Tarsila Balthasar

Tarsila Balthasar

1966-01-29 Santarém, Pará
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Alguns Poemas

Tudo pro nobis

Não me falem dos querubins que rondam sonhos,
Não sabem eles que já não durmo?
Sorvem o suor dessa fronte cálida,
Depois partem levando nas asas meu coração pela boca.

Não me falem mesmo do que já sei!
É que me sinto envelhecer pelos poros,
Feito fruta no armário, amadurecida demais.

Não me digam do único soldado no “front”.
Já não sabe ele a causa da guerra, enlouqueceu;
Come qualquer coisa, já não dorme,
Quer apenas poder voltar.

Nem me avisem do homem no poder.
Nada entendo de vilezas assim,
a olho nu.

Sequer me digam que há desemprego na Europa.
Poeta que se preza labuta versos,
come, calça e veste versos (de poesia).
Sem mentir jamais, vidente é.

Não me contem também da mulher sofrida.
Talvez não suportasse ela ser exposta ainda.
Falem somente da sua esperança parda
e esqueçam as traças que roem a roupa dela todo dia.

Também não me lembrem do pequenino que chora.
Tem seus motivos que lamentar.
Apenas alimentem a ele e aos seus sonhos pueris,
Fazendo dele verdadeiro homem.

Nem queiram me dizer do velho na calçada.
Já nem lembra o que o levou ali.
Dêem-lhe abrigo, sossego e saberá ele morrer grato.

Tampouco insistam na tristeza da jovenzinha só.
Não sabe ela que o mundo é vil?
Dêem-lhe trabalhos manuais, um Rimbaud, Paul Verlaine
e saberá ela agasalhar outras quimeras.

Deixem o viciado usando seus antídotos...
Não sabe ele o que é suicídio?
Dêem-lhe trabalho árduo e o que sonhar.
O resto é para o seu esforço próprio, se quiser.

Também esqueçam o alcoólatra;
a prostituta; a doméstica; o travesti; o fuzileiro;
o general; o fazendeiro;
o fraco; o banqueiro;
o tolo; o verme; o verdureiro;
a virgem; o exilado;
o louco e todos os termos!

Deixem-nos em paz!
Não venham me dizer do que já sei.
É que me sinto feito fruta no armário...

Sei manejar os olhos;
o Português; o violão.
Uma noite sem lua; um catre escuro;
a imensidão.

Vinte e oito aros na minha corrente
De saber (de)mais.

Labirintos


I
Me diz quem és Senhora do Tempo
Me conta teus sonhos e teus medos,
Juro que faço segredo
E ajudo a espantar teus fantasmas.
Me conta de novo tua trajetória na sombra
E tuas estórias secretas
Me faz entender a origem da tua força de mulher guerreira,
Mesmo que hoje já não existam guerras,
Nem vencedores, nem vencidos.
Permite que eu entenda teus labirintos
E onde teus passos te levam,
O motivo da tua solidão contemplativa
Que eu nada conseguie aplacar
E por que mesmo que sorrias com facilidade,
Teus olhos ainda olhem tristes
Além do horizonte da tua alma
Que não se desnuda a ninguém
Mas deixa à mostra, ao mesmo tempo,
Todo o teu ser.
II
Ah! Me mostra a tua face real,
Retira toda dureza e seja apenas você...
Sei que trazes marcas profundas,
Um rosto querido na lembrança,
Um sorriso meigo que se perdeu,
Um afago que te marcou...
Minha adorada Senhora do Tempo,
Fazes do tempo teu maior inimigo!
Nada sou, é verdade,
Mas ousei um dia seguir teus passos sem pegadas no chão.
Olho para trás e ainda te vejo, lúcida, linda e firme
Mesmo que teus olhos teimem chorar em segredo.
Juro que vejo tua alma de menina,
Vejo que tens o brilho de uma pedra preciosa
E se algum mortal chegou tão perto, não fui eu, não fui eu.
Quem terá o teu carinho sem pagar o preço de ser sempre triste?
Quem se deitará em tua cama, senão quem de ti possa se defender?
Quem terá a armadura contra teu forte domínio?
Sim, não sou eu, não sou eu...
III
Também andei caminhos escuros.
Meu corpo igualmente se deu a quem de amor nada sabia.
Também eu escondi minha face
E me fiz rude para que não me notasses
E me deixasses fugir de ti, sem mais nada dizer,
Porque tanta luz em ti me ofusca a alma...
Jamais eu seria teu dono, pois caminhas veloz
E teus passos sempre te levam para longe de mim.
Por isso insisto em olhar para trás ainda,
Nada espero com esse gesto assustado.
Apenas te olho com indefinido carinho,
Até te ver sumir além da tarde que se vai
Através da nuvem do esquecimento.
Não tente fazer o que faço,
Porque se teus olhos de novo me virem
Serás que nem eu, triste também
E não te quero triste de novo. Segue!
Tua luz é própria e te guia,
Enquanto fico a te admirar em silêncio...
Vai agora, minha Fada, minha Senhora do Tempo,
Dorme teu sono de estrelas
Enquanto me encontro com a minha realidade de anjo caído
Velando sempre por ti em segredo.

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