Poemas de Bioque Mesito
AUTOBIBLIOGRAFIA
quando você quiser me dar um beijo na boca
por favor não me diga nada
sou um astronauta das madrugadas
sob a influência de aquário eu nasci
tenho os mais diferentes conceitos
sei que a terra gira que o vento faz curva
e que as estrelas são psicólogas
dos bêbados e das galinhas
por isso quando você quiser me procurar
me achará dentro de um livro
de rimbaud ou de artes plásticas
ou ainda ouvindo schummann
os meus conceitos as minhas poesias
os meus retratos são fúnebres concertos
de vanguarda e de guarda-chuvas
aliás eu adoro a metafísica de um pé de mamão
sonhos tenho aos milhares de milhões
nas esquinas os meus passos têm o esboço
da via-láctea e a minha poesia dorme de costas
tentando conversar com o futuro
RECÉM-FORMADO EM BOTÂNICA
arrumei cinco folhas era madrugada
na mesa um macarrão fora de moda
agora não posso desistir
os meus óculos passeiam pelo chão
o dia inteiro não foi como uma sinfonia
por ironia não foi como uma de mahler
rasguei a primeira e joguei ao destino
as minhas pupilas declamavam rilke
estava ensaiada toda a obra da minha vida
tudo fantasia do meu retrato que sorria
sem parar gáudios de safo
o pensamento platônico me fazia brincar
com uma borboleta
o tempo não depende das asas de uma borboleta
a segunda tinha um tom meio balzaquiano
rimei em versos dodecassílabos
antes de opugná-la ao lixo
a noite navega como um argonauta apaixonado
o sono toca sua harpa indolentemente
o tempo aterrissa para confidenciar ao crepúsculo
a terceira veio impulsionada pelo concerto de brahms
desta vez o inverno não chegou aos meus ombros
com ela o sincretismo de descartes
sófocles ao piano passa pelo meu subconsciente
estava eu em delírios gregos
a lua começa a bocejar
tudo é sombra e abandono
no meu quarto a vida é insatisfação
de quem nunca viajou por si mesmo
a quarta completa os estágios de mallarmé
não consigo esquecer os versos do sobrinho
neste momento tudo é pausa
o universo é monótono átomos em prosa
o poema flui como galáxias
a madrugada brilha uma vez mais
a quinta está completa
pelos passos prostituídos das outras
o tempo não depende das asas de uma borboleta
COTIDIANO DE UM POETA
acordo às nove e meia da manhã
com os olhos no sol que dormiu
comigo pego um copo com água
olho-me no espelho escovo os dentes
sento-me em uma mesa
como um pão com chocolate frio
aos poucos vou me sentindo no mundo
minuciosamente vou em direção ao quarto
observo a velha máquina de escrever
arrumo algumas folhas e começo a trabalhar
a mesma cor metafísica de sempre
a névoa começa a dançar em meus neurônios
sinto-me como se estivesse com ressaca
tento estralar os dedos como forma de abstração
uma pessoa me telefona está tudo bem
volto para o vazio não sei me convencer
estou perdido nem o noticiário é interessante
a tarde namora meu telhado
estou confuso sai a primeira linha
muito inocente desenho a chuva no campo
a lua para atrás da minha janela
é tão estranho que a noite não me sorria
ouço prelúdios de brisas
aprendo a conviver com a verdade já é tarde
minha cama é o caminho da eternidade
amanhã quem sabe
eu me ouça menos
e a poesia fale
VIOLETAS DANÇAM NO PLAYGROUND
sete e meia da manhã
um menino busca o pão
a família o espera
oito e vinte e cinco
um carro o atropela
doze e quinze
a família fica sabendo
dezesseis e trinta e sete
o seu corpo é sepultado
sete e meia da manhã
do dia seguinte
o pão aumenta
uma família diminui
A PENÚLTIMA CASA
1. eu não lerei o último
poema meu
talvez seja anacrônico
ou até mesmo contrabandista
2. terá por certo a perfeita alusão
de mim
sem me desvendar
3. cicatrizes no peito
olhos bem espantados
2,20 m de curiosidade
4. suave como borboletas
no cio
metade eterno por todo tempo
metade orgasmo por insatisfeito
ETERNIDADE MÍNIMA
estou cego
e a coleção completa dos filmes
de lars von trier ainda não assisti
o gato que antes passeava pela minha
imaginação agora só dorme no tapete
entre todos estes combalidos anos
