheio de turistas passou por nós em direção às Cataratas e gritaram para nós: "Força! Vocês estão chegando!" Abanei a mão em agradecimento, mas meu desejo era outro, eu queria minha casa! Minha mais nova amiga de Natal continuava ali, ao meu lado e a placa do quilômetro vinte apareceu. Uma movimentação intensa em frente ao grande hotel à minha esquerda se instalara e à minha direita um cenário deslumbrante apareceu, as Cataratas do Iguaçu. 'Estou chegando', pensei. Minha amiga acelerou o passo pra chegar em grande estilo e eu fiquei pra trás neste último quilômetro. Havia uma derradeira subida à minha frente e a sensação foi de estar escalando o Evereste, não que eu o tenha escalado, mas se lê muito sobre o esforço sobre humano que exige esta escalada. Meus joelhos doíam, meus pés doíam, mas meu cérebro imperava no comando do meu corpo. Escalei o Evereste e lá longe avistei um tapete vermelho vazio de humanos e o cronômetro do relógio abaixo da palavra mais linda do mundo "chegada" marcava duas horas e cinquenta e nove minutos. Vi quando mudou para três horas, três e um, e eu continuava correndo. Neste momento procurei pelo meu amor, queria abraçá-lo com meus olhos, queria beijá-lo com meus braços, mas o tapete estava vazio, solitário como eu. Avistei um homem vestido numa capa de chuvas toda branca vindo na minha direção no tapete vermelho com um sorriso lindo nos lábios, um olhar de alívio estampado no rosto e uma máquina fotográfica nas mãos. Era o meu amor! Com toda a ocupação do meu cérebro em fazer meu corpo chegar até a linha de chegada, não reconheci meu amor de longe. Mas ele estava lá, à minha espera, preocupado com minha demora, agoniado com minha ausência no tapete vermelho, mas com o sorriso mais lindo que eu já vi.
Foi pura emoção cruzar a linha de chegada sob o aplauso dos poucos organizadores que ainda se encontravam em seus postos. Pura emoção!
Fiz pose mostrando nos dedos o V da vitória para as fotos que meu amor tirava de mim, uma atrás da outra. Ele ficava repetindo que eu era maluca, perguntando se eu estava bem, dizendo para eu caminhar mais um pouco para as pernas se acostumarem com o andar, enfim, ele estava ali, para me amparar, me abraçar, me parabenizar pela proeza de completar a Meia Maratona das Cataratas, vinte e um quilômetros de...  como definir... vinte e um quilômetros de expectativa, de pura superação. Adorei!

A Arte de Esperar

Quando você se vê contando os minutos para o anoitecer, para o próximo dia chegar, isso é um mal sinal. A ansiedade chega com tudo e te arrebata. Ela te manda direto para a geladeira, e mesmo não tendo nada “gostoso” para comer, você inventa. É uma torrada que estava encostada há dias no armário ou mesmo aquela bolacha recheada muito doce e enjoativa, tudo fica uma delícia. Depois de saciada a fome da ansiedade, agora é a insônia que bate à porta. O livro romântico, o filme marcado para assistir de madrugada ou mesmo aquela rede social cheia de “amigos” ficam desinteressantes e chatos. E o tempo não passa!
A ansiedade tem causa na espera impaciente. Você espera por tanta coisa, por tanta gente nessa vida, que adoece o corpo e muitas vezes a alma esperando.
Paciência é uma aliada de poucos, dos controlados, eu diria. Mas para aquele impaciente, esperar é sinônimo de angústia.
Como saber esperar sem sofrer é um paradoxo para muitos, inclusive para mim.  A definição filosófica de paradoxo: “contradição que chega, em certos casos, a se opor às razões do pensamento humano ou nega o que a maioria tende a acreditar”. Analisando: contradição que chega a se opor às razões do pensamento é nada mais do que saber que tem que esperar, mas não querer esperar. Negar o que a maioria tende a acreditar não se refere àquela máxima de que “quem espera sempre alcança”? Pronto, simples assim! Ninguém quer esperar por nada. Vivemos na idade do imediatismo, onde cartas viraram e-mails e cruzam oceanos num piscar de olhos. A notícia então, essa além de chegar instantaneamente, chega muitas vezes distorcida, aumentada, e não como a gente “esperava”.
O nosso tempo é agora. Não há tempo para a espera. Não há tempo a perder. E definitivamente, não há tempo para viver calmamente.
A impaciência modifica a vida, alimenta o desânimo e frustra a vitória.
Já a arte de esperar derruba incertezas, ouve um “não” quando na verdade quer dizer “espere”, e a recompensa da espera é grandiosa, eterna.
Então espere, acalme sua alma.
Confie.
Eu, particularmente, espero por muitas coisas nessa vida. Recentemente esperei pacientemente com o meu amor por longos e aventureiros três meses um acontecimento importante nas nossas vidas, e alcançamos o resultado esperado.
Resumindo... O que depender de mim está ao alcance da minha mão, já o que depender de outro, vai precisar da minha mão.
Eu confio. E você?

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