A Maratona (Crônica)
Descobri o prazer de correr para me exercitar e relaxar.
Quase todos os dias, entre cinco e seis da tarde saio para a Avenida das Cataratas para fazer isso que denomino o meu mais novo hobby, correr. Já corro oito quilômetros sem parar, claro que dando passadas leves, mas que provocam em meu corpo um suor prazeroso, pois, como mulher já chegando na faixa dos cinquenta anos, nada melhor do que sentir a transformação que esta corrida está fazendo com meu corpo, deixando-o magro e firme.
Toda esta introdução é para chegar na minha mais nova proeza, correr uma maratona.
Pois é, de moto com meu amor pela cidade outro dia, nos deparamos com um outdoor anunciando a "Meia Maratona das Cataratas" que aconteceria em breve. Fiquei toda empolgada, afinal eu já corro oito quilômetros sem parar, então vinte e um seria só uma questão de treino. Grande engano!
Correr uma maratona, mesmo que seja meia, requer um treino de meses, o que eu não tinha até o acontecimento, mas lá fui eu, continuando com a minha corrida da tarde, só que aumentando o percurso, mas nunca a velocidade. Outro grande engano.
Cinco dias antes da largada saí de viagem a trabalho para São Paulo e Rio, foi uma maratona, mas de visitas a livrarias e lojas de pedras preciosas, o que eu não quero entrar em detalhes nesta crônica.
Cheguei no Sábado a tempo de pegar o Kit do Atleta com camiseta, boné, um chip para ser colocado no tênis para medir o tempo de corrida e um vale jantar no Hotel que patrocinava a Meia Maratona, tudo por cem reais com a inscrição inclusa, é claro. No sábado à tarde, saí para treinar, sem forçar, para salvar energias para o grande dia que seria o seguinte.
E o seguinte chegou bem cedo.
Às sete horas da manhã meu amor me deixou no local indicado pela organização da prova para a largada.
Havia umas mil pessoas no local, entre mulheres e homens, uns famosos do ramo, outros nem tanto, e eu.
Helicóptero sobrevoando o local nos filmando, televisão entrevistando os atletas profissionais e os anônimos, e eu, só a observar, solitária em meu short verde, camiseta do meu patrocinador, o Brasas English Course, que é minha escola, meu iPod de estimação, meu tênis Nike já surrado, meu chapéu branco de tecido e todo um desejo de completar a Meia Maratona das Cataratas.
Foi dada a largada e saí no meio do pelotão geral. Nossa, que sensação gostosa ver toda aquela gente correndo ao meu lado, na minha frente, atrás de mim, todos correndo, fazendo aquilo que descobri ser uma delícia, uma brisa batendo de leve no meu rosto, Phil Collins cantando nos meus ouvidos, o trânsito todo parado, pessoas acenando e torcendo, motos passando com fotógrafos na garupa e eu fazendo pose, correndo e fazendo o V da vitória com os dedos.
Comecei com minhas passadas curtas e regulares, como estava acostumada a fazer nas minhas tardes de relaxamento, mas notei que muitos corredores estavam me ultrapassando, e eu ficando para trás. Resolvi acelerar meu passo e acompanhar um senhor que ia ao meu lado. Pensei comigo, ‘um senhor de uns setenta anos vai ser fácil acompanhar, assim manterei um ritmo'.
Havia homens e mulheres atrás de mim e muita gente à minha frente. Veio a primeira descida, a primeira subida, e eu mantive o passo acelerado para acompanhar o senhor de setenta anos e ficar à frente da turma que vinha atrás de mim.
Mais outra descida e outra subida e começou uma leve garoa. Avistei a placa do quilômetro cinco. Nossa, como eu já me sentia cansada, mas ordenei ao meu cérebro que se lembrasse das minhas corridas anteriores, da minha corrida até o portão da maior hidrelétrica do mundo, ida e volta, de todo o pouco treino que eu havia feito até então. Ele se lembrou e minhas pernas conseguiram continuar correndo. Avistei o quilômetro sete e o portão do Parque Nacional já estava perto. Chegar até o Parque era uma questão de honra. Pois cheguei. O senhor de setenta anos parou e eu pensei comigo, 'deve ter desistido', mas ele só tinha ido ao banheiro. Continuei minha corrida já rodeada de árvores, num asfalto precário que exigia de cada passada um esforço maior. A garoa continuava a cair e a me molhar toda, mas a expectativa de chegar logo era um estímulo!
Pensei no meu amor que já estava à minha espera lá nas Cataratas. Olhei meu relógio e vi que talvez não conseguisse cumprir a maratona no tempo máximo estipulado, duas horas e trinta minutos, pois ainda estava no quilômetro doze, e já corria há quase duas horas. Mais nove quilômetros. Será que consigo?