não encontrei o lado b da vida
que consiga me causar espantos
ou a mulher de beijos estonteantes
que me faça negar meus pedros
estou cego
e a felicidade é só mais um lúdico cartaz
os fantasmas que nunca ousei encarar
riem das minhas fotos de casamento
amigos me culpam pelo crasso silêncio
mesmo a guerra não declarada
do meu comportamento antissocial
é capaz de compreender
os carinhos extremos dos amantes
da ponte neuf
estou cego
e cada vez mais os sorrisos recuam
os amores não mais se reconhecem
o absurdo sepulta em mim seu engano
na incerteza cambaleante de continuar
A DOMÉSTICA CASA DAS INVENÇÕES PARTICULARES
o tempo elege sempre uma vida para levar
mas aprendi que não existe certeza
antes corria dos trilhos incendiados
para compreender a perda que imaginamos
nem todo dia é para comemorarmos
existe uma parada ela estava lá silenciosa
há uma música que sempre ouço pela manhã
faça chuva ou quando lembro de meu pai
estão disfarçados os amantes que mandam flores
sem meus valores não julgo ninguém
meu filho acha engraçado eu dormir de pijama
a vida é uma série de confusos movimentos
escolhi o vazio dos lugares sem nomes
para mutilar lembranças que nunca existiram
RODOPIO
não esperarei mais
que teus beijos encontrem
meus sapatos trocados
nunca ninguém me disse
que eu deveria correr tanto
amar foi para mim
uma estranha maneira
de se comparar amanhãs
sempre segui na contramão
do que eu sentia sem saber
não sei te amar mais
do que uma imagem
desfocada no espelho
OS PÁSSAROS
a cada dia extinto uma dívida
imagens que rangem no espelho
ouso sentir mais que quase tudo
talvez bispo do rosário tivesse olhos
para os infalíveis caos que me perseguem
às vezes desamarro
meus girassóis
cada foda que dermos uma serpente
tigres famintos rodeiam minha solidão
enquanto escuto o sussurrar das coxas
teus olhos parecem se perder em mim
nem mesmo os poemas de hilda hilst possuem
a báquica carne
de tuas ancas
possuídas
MÃOS
as mãos sobre o papel
como se fora um barco
o papel
mas na verdade um branco
que dói
as mãos sobre o papel
como se esperassem um sonho
nascer
mas na verdade é um sino
que nasce
as mãos sobre o papel
como que derrotadas
por hoje
mas na verdade a derrota
não houve
as mãos sobre o papel
como se não tivessem nada
a fazer a vida inteira
mas na verdade o tempo
não importa
ESTUÁRIO
poesia
uma insatisfação
pausa que pulsa por detrás
do mundo lâmina de alta precisão
contraventora de palavras
fuga da minha imaginação
destino que me alucina
rupestre inscrição
incêndio controlado
em minhas mãos
HABITAÇÕES
I)
vague entre estrelas e sóis imaturos pregue a doutrina do beijo
compreenda a dor enamorando-se beba o belo e o feio que são
eternos vista o sonho de realidade ressuscite retratos amarelecidos
com o mesmo ontem solitário experimente novidades sem naufragar
em mares de nunca cruze a saudade velejada nos ombros
II)
fale de ventos e tempestades íntimas dance com ternura a valsa dos
peixes deposite o azul dos céus nos olhos mudos toque em notas nuas
as pausas da solidão cicatrize feridas com um leve silêncio de luas
faça versos em sereno utópico à procura do momento exato anuncie
em prosa amiga a grandeza das trevas brancas
III)
cante para as noites as suítes úmidas do vento busque no horizonte
um sonho de mãos descalças trace o ridículo em carinhos incomuns
acene em gestos simples sem reduzir rostos de papel ultrapasse
mundos vazios sem flagelos de um soprar castanho escute histórias
de atalhos com urgência de nuvens
IV)
suavize as madrugadas num deleite de estrelas trilhe pelos muros do
tempo sem um único sinal de beijo póstumo envolva dores de mães
em dédalos de linho olhe para os homens como palavras rudes resista
calado às dores das cicatrizes amanheça em brumas com sonhos de
distâncias viva à sombra da foice sem massa de cadáveres
V)
pinte de aurora a tela do infinito pacifique cóleras com doações
de simplicidade respire corpos perfeitos sem cansaço de bandeiras
