Cora Coralina

Cora Coralina

Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, foi uma poetisa e contista brasileira.

1889-08-20 Goiás, Brasil
1985-04-10 Goiás, Goiás, Brasil
161597
14
129


Alguns Poemas

Ô de Casa!

(...)

Acontecia à noite, alta noite com chuva, frio ou lua clara,
passantes com cargueiros e família darem: "Ô, de casa..."
Meu avô era o primeiro a levantar, abrir a janela:
"Ô de fora... Tome chegada."
O chefe do comboio se adiantava:
"De passagem para o comércio levando cargas, a patroa perrengue,
mofina, pedia um encosto até "demanhã".
Mais, um fecho para os "alimais".
Meu avô abria a porta, franqueava a casa.
Tia Nhá-Bá, de candeia na mão, procurava a cozinha,
acompanhada de Ricarda sonolenta. Avivar o fogo, fazer café, a praxe,
Aquecer o leite. Meu avô ouvia as informações. Não especulava.
Oferecia acomodação, no dentro, quarto de hóspedes.
Quase sempre agradeciam. Se arrumavam ali mesmo no vasto alpendre
[coberto
Descarregavam as mulas, encostavam a carga.
Tia Nhá-Bá comparecia, oferecia bacião de banho à dona, e aos
[meninos,
quitandas.
Aceitavam ou não. Queriam, só mais, aquele encosto,
estendiam os couros, baixeiros, arreatas, se encostavam.
Meu avô franqueava o paiol. Milho à vontade para os animais de sela,
[de carga.
Eles acendiam fogo, se arranjavam naquele agasalho bondoso,
[primitivo.
Levantávamos curiosas, afoitas, ver os passantes.
Acompanhá-los ao curral, oferecer as coisas da casa.
Ajoujavam os cargueiros, remetiam as bruacas nas cangalhas.
Faziam suas despedidas, pediam a conta das despesas.
Meu avô recusava qualquer pagamento — Lei da Hospitalidade.
Os camaradas já tinham feito o almoço lá deles. Já tinha madrugado
para as restantes cinco léguas. Convidava-se a demorar mais na volta.
Despediam-se em gratidão e repouso.
Era assim no antigamente, naqueles velhos reinos de Goiás.


In: CORALINA, Cora. Vintém de cobre: meias confissões de Aninha. 4. ed. Goiânia: Ed. da Universidade Federal de Goiás, 198

Menina Mal Amada

No Passado

Tanta coisa me faltou.
Tanta coisa desejei sem alcançar.
Hoje, nada me falta,
me faltando sempre o que não tive.

Era eu uma pobre menina mal amada.
Frustrei as esperanças de minha mãe, desde o meu nascimento.
Ela esperava e desejava um filho homem, vendo meu pai doente
irreversível.
Em vez, nasceu aquela que se chamaria Aninha.
Duas criaturas idosas me deram seus carinhos:
Minha bisavó e minha tia Nhorita.
Minha bisavó me acudia quando das chineladas cruéis da minha mãe.
No mais, eu devia ser, hoje reconheço, menina enjoada, enfadando
as jovens da casa e elas se vingavam da minha presença aborrecida,
me pirraçando, explorando meu atraso mental, me fazendo chorar
e levar queixas doloridas para a mãe
que perdida no seu mundo de leitura e negócios não dava atenção.
Quem punia por Aninha era mesmo minha bisavó.
Me ensinava as coisas, corrigia paciente meus mal feitos de criança
e exortava minhas irmãs a me aceitarem.
Daí minha fuga para o enorme quintal onde meus sentidos foram se
[aguçando
para as pequenas ocorrências de que não participavam minhas irmãs.
Minhas impressões foram se acumulando lentamente
e eu passei a viver uma vida estranha de mentiras e realidades.
E fui marcada: menina inzoneira.
Sem saber o significado da palavra, acostumada ao tratamento
[ridicularizante,
esta palavra me doía.
Certo foi que eu engenhava coisas, inventava convivência com
[cigarras,
descia na casa das formigas, brincava de roda com elas,
cantava "Senhora D. Sancha", trocava anelzinho.
Eu contava essas coisas lá dentro, ninguém compreendia.
Chamavam, mãe: vem ver Aninha...
Mãe vinha, ralhava forte.
Não queria que eu fosse para o quintal, passava a chave no portão.
Tinha medo, fosse um ramo de loucura, sendo eu filha de velho doente.
Era nesse tempo, amarela, de olhos empapuçados, lábios descorados.
Tinha boqueira, uma esfoliação entre os dedos das mãos, diziam:
["Cieiro."

