Entre Vozes e Papéis
As paredes do edifício central brilham de novo. Pintaram-nas há pouco, antes da última visita oficial. Por dentro, tudo continua como antes — corredores longos, passos apressados, vozes medidas. A cada canto, alguém carrega papéis que ninguém lê, assina o que já estava decidido.
Na rua, uma mulher espera. Carrega laranjas num pano velho e olhos que não piscam. Já viu três governos e muitos discursos. Aprendeu que o que muda é a cor dos cartazes; as promessas, essas, têm o mesmo gosto seco. À noite, o noticiário fala de progresso. Ela sorri com o canto da boca — não por descrença, mas por costume.
O filho dela sonha com farda e respeito. Quer servir. Acredita que o país precisa de homens justos. O pai dele, que conheceu as filas de arroz e os empurrões por gasolina, apenas escuta. Já não diz muito. Os olhos fazem perguntas que não chegam à boca.
Ali, onde as luzes são mais fortes, poucos escutam o que se diz nos becos. Mas os becos falam. Sempre falaram.
B'Carte