tenha mãos pacíficas e seja poeta até no desalento sorria sem perder
a identidade sonhe transparências sem nitidez de suspiros lute contra
os medos são apenas pensamentos
VI)
reviva a rosa noturna sem cotidianos de sangue dispa destinos
incertos na nua profundeza dos sonhos decifre províncias sem reter
liberdades pese pecados enrolando confissões sopre o perfume
das fêmeas acariciando orgasmos tenha segredos sem se tornar
prisioneiro conforme o pranto com travesseiros de nunca
VII)
abrace o covarde para que ele saiba o que é amar beije a face de
modo elétrico saúde cada momento com exatidão beltrana ore com
olhos sinceros para os de pés cansados procure na dúvida o futuro
embaçado absorva fábulas sem desperdiçar uma borboleta sequer
reduza incertezas em cemitério de comas
VIII)
garanta aos humildes um necessário lugar alegre a mesmice em
infernos de flores roucas dissolva o hálito da ruína percebendo o
silêncio mármore dos girassóis retire do lodo as pessoas puras
procurando a essência dos beijos conviva lúcido em um mundo de
hashtags whatsapps & selfies torne público o que de público não há
IX)
pregue um mundo de perdões de franciscos protestando contra as
mazelas seculares fuja dos intolerantes dos preconceituosos dos
moderadores e se arrependa das amantes que nunca amou acorde
e olhe para o céu para o sol e o mar para as estrelas como símbolos
contínuos do nosso existir sede vós a essência dos mundos
SERENDIPIDADE
quase observo
uma velhinha passear pela rua
do sol com os calcanhares duros
pelas tantas do meio-dia
quase cai e o vento passa
de longe apreensivo
pergunto se não quer ajuda
abre a sombrinha e me dá a mão
lembro do meu avô que morreu
em uma queda de um muro
ou melhor meses depois
de banhar por horas na chuva
abruptamente ela para me olha
até aqui está bom vá com deus
o caminhar impreciso e frágil
flutuava pelos paralelepípedos
como guiados por uma razão maior
LEITO QUATRO
se vai mais um dia entre muitos que pensei viver melhor olhares como
se esperança fosse um entulho de lamentações acelera meus pulmões
ginsberg tece comentários entre a luva indesejada e o prato de comida
que chega como hospitalidade aquele antro de desespero e chagas
destila em meu caos inconformidades com o divino que insiste em me
reter sem qualquer motivo na verdade queria estar em um aeroplano
sobrevoando as praias de humberto de campos ou conversando com
uns amigos na porta do bar do Adalberto
às vezes yeats faz me lembrar da samsara que é um copo de leite gelado
após a bebedeira flanando pela avenida melo e povoas agarrado nas
arrepiadas ancas de uma morena observo o marasmo da calcinha
da mulher que ri ao lado naquele bar entre estrelas descontinuadas
todos os meus provérbios de existir me negam tropeço mais uma vez
na mesmice de acreditar em corações complacentes hainoã quando
me chama de pai caem meus hemisférios sobre a baía de são marcos
há felicidade entre o roer de unhas e a dor da cutícula
na rua do giz minha vertebral luz minha jerusalém estoica meu
gozo sobre o colo de prostitutas noites que como beatnik caminhava
desolado em busca de algo mais que pudesse estancar as interferências
prejudiciais dos versos inacessíveis anti-herói soprava a dualidade
dos anos oitenta/noventa com barba rala & jaqueta desbotada
transpirando revoluta paixão um ser barroco à procura dos
espelhos perdidos com a obscura missão de continuar em precipícios
acreditando que há um verão orgástico no caminho do poeta
a verdade da vida era para ser escrita em forma de poesia pouparia
do desgaste secular de acreditar em são tomás de aquino o amor
só vale a pena se não exigir tíquetes de estacionamento bandeira
da mastercard crediário nas lojas de departamento da magalhães
de almeida agora recluso entre gotas interestelares seringas peidos
fortuitos e azedos o deserto de barreirinhas é o arpoador das minhas
abstrações bundinhas tesas adornadas de branco tangenciam minha
libido meu cacete endurece entre uma e outra troca de antibióticos
