Este jardim foi construído

Este jardim foi construído para que a morte pareça benevolente
e não seja mais do que alguns botões secos de rosas
ainda presos aos ramos ou um punhado de pétalas secas
ao redor das raízes – um idílico cenário para que nele
vivêssemos jovens e não tivéssemos terror maior
do que os animais que desconhecem a palavra morte
e foi construído tendo como alicerce um princípio fundamental
para a tranquilidade de nossa agonia: o princípio da distração,
mas agora há um espelho diante do jardim
e ninguém consegue ser distraído de um espelho.

No começo, a atenção sobre cada detalhe do jardim refletido
causa certo encantamento: a beleza da louça do chá da tarde,
a placidez no semblante das estátuas, a ascensão tortuosa
e dolorosa das flores que buscam o céu com um sentimento
de profunda irmandade, a clareira de grama gasta e batida
no local em que dançamos, certos efeitos de claridade
nas horas em que sol parece evocar a pureza da água,
nós mesmos sentados – deuses que riem.

É preciso algum tempo – mas não tempo maior
do que o percurso de uma tarde – para que a imagem refletida
comece a causar certo incômodo. Então são moscas
que pousam sobre o resto de comida nos pratos
e voam em torno de nossas cabeças? E este bolor
no coração das estátuas não é incompatível
com o clima de sol perpétuo? Há também galhos
quebrados, com trapos sujos de sangue presos
aos espinhos, como que a delimitar o local
onde ocorreu uma cena de violência pouco comentada
durante o sarau. E sob o chão da clareira
não há sinais da presença de um formigueiro
e isso não explica por que nunca dançamos descalços
e por que enterramos os mortos em caixões?
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