Matilde Campilho

Matilde Campilho

Matilde Campilho é uma escritora portuguesa.

Lisboa
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Alguns Poemas

Ascendente Escorpião

Na noite em que Billy Ray nasceu
(rua 28, cruzamento com a 7, Nova Iorque)
não havia ninguém dedicado à contemplação dos gerânios
Havia, isso sim, o som do mundo que caía
como estalactites múltiplas
sobre as cercanias do hospital
Automóveis, alguns a 90 km/hora, outros a 30 km/hora
Bombeiros correndo para salvar o cachorro
preso na escotilha do bote atracado no Hudson
O imigrante rendendo o caixa na loja de conveniência
para roubar alguns dólares e chicletes
Aquele casal na esquina à direita, os dois chorando,
terminando com razão o arrastado namoro de cinco anos
Rosa Burns entrando em casa sem pressa nenhuma,
lançando investidas à fechadura com a chave muito mais velha
que seu rosto — tremendo, tremendo, quase desistindo
desse negócio de viver e atirar no alvo
Havia o camião varrendo todos os pedaços de lixo da rua
Havia o ruído das fichas de póquer sendo lançadas
sobre a mesa verde-gasto entre dedos e fumaça
Alguém gritando, na explosão da minúscula morte
Alguém cantando a canção sul-americana
Alguém afagando o pescoço do pombo sem dono
Alguém jogando a bola de ténis contra a parede do quarto,
repetidamente, repetidamente, repetidamente
Havia o rádio no on tocando algum barulhinho em onda média
Havia uma bruxa cozinhando azevinho & cobre na panela
do apartamento de paredes queimadas
Na noite do nascimento de Billy Ray
ao mesmo tempo que ele escutava o som gelatinoso
da placenta de onde era arrancado
e depois o som da passagem pelo canal uterino de sua mãe
e depois o som do primeiro toque em sua cabeça
e depois o som de seu próprio grito
o grito que inaugura a festa
O mundo se reunia inteiro
entre a rua 28 e a rua 7
o aleluia da existência ocidental:
centenas de homens vergados
fazendo vénia à metafísica suficiente
que existe nos corredores do mundo
e se extrapola
até ao infinito lunar

Dia de São Tomé

Poderia escrever o teu nome
70 vezes seguidas
Mas isso não espantaria
a saudade que sinto
de dizer o teu nome
entre sal e dentes
Isso em nada iria melhorar
a falta que faz o teu corpo
dentro da sombra invisível
que diariamente se senta
a meu lado no restaurante
às 11 da manhã
Ou no lugar direito do automóvel
quando dirijo até a repartição
política das finanças do estado
O tal Estado escavacado
e tão sobrevalorizado
Escrever o teu nome
repetidamente
primeiro em linhas verticais
depois horizontais
e mais tarde transversais
Como quem espera algum dia ser o vencedor
do Four in a Row
de forma alguma substitui
o ruído aquático que sucedia
no interior de minha boca
quando a palavra Tu
reverberava entre palato
e água do mar
Batia em meus dentes
e ia parar no furo de alguma rocha
Sim o teu nome
entre um mergulho e outro
O teu nome engasgado
de pirolitos e gargalhadas
O teu nome
batendo em tua cara
exatamente ao mesmo tempo
que o feixe de sol
das 5:28 da tarde
O teu nome
roubado uma vez e outra
por nosso fiel pelicano
O nome do ministro
demissionário
é tão fácil de dizer
Desculpem se não digo
As linhas que cosem
partidos políticos
são tão fáceis de enfiar
no joguinho das crianças
E que simples é o resultado
Muito mais simples
que o resultado
de nosso velho marcador
Com partido político
dá sempre zero a zero
a vantagem do serviço
Com partido alto
dá sempre dez a dez
e vantagem do amor
Você levou meu samba
e meu mensageiro
Você deixou os sapatos
a sombra desalojada
e um dialeto muito novo
que devo utilizar agora
para não dizer teu nome
entre rajadas de revolução
e goles de cerveja junina
Um dialeto umas vezes digno
e outras vezes não
que entrego agora
ao bico do pelicano eterno:
Vai pássaro, leva meu grão
até as escadinhas do santo
que hoje celebra seu nome
entre os doze favoritos.