o céu mais azul que já havia visto se instala em meu coração do olho
d’água à ponta do farol iemanjá me guia com suas ondas caudalosas
o espírito de meu avô parece dançar entre as pedras de arrebentação
da ponta da areia batuques inebriantes cadenciam aquela noite
enquanto os trinta e nove e meio graus me jogam de um lado para
outro iniciado em rotinas e fast-foods inconformismos parecem me
tragar para o boqueirão se pudesse acenderia velas para os ancestrais
bashô está comigo é o que me deixa calmo pelo menos dessa vez
reviro-me para tentar apaziguar o cansaço do trópico de capricórnio
que há em minhas costas as mulheres da antiga sunset rasgam meus
olhos pela madrugada naquele equinócio de desesperança onde líamos
camus pessoa gullar chopes ecoavam no saloon pronto a explodir a
nudez de uma amistosa moça nem todos se sentiam na primeira fila
do carnegie hall o cobertor florido aquece meus ossos embargados
por um dia quase todo de febre e delírios ao lado da cama minha
mulher ronca baixinho como um poema arisco de alice ruiz
rabolú encontrou as engrenagens simbióticas de jesus maomé
quetzacoaltl pelas ruas desfilou em seu fleetmaster conversível muito
embora a discoteca fosse o religare preterido chove sobre os telhados
do turu e não sinto nada estou vazio como um biscoito ensopado
de café frio aproveito para conferir intempéries não aguento mais
ficar imóvel sobre a esquálida cama apesar de muitos livros ao meu
redor nenhum tem a atmosfera lúdica de peshkov se eu fosse líquido
precipitaria sobre os túmulos carcomidos do cemitério do gavião
queria caminhar pela rua portugal destilar imoralidades com sotero
vital ou ouvir o guriatã cantar que a coroa está no maracanã meu
alento são alguns metros quadrados e a memória profícua e desolada
a contemplar a kalevala entre uvas tangerinas e sorrisos de minha
mãe a conversar há uma catarse de choros e ainda não é sexta-feira
nos corações das pessoas nem mesmo o extremismo fático dos grupos
muçulmanos a cortar gargantas pelo iêmen calará os preciosos traços
dos redatores da charlie hebdo
meus cabelos parecem a décima quinta de shostakovich a antissepsia é
tão complexa quanto as linhas de nazca mamãe me dá uma ajudazinha
e me enche de sândalo barato ouço no rádio que o país não é mais o
mesmo crise à vista salários minguados violência se instalando dentro
das casas a oligarquia baixando a guarda no maranhão o mundo é
uma sobra de falências múltiplas enquanto uma criança vietnamita
chora a perda de seu cão assado em um mercado público a standard
& poor’s rebaixa a nota de investimentos no brasil
RELIGARE
o tempo todo guardou segredo
na noite de núpcias baixou a luz
pediu que eu viesse com calma
abriu o zíper virou-se de costas
beijei-lhe o pescoço as nádegas
a virei de frente desci a calcinha
suguei os seios a batata da perna
quando estava lá pediu que eu
parasse que seguiria ao closet
fechou a porta apagou as luzes
de repente surgiu todinha nua
maluquice da minha mulher
tatuar um buda em sua xoxota
MÍNIMO MÁQUINA
uma pessoa que escreve poesia
não é nenhum pouco diferente
de uma costureira de franzidos
de um instalador de antenas
não difere em nada
de um ostreiro de um pirata
que rouba barcos fundeados
na baía de são marcos
não é nada distante
de copeiros de fast-foods
de acionistas de fundos
de investimentos
pelo contrário
um sujeito como os outros
que desliza seus olhos
pelas cidades de si mesmo
uma pessoa que escreve poesia
de maneira alguma é diferente
a não ser por levar humanidades
dentro do seu hábito de caminhar
TERMOS E CONDIÇÕES
A velhice é a crítica da mocidade
José de Ribamar Brito
sempre quis o futuro todos querem o futuro
mesmo com suas ameaças seus mísseis e guerras
açoitado pela rotina não desnorteio o carinho
por quem um dia foi o meu amor
nunca seremos ideais ou seja lá o que for
nem admitiremos que a morte nos espreita
pelos corredores e filas ou no orgasmo
com sua manta pungente cheia de significados
