E quando chegar aquele trilho, o dos lábios afastados da minha boca da tua, será que ainda teremos harpas suficientes para musicalizar as memórias?
Diário do dia 1 (do depois de outros uns),
Em verdade hoje recordo a primeira vez que te beijei. Não os lábios, mas a alma. A força do impulso da minha boca que saltou dos meus olhos, invadindo os teus olhos, entrando neles, como a garça invade o riacho, e despe todo o corpo numa religiosodade plena de noites ancestrais. Nossas mãos, agulhas sobre a pele, rezam em silêncios as invocações dos nossos corpos, em transe, sob uma escadaria que entre o longe e o infinito nos torna tão próximos. Há uma música a acompanhar este beijar de almas... A nossa respiração, proibida, ofegantemente proibida, e os pássaros da noite, lábios, que se aproximam e se afastam,sem se tocarem, braços que se ligam em formas de eras, trepando o corpo nu de sombras, e o evangelho segundo nossas mãos se escrevem, se reescrevem, se pergaminham em torno de nós.
Diário do dia 2( depois tantos dois).
Invocamos hoje o nosso silencio. A noite está íngreme. Uma vertigem de silêncios infernais toma conta do nosso sono. Adormeces em casa da floresta onde dormes os olhos fechados. Deste lado, o sonambulismo das lágrimas toma conta dos meus olhos. Adormecido perante o abismo do amanha sinto as minhas mãos algemadas em torno da noite... Corro para a janela e grito o teu nome... O eco circunda-me a garganta numa voz invisível... Sinto chuva do teu perfume desaguar sobre mim... E uma paz sussurra no meu ouvido... Há um leve acordar dos meus lábios sentindo tuas mãos acariciando a minha voz.
Diário do dia 3 ( depois de tantos três)
O acordar do sono, resonhando na noite desperta, abrir a porta do corpo e numa valsa vestimos o universo de mil cores, falamos aos deuses no ambão e no altar do corpo... E os diários, os evangelhos que escrevemos nas noites de mágoa e de dor, de magia e sofrimento, ficam secretos em nós. Amanha haverá de novo realidade. Tu serás de novo horizonte, eu serei de novo passado. E as lágrimas serão divinas, eternamente eternas
Assim como o quase nada dos sonhos... Existe um pedaço de cinza, não de cor cinzenta, mas cinza de um lume que fica ali adormecido entre a realidade e o ocultez da realidade... Ficamos a arfar os sonhos, numa correria alcançável de se os tornar alcan
çáveis, palpáveis, saboreados com um toque místico.Diário do dia 4 (depois de tantos outros 4). Sinto a espuma do mar me lavar o corpo. Sinto que as mãos que se me caravelam, adormeceram agora nas longas noites no alto do farol dos olhos. Cantamos os beijos e adormecemos a carne numa cinza incurável dos momentos explosivos... Sentir ainda uma viagem além mar e sobre as conchas guardarmos segredos, pérolas do nosso intimo, a nossa viagem secreta entre a dança e a palavra, entre o olhar e a boca.,,Acreditar que toda esta viagem me faz despir os olhos, da intemporalidade mortal de todo o ontem. Sinto vestir-me de gladíolos, os sorrisos que saem da tua alma, invadindo a minha alma, e ficando-me sob o espelho das tuas mãos que vulcanizam o novo corpo