Hidrografia do novo ano
Espremi as lágrimas até não sair mais uma gota.
Soprei no lençol que sobrou
até nascer o mar que te ofereço no ondulado de cada página.
As linhas que grafo a tinta preta.
Tinta permanente!
Quando quase nada parece poder ser permanente.
Tal como as ondas de cada um dos sete mares são diferentes,
os dicionários que habitam cada alma têm palavras únicas.
Mesmo que processadas com letras iguais e alinhadas de forma idêntica.
É no intervalo das ondas sopradas que os nossos lábios semeiam o vocabulário do nosso entendimento.
Palavras muito bem torneadas.
Até as que saem da voragem dos ventos que não semeamos.
Para não acolhermos tempestades.
Brindei à poesia que amas.
Brindei à poesia que amamos.
Um livro escrito a meias.
Teu e meu.
Registos esculpidos a cada dia no sexto oceano.
O caudal da nossa hidrografia,
as águas salgadas com o doce que partilhamos.
Telas pintadas a
sorrisos
olhos cintilantes
pele quente
coração que pede
alma que dá.
Telas do nosso refúgio.
É no mar que inventámos,
nas águas roubadas ao lençol das lágrimas espremidas
que contámos à tristeza a nossa decisão:
a de fazer com ela
o navio das viagens felizes.
As nossas.
Sempre.
Quando quase nada parece poder ser permanente.

Carinthiac 1930 | Rudolf Koppitz
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