vivo como se o respirar fosse sempre festa
não minto que já passei por momentos difíceis
me preservo ouço a chuva e preparo o espírito
ninguém nunca duvidará do futuro
nem as tais tecnologias serão capazes
de automatizar o que de humano já fomos
tudo se alinha com o que é certo
todos os contratempos são antíteses
ou então deus ainda insiste em estrelas
ninguém é muito diferente das ruas à noite
não existe futuro o que existe é agonia
lamentável que os sinais da existência
sejam reticentes ou maneiras de otimismo
já deixei você antes agora só quero voar
vou sair
procurar alguém para escolher minhas árvores
ouvir boa música ou mesmo sentar em uma pracinha
de um lugar sem ninguém por perto
pessoas passarão por mim
verão meu carimbado rosto
meu livro de cabeceira
a eternidade há muito deixou de estar
em meu cabide de roupas prediletas
sempre se constrói algo quando se tenta acreditar
vivências me fazem lembrar que pouco mudei
não havia cordas pesadas em meu pescoço
beiramos a estupidez ao pensar em inovações
tudo é complexo para parecer que estamos bem
não ria de mim eu também já me apaixonei
talvez reescreva meu destino na tua porta
ou quem sabe me desespere em fugir de ti
PASTO
quando fernando pessoa
ensaiava o livro do desassossego
minha avó debulhava juçara
nos brejos do interior
quando manuel bandeira
modernizava as cinzas das horas
meu avô galopava cavalos
pelas manhãs infinitas
quando jorge luis borges
ilustrava a história universal da infâmia
meu pai ainda caminhava
dentro da voz do meu avô
quando carlos drummond de andrade
apresentava a rosa do povo
o mundo se diluía entre guerras
meu pai carregava água nos ombros
quando pablo neruda
apaixonava com cem sonetos de amor
minha mãe descascava coco babaçu
para ajudar a renda da família
quando bandeira tribuzi
se mostrava em pele e osso
meus pais se encontravam
nos clubes de dança de são luís
quando cecília meireles
despetalava flor de poemas
eu nascia na benedito leite
com muita gritaria
quando luís augusto cassas
concatenava rosebud
eu nos primeiros versos
tomava um espanto
quando hagamenon de jesus
emplacava the problem
minha poesia começava a trilhar
entre as transições do mundo
quando ricardo leão
palpitava em primeira lição de física
meu combustível se expandia
em anticópias de paixão
quando antonio aílton
fulgurava com cerzir
há tempos já acreditava
na desordem das coisas
poesia essa ponte de significados
que trisca os olhos necessários
como se o tempo fosse incrustado
no penso parâmetro do porvir
A ESPOSA
i)
foi necessário perder a costela
para entender toda sua ontologia
mesmo no desfiladeiro não desisti
aprontei as malas retornei ao círculo
nesta turbulência pude entender
os romances de virginia woolf
ii)
apesar dos filhos da casa mobiliada
só restou o que não me desgastava
esqueci de tudo voltei para casa
abrigo de minha mãe um paraíso
não era para ser este destino
vivíamos em rota estrangeira
iii)
estranho ter que cruzar
com a alma em precipício
desconstruir incertezas
apostar o que não podia
desprender das perdas
estender cálidas feridas
iv)
apaguei os rastros
o caos se equilibrou
fui criando apego
pela paz interior
tudo se cadenciou
o amor revigorado
v)
a vida é o entrelaçar
de aparentes dúvidas
não crio mais expectativas
só com o que me satisfaz
meus olhos agora brincam
como sempre quis
INTERVALOS BURLESCOS
1
ele brinca atirando pedras no rio
enquanto o pai se distrai
com uma mossberg 500
caçando patos selvagens
2
a irmã sem o que fazer
ouve imagine dragons
entre gibis baratos
pede proteção a belzebu
3
a mãe com a boca
entupida de cannabis
descarta bitucas
no vaso sanitário
4
o namorado da irmã
bate na janela do quarto
entre uma transa e outra
faz boquetes inesquecíveis
5
o pai chega com o filho
coloca a arma sobre a mesa
bate na porta do quarto
da filha sem dizer nada
6
o namorado não espera
pula do terceiro andar
a mãe morre
de rir com a cena
CISÃO AMÉM!
aos 50 anos de Antonio Aílton
1.