Minhas irmãs tinham medo que pegasse nelas.
Não me deixavam participar de seus brinquedos.
Aparecia na casa menina de fora, minha irmã mais velha passava o
[braço
no ombro e segredava: "Não brinca com Aninha não. Ela tem Cieiro
e pega na gente."
Eu ia atrás, batida, enxotada.
Infância... Daí meu repúdio invencível à palavra saudade, infância...
Infância... Hoje, será.


In: CORALINA, Cora. Vintém de cobre: meias confissões de Aninha. 4. ed. Goiânia: Ed. da Universidade Federal de Goiás, 198

Mulher da Vida

Mulher
da Vida, minha Irmã.
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades e
carrega a carga pesada dos mais
torpes sinônimos,
apelidos e apodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à-toa.
Mulher da Vida, minha irmã.
Pisadas, espezinhadas, ameaçadas.
Desprotegidas e exploradas.
Ignoradas da Lei, da Justiça e do Direito.
Necessárias fisiologicamente.
Indestrutíveis.
Sobreviventes.
Possuídas e infamadas sempre por
aqueles que um dia as lançaram na vida.
Marcadas. Contaminadas,
Escorchadas. Discriminadas.
Nenhum direito lhes assiste.
Nenhum estatuto ou norma as protege.
Sobrevivem como erva cativa dos caminhos,
pisadas, maltratadas e renascidas.
Flor sombria, sementeira espinhal
gerada nos viveiros da miséria, da
pobreza e do abandono,
enraizada em todos os quadrantes da Terra.
Um dia, numa cidade longínqua, essa
mulher corria perseguida pelos homens que
a tinham maculado. Aflita, ouvindo o
tropel dos perseguidores e o sibilo das pedras,
ela encontrou-se com a Justiça.
A Justiça estendeu sua destra poderosa e
lançou o repto milenar:
Aquele que estiver sem pecado
atire a primeira pedra.
As pedras caíram
e os cobradores deram s costas.
O Justo falou então a palavra de eqüidade:
Ninguém te condenou, mulher...
nem eu te condeno.
A Justiça pesou a falta pelo peso
do sacrifício e este excedeu àquela.
Vilipendiada, esmagada.
Possuída e enxovalhada,
ela é a muralha que há milênios detém
as urgências brutais do homem para que
na sociedade possam coexistir a inocência,
a castidade e a virtude.
Na fragilidade de sua carne maculada
esbarra a exigência impiedosa do macho.
Sem cobertura de leis
e sem proteção legal,
ela atravessa a vida ultrajada
e imprescindível, pisoteada, explorada,
nem a sociedade a dispensa
nem lhe reconhece direitos
nem lhe dá proteção.
E quem já alcançou o ideal dessa mulher,
que um homem a tome pela mão,
a levante, e diga: minha companheira.
Mulher da Vida, minha irmã.
No fim dos tempos.
No dia da Grande Justiça
do Grande Juiz.
Serás remida e lavada
de toda condenação.
E o juiz da Grande Justiça
a vestirá de branco em
novo batismo de purificação.
Limpará as máculas de sua vida
humilhada e sacrificada
para que a Família Humana
possa subsistir sempre,
estrutura sólida e indestrurível
da sociedade,
de todos os povos,
de todos os tempos.
Mulher da Vida, minha irmã.
Declarou-lhe Jesus: Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem
no Reino de Deus.
Evangelho de São Mateus 21, ver.31.

Poesia
dedicada, por Coralina, ao Ano Internacional da Mulher, 1975.