De repente, o senhor que tinha parado para ir ao banheiro passou a toda por mim. 'Mas como?' Eu pensei, 'onde ele acha tanta energia já a essa altura da corrida?' Os corredores à minha volta já eram bem escassos, uns oito para trás, uns cinco à minha frente, inclusive o senhor de setenta anos que agora usava uma capa de chuvas transparente. Pensei em dar uma caminhada com passadas largas para descansar, mas se diminuísse ainda mais o ritmo, os oito corredores atrás de mim me ultrapassariam e eu chegaria em último lugar. Sem chances, em penúltimo talvez, mas não em último! E mantive o passo da corrida me sentindo muito cansada. Eu não fazia ideia do quanto vinte e um quilômetros era longe para correr, para caminhar, longe pra tudo naquela altura do meu cansaço. No quilômetro quatorze, uma mulher que vinha atrás de mim me ultrapassou e a turma que ainda era visível à minha frente sumiu correndo. Minha solidão foi intensa neste momento. Desejei que meu amor viesse me buscar, me tirasse dessa agonia, eu não aguentava mais correr.
Decidi caminhar para descansar, eu precisava descansar se quisesse chegar. Mais dois corredores passaram por mim neste momento. Avistei ao longe mais um posto de água. Pensei em ficar por ali mesmo, de tão cansada, mas como que ligada no automático, voltei a correr, passei pela turma solidária, agarrei um copo de água e continuei minha jornada. Era meu cérebro no comando.
Já não queria ouvir Coldplay que cantava nos meus ouvidos, eu já não queria correr mais, queria estar no aconchego do meu lar, quentinha, tomando um chocolate quente. Queria pegar uma carona até a chegada, eu queria sentar e esperar que viessem me buscar, pois meu corpo já não aguentava mais correr.
Meu corpo não aguentava, mas meu cérebro ordenava que minhas pernas continuassem correndo e que logo chegaríamos, cérebro e corpo juntos.
No quilômetro dezoito fui alcançada por uma mulher de Natal, Rio Grande do Norte, que já estava correndo sua terceira meia maratona. Buscamos forças e conversamos pelos próximos dois quilômetros. Ela me disse que veio de Natal com um grupo de três pessoas e que todos estavam correndo a meia maratona, só que já estavam à sua frente. Ela ficara para trás pois teve que atender ao chamado da natureza. Ela tinha a minha idade. Neste momento, um ônibus cheio de turistas passou por nós em direção às Cataratas e gritaram para nós: "Força! Vocês estão chegando!" Abanei a mão em agradecimento, mas meu desejo era outro, eu queria minha casa! Minha mais nova amiga de Natal continuava ali, ao meu lado e a placa do quilômetro vinte apareceu. Uma movimentação intensa em frente ao grande hotel à minha esquerda se instalara e à minha direita um cenário deslumbrante apareceu, as Cataratas do Iguaçu. 'Estou chegando', pensei. Minha amiga acelerou o passo pra chegar em grande estilo e eu fiquei pra trás neste último quilômetro. Havia uma derradeira subida à minha frente e a sensação foi de estar escalando o Evereste, não que eu o tenha escalado, mas se lê muito sobre o esforço sobre humano que exige esta escalada. Meus joelhos doíam, meus pés doíam, mas meu cérebro imperava no comando do meu corpo. Escalei o Evereste e lá longe avistei um tapete vermelho vazio de humanos e o cronômetro do relógio abaixo da palavra mais linda do mundo "chegada" marcava duas horas e cinquenta e nove minutos. Vi quando mudou para três horas, três e um, e eu continuava correndo. Neste momento procurei pelo meu amor, queria abraçá-lo com meus olhos, queria beijá-lo com meus braços, mas o tapete estava vazio, solitário como eu. Avistei um homem vestido numa capa de chuvas toda branca vindo na minha direção no tapete vermelho com um sorriso lindo nos lábios, um olhar de alívio estampado no rosto e uma máquina fotográfica nas mãos. Era o meu amor! Com toda a ocupação do meu cérebro em fazer meu corpo chegar até a linha de chegada, não reconheci meu amor de longe. Mas ele estava lá, à minha espera, preocupado com minha demora, agoniado com minha ausência no tapete vermelho, mas com o sorriso mais lindo que eu já vi.
Foi pura emoção cruzar a linha de chegada sob o aplauso dos poucos organizadores que ainda se encontravam em seus postos. Pura emoção!
Fiz pose mostrando nos dedos o V da vitória para as fotos que meu amor tirava de mim, uma atrás da outra. Ele ficava repetindo que eu era maluca, perguntando se eu estava bem, dizendo para eu caminhar mais um pouco para as pernas se acostumarem com o andar, enfim, ele estava ali, para me amparar, me abraçar, me parabenizar pela proeza de completar a Meia Maratona das Cataratas, vinte e um quilômetros de... como definir... vinte e um quilômetros de expectativa, de pura superação. Adorei!
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