era uma época de beleza de ignorância lamber os seios de uma mulher um feito merecedor de uma chuva de meteoros quando tocava meu pênis detrás daquele jardim luzes inebriantes solapavam os olhos vermelhos dela que se dizia relâmpago entre meus colhões a verdade é que todo aquele tempo vivíamos uma sinfonia de medos não seguíamos mais os beatles e o que se queria ser era só vanguarda ou rebeldia para agradar um bando de gente com suas interrogações doenças bombardeios ônibus espaciais se desintegrando na hora da sessão da tarde mas sobrevivemos a todos os meandros circunscritos nas calças jeans de nossos pais
2.
há muito estive cansado meus cachorros se jogaram de dentro dos meus olhos e escaparam da comida ruim dos fast-foods baratos é certo e não existe coisa mais desagradável que um punhado de caos no final de uma sexta-feira naquela cidade naqueles degraus da matriz de são josé de ribamar vi os olhos de deus caminhando nos cabelos crespos de uma senhora que vendia potes de barro meus pecados talvez não durem mais que o olhar do bêbado dormindo na porta daquela casa em ruínas a fila é grande para os que desistem de amar durante muito tempo desisti de me contentar com um pouco de sexo vinho e discos de pink floyd
3.
às vezes necessito que teus olhos larguem meus destinos nunca disse que amanhãs estão escritos na parede do quarto na incerteza encontraremos nosso refúgio necessário há um calendário de perdas no desnorteado sentimento tudo conspira e sopra a nosso favor mesmo desiludido encontro suas pegadas na minha sala de estar é a hora que me inflamo e beijo tuas mãos como reverência aquela fogueira não alcança mais minhas dúvidas divide meus vazios as coisas mudaram não são mais como sempre imaginei quando menino sentando em um banco de praça na avenida jerônimo de albuquerque conferia carros e admirava estrelas
4.
hoje passam por um menino na calçada profissionais liberais advogados pessoas comuns casais de namorados desviam do inoperante destino mudam os olhares talvez só o apreciem o sol a chuva ou um amontoado de latinhas descartadas os sentidos de todos estão vidrados mesmo é com o aumento dos seios da filhinha do papai são silêncios que nos perseguem que quebram as asas dos anjos se eu permitir você com suas conchas estarei contribuindo para o eterno marasmo que nos persegue uma esquina é sempre um bom lugar para chorar calma que deus até hoje não desabrigou nenhum filho seu por isso esperemos
5.
em horizontal perspectiva se esconde entre a neblina sugando a metafísica sem estralos da porta que o conduz ao precipício o faro de satã faz habitat na planície da noite é mais belo que o compulsivo sexo da amante amo a noite não me ouve às vezes ninguém me espera há uma chance para abrir a porta me sinto no precipício dentro dos meus olhos a vida basta as pessoas nunca se escutam espio o exercício de cada dia na espiral das escolhas todas as manhãs não tomo café meu vizinho ouve baixinho as notícias dos jornais nem mesmo chuva é ritual nesta existência talvez felicidade seja mais que todas essas coisas juntas
6.
ela desce as escadas do corredor risca as paredes sem motivo inventa caos é estupidez o retrato do que poderia ser estepe diário filosofia esperança e minha debandada ela que retrai sorrisos é luta íntima o olhar nervoso as estrelas o piano e as cordas vocais as rinhas os reinados a bússola a poesia e tudo que inverna e supera a maresia a santidade e a descrença é iemanjá a pausa a alegria dos casais por ela que tudo se acalma tudo se destrói com um gesto põe tudo a ganhar ou a perder é o destino a que todos esperam é o amor é a que se adianta porque nenhum inverno a espera nem a jose cuervo ou o cabaço da mocinha tremendo
7.
naquele tempo tudo era muito impreciso nem imaginávamos como seria nossa atualidade quantos filhos só intentávamos em comer um monte de besteiras já passaram tantas tempestades meio século e ainda corremos para a felicidade a vida anda chata demais nem mesmo jogar futebol ou empinar papagaios nos distraem a vida é um acúmulo de cabelos brancos aos poucos vamos brilhando cada vez menos rugas até nas fotos de infância desesperança e angústia nossos companheiros do andar de cima e saber que um dia não mais estaremos por aqui o mal existe deuses e raparigas lindas sorrindo no sofá de um clube de adultos
bioquemesito@gmail.com