Cora Coralina (Goiás GO 1889 - Goiânia GO 1985) fez apenas os estudos primários, com a professora Silvina Ermelinda Xavier de Brito (Mestra Silvina), por volta de 1899 e 1901. Em 1910 teve seu conto Tragédia na Roça publicado no Anuário Histórico Geográfico e Descritivo do Estado de Goiás, do professor Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Mudou-se para o interior de São Paulo em 1911. Na década de 30, tornou-se colaboradora do jornal O Estado de São Paulo; foi vendedora da Livraria José Olympio, em São Paulo, e proprietária do estabelecimento Casa dos Retalhos, em Penápolis SP. Voltou para Goiás em 1956, onde exerceu por mais de vinte anos a profissão de doceira. Seu primeiro livro de poesia, Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, saiu em 1965. Seguiram-se Meu Livro de Cordel, publicada em 1976, numa edição restrita em Goiás, por P. D. Araújo, e Vintém de Cobre (1983). Em 1984 recebeu o Grande Prêmio da Crítica/Literatura, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte, e o Troféu Juca Pato, concedido pela União Brasileira de Escritores.
-
CORA CORALINA | Entrevista com a Poeta
ASSIM EU VEJO A VIDA - CORA CORALINA
Cora Coralina - Brasil Escola
CORA CORALINA: 5 curiosidades
A Procura | Poema de Cora Coralina com narração de Mundo Dos Poemas
A linda história de CORA CORALINA: um dos maiores nomes de nossa literatura! | MULHERES ADMIRÁVEIS
Retalhos
As melhores frases e poemas de Cora Coralina | citações expiradora
🔴 TARDE - 06 - LP - 05.02.24 - 2ª Série (Texto Narrativo)
MEU DESTINO - CORA CORALINA
UM MOCHILEIRO no CAMINHO DE CORA CORALINA. DOCUMENTÁRIO COMPLETO.
NÃO SEI... CORA CORALINA
Conhecendo Museus - Ep. 02: MUSEU CASA DE CORA CORALINA
Marcelo Barra Cora Coralina
Cora Coralina - "Saber Viver" (poesia poema verso literatura)
Cora Coralina • Todas as Vidas Dentro de Mim
SABER VIVER - CORA CORALINA
Cora Coralina | Vox Populi (1983) | Completo
Cora Coralina - Entrevista COMPLETA no Programa Vox Populi (TV Cultura - 1983) - parte 1/3
Poesia de Cora Coralina
Biografia de CORA CORALINA - A Poetiza das Coisas Simples do Cotidiano!
Amigo | Um poema de Cora Coralina
Amigo | Poema de Cora Coralina com narração de Mundo Dos Poemas
História de vida da Cora Coralina
Humildade Cora Coralina Leitura Rita Aparecida Santos
NÃO CONTE PRA NINGUÉM | Poema de Cora Coralina
Não Conte Para Ninguém | Poema de Cora Coralina com narração de Mundo Dos Poemas
Poema de Cora Coralina - Saber viver (Poesia Falada) - The Beatles | Verso que se escreve
Aline Alhadas | Saber Viver | Cora coralina
Cora Coralina
Cora Coralina - Todas as vidas | Trailer Oficial
Raquel Brigagão | Aninha e suas pedras | Cora Coralina
Cora Coralina por Walderez de Barros
CORA CORALINA Itodas as vidas I veda 04
Poesia "Meu Destino" [Cora Coralina]
“SABER VIVER”, de Cora Coralina | POETIZAR | Padre Reginaldo Manzotti
RETAZOS Cora Coralina
Cora Coralina, uma estrela Global
CORA CORALINA - CORAÇÃO VERMELHO
Filha da poeta Cora Coralina fala sobre a mãe nos 130 anos de seu nascimento
Poesia: Sou feita de retalhos - CORA CORALINA/ CRIS PIZZIMENTE 🌻✨
Coração É Terra Que Ninguém Vê | Poema de Cora Coralina com narração de Mundo Dos Poemas
Cora Coralina
Poeminha Amoroso | Poema de Cora Coralina com narração de Mundo Dos Poemas
Frases da Cora Coralina - Motivação Reflexão Evolução Ação Liberdade #shorts #motivação #paixão
Todas As Vidas | Poema de Cora Coralina com narração de Mundo Dos Poemas
Meu Destino | Poema de Cora Coralina com narração de Mundo Dos Poemas
O Cântico da Terra - poema de Cora Coralina
Cântico Da Terra | Poema de Cora Coralina com narração de Mundo Dos Poemas
Cora Coralina (1/2) - De Lá Pra Cá - 21/09/2009
NAYARA
Estou no sexto ano e ja amo esse poema me acho tão nova pra saber oq eu gosto ou não gosto
30/abril/2021
julia neves
eu ameiiiiiiiiiiii melhooooorrrrr pemaaaaaaaaaa eu sempre usa eleeeee na aulaaaaaaaa
22/abril/2021
Ana Célia
Adoro as histórias de vida dessa grande mulher ??
09/fevereiro/2021
giovanna
legal
22/junho/2020
Cora-falcificada
Q lindos poemas , a agilidade dela é mesmo incrível... .
08/junho/2020
-
wilson1970
A vocação desta mulher foi ser poeta
15/dezembro/2019

Quem Gosta

Seguidores