Não me falem dos querubins que rondam sonhos,
Não sabem eles que já não durmo?
Sorvem o suor dessa fronte cálida,
Depois partem levando nas asas meu coração pela boca.
Não me falem mesmo do que já sei!
É que me sinto envelhecer pelos poros,
Feito fruta no armário, amadurecida demais.
Não me digam do único soldado no “front”.
Já não sabe ele a causa da guerra, enlouqueceu;
Come qualquer coisa, já não dorme,
Quer apenas poder voltar.
Nem me avisem do homem no poder.
Nada entendo de vilezas assim,
a olho nu.
Sequer me digam que há desemprego na Europa.
Poeta que se preza labuta versos,
come, calça e veste versos (de poesia).
Sem mentir jamais, vidente é.
Não me contem também da mulher sofrida.
Talvez não suportasse ela ser exposta ainda.
Falem somente da sua esperança parda
e esqueçam as traças que roem a roupa dela todo dia.
Também não me lembrem do pequenino que chora.
Tem seus motivos que lamentar.
Apenas alimentem a ele e aos seus sonhos pueris,
Fazendo dele verdadeiro homem.
Nem queiram me dizer do velho na calçada.
Já nem lembra o que o levou ali.
Dêem-lhe abrigo, sossego e saberá ele morrer grato.
Tampouco insistam na tristeza da jovenzinha só.
Não sabe ela que o mundo é vil?
Dêem-lhe trabalhos manuais, um Rimbaud, Paul Verlaine
e saberá ela agasalhar outras quimeras.
Deixem o viciado usando seus antídotos...
Não sabe ele o que é suicídio?
Dêem-lhe trabalho árduo e o que sonhar.
O resto é para o seu esforço próprio, se quiser.
Também esqueçam o alcoólatra;
a prostituta; a doméstica; o travesti; o fuzileiro;
o general; o fazendeiro;
o fraco; o banqueiro;
o tolo; o verme; o verdureiro;
a virgem; o exilado;
o louco e todos os termos!
Deixem-nos em paz!
Não venham me dizer do que já sei.
É que me sinto feito fruta no armário...
Sei manejar os olhos;
o Português; o violão.
Uma noite sem lua; um catre escuro;
a imensidão.
Vinte e oito aros na minha corrente
De saber (de)mais.