M

Porque tinha sal em minhas pestanas, porque existe um salmão dourado onde o amor sempre dança, porque a ideia de ir até o mar de metrô era a oração que nos fazia ficar acordados até de manhã, porque há um osso se estilhaçando constantemente dentro das paredes mestras e nós já sabíamos isso, porque a paixão não é de todo a coisa mais importante mas é sim o canudinho através do qual dá para ver que o mundo é muito feito de construções de papel — celulose que vem da árvore e que depois se transforma em lista telefônica de onde alguém arranca a página e logo transforma em veleiros e montanhas. Talvez porque na porta do restaurante habitual alguém toca clarinete ao sol, porque até as ruínas podemos amar nesta cidade, porque eu tenho um olho em você e você tem um dedo em mim, porque para chegar no telhado do aqueduto é preciso percorrer a estreita escadaria de pedra e é impossível não esfregar as costas nas paredes úmidas. Porque atingir o ponto de rebuçado significa simplesmente abandonar todas as coisas e dedicar-se só à concentração, mesmo que todas as coisas sejam um olho preto e um olho castanho e sua dissociação seja a possível causa para a avalanche. Porque a palavra Bushboy não existia até aqui mas agora sim, porque fazer equilibrismo sobre a corda amarela dentro do apartamento é tudo o que já imaginávamos que ia ser, mesmo antes de acontecer. Porque no interior do pulmão do cervo tem a carne que brilha, brilha tanto como o sol que se espelha na ponta da seta. Porque acreditamos, você e eu, que a razão final é que a erva cresça muito acima de nossas cabeças.

A Primeira Hora Em Que o Filho do Sol Brincou Com Chumbinhos

Meu querido, as árvores falam. Os tigres correm olimpíadas em pistas muito mais incríveis do que aquelas feitas de cimento laranja. Usain Bolt vezes vem, o sorriso de Usain Bolt vezes mil. A matemática não é difícil se você comparar tudo ao aparecimento de um cardume. Alguns frutos nascem no chão, outros caem nos ramos. É preciso estar atento. Certas canções despertam em nós a vontade de uma história que já aconteceu mas que não vai acontecer mais. Algumas histórias têm a duração exata de uma música rock, outras se dividem em cantos. No intervalo dá para comprar pipocas. Poucas pessoas contaram as riscas de uma zebra, mas todos os que o fizeram regressaram diferentes. O alvo de um humano está no terceiro olho e um dia alguém vai explicar para você como afagar ele e onde ele fica. Nunca aponte ao terceiro olho, como aquilo é só cuidados. Algumas vezes vão te empurrar e você vai empurrar de volta, provavelmente vai até querer pegar uma pedra para jogar no peito de quem te feriu. Isso não está certo, mas é humano. Quase tudo o que é humano é justo, não deixe que ninguém te diga o contrário — só não vale enfiar o dedo no tal olho porque isso é igual a matar. A morte é o contrário da justiça. Os peixes respiram debaixo de água e se você mergulhar entre as rochas e se concentrar muito também vai conseguir. Ah é: os peixes brilham mais do que as chamas, e alguns deles vão morar dentro de seus pulmões. Segure-se. Faça por polir seu riso, principalmente ao entardecer. Afine diariamente a pontaria e reze para que nunca seja necessário o disparo. Não existe proteção melhor do que a consciência de que podemos decidir atirar ao lado. Sim, daqui a muitos anos você vai conseguir acertar direitinho nessa lata de coca-cola que a gente suspendeu no sobreiro. Só acho que que não vai querer. Também vai saber por que razão é melhor segurar uma arma descalço — é que é na terra que está a consciência do mundo, e é preciso escutar o seu ruído para agir em verdade. Saiba também, querido, que muitas vezes a sombra de um desenho é bem mais bonita do que o desenho que está à vista. É preciso estar atento, e descobrir o bichinho que se mexe debaixo da folhagem. Não o mate: se cubra de flores e entre para brincar com ele.
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ademir domingos zanotelli
Minha Cara Poetisa. Tu és uma luz para um texto tão pragmático ...pois toda árvore é uma vida e toda erva pode por seu amor incondicional , crescer acima de todas as nossas cabeças. Sou um fã teu , pelo teus escritos e pela tua lucides em sua real beleza de uma criatura universal. parabéns. Ademir.
29/agosto/2025
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ademir domingos zanotelli
Minha cara Poetisa.... tu és uma bela moça... que escreves divinamente teus versos ... escreve-os setenta vezes e jamais esquecerás as palavras amor. parabéns pelo almoço no dia de São Tomé.
19/agosto/2025
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Jorge Jacinto da Silva Junior
Belos poemas! Parabéns!
01/dezembro/2022

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