Adam_Flehr

Trazido há quase quatro décadas para a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, onde cresceu, estudou, graduou-se em Administração, apurou seu gosto pelas artes em geral, em especial por música e literatura.

1967-04-28 Rio de Janeiro
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Alguns Poemas

Retrato da artista quando jovem

E as horas

dançavam altas, esguias,

com ritmo e maestria

e embaladas

pendiam do colo

da madrugada



E os desejos num frêmito,

e as

frustrações num vômito,

confundiam-se com as badaladas

trôpegas do relógio

na noite

desnudada



Eis a escuridão,

mãe de todos os

escondedouros,

que revela, numa centelha ínfima,

emolduradas de

luz,

duas órbitas enluaradas...



E os olhos,

oh, os

olhos!

irrompiam brilhantes, pérolas

castanhas e hipnóticas

a mirarem

com sofreguidão

- e decisão - para o futuro



E o futuro para a jovem de

vinte e um anos

é apenas mais um porto a apartar-se

em tênue embarcação de

ambições e sonhos



E o futuro para a artista tão menina

e tão mulher,

então será:

uma massa a ser moldada,

uma tela a ser preenchida,

uma

folha a ser escrita

uma vida a ser vivida !



Eis a face

caleidoscópica

que afirma-se serena nos contornos

singulares de seus

traços

retilíneos e angulares

emoldurada pela noite fechada

e selvagem

dos cabelos



E o sorriso inaudito

esconde contrito, a felicidade

exuberante

dos dentes, desejo e alegria latentes

franqueado aos diletos

mais chegados

e no semblante, a seriedade de

quem quer

gargalhar...



E os lábios de alvorecer

róseos e fartos,

abrem-se de

um jeito só seu

como quem beija ou faz uma prece,

para o dia

amanhecer

e a claridade da manhã

desvelada, revelar sua alva

tez...



E o seu corpo longilíneo não

precisa das palavras,

mas dos

demais sentidos:

audição, tato e paladar,

lábios, língua, braços,

unha

e o cálido encaixe

de outro coração junto a si...





Mas as

palavras, oh, as palavras!



As palavras, atropeladas

pela emoção e

embaralhadas

nas brumas da noite-manhã,

jazem enfileiradas, aprumadas no

papel

e calam embargadas e inertes

nos lábios do poeta...



(para Tamara Queiroz)

Como é que se diz Eu te amo ?

E lá se foram dezesseis anos. Ficaram a saudade e as eternas canções de um ídolo de minha juventude. Abaixo transcrevo um texto em homenagem a ELE, escrito em 2007, no meu blog "prosa eletrônica":



Eu me lembro como se tivesse acontecido ontem, mas já se passaram tantos anos! Era uma sexta-feira. Naquela época, todas as sextas-feiras eram especiais. Éramos tão jovens e tínhamos todo o tempo do mundo. As ilusões não haviam fenecido, e ainda era cedo para nós.



Aproveitamos o dia que prenunciava o final de semana para comemorar, saímos do trabalho com o sol ainda alto, devido ao horário de verão. Fomos para o nosso "bunker" tradicional, um dos inúmeros "pés-sujos" que ladeavam o nosso escritório.



Trabalhávamos duro durante toda a semana, segundo o "Yuppie way of life", vigente naquele tempo , e buscávamos toda a diversão que algum veneno anti-monotonia pudesse nos proporcionar, nos tempos livres. Éramos jovens típicos daquele tempo. Hoje, um tempo perdido.



Discutíamos sobre tudo, desde a mais recente fofoca do escritório até Freud, Jung, Engels e Marx. E apesar de acreditarmos no futuro da nação, havia tanta sujeira nas favelas e no Senado (e por todos os lados) que sempre nos questionávamos: que país seria aquele? O Rio de Janeiro já prenunciava o faroeste caboclo que é hoje, mas ainda ficávamos até mais tarde nas ruas, conversando, bebendo, namorando... tentando descobrir como é que se diz: " - Eu te amo" !



Lá pelas tantas, a rádio que municiava a música ambiente anunciou uma notícia tão inédita quanto improvável para nós: havia falecido naquela madrugada, por infecção pulmonar, o cantor, compositor e líder da Legião Urbana, Renato Russo.



Ícone e porta-voz de toda uma geração, da minha geração, Renato foi a voz, o cérebro e o coração de toda uma época. Sabíamos de seu recolhimento e das suspeitas de que ele estivesse com AIDS, mas o lançamento de um novo CD, "A Tempestade", apesar de tão belo quanto soturno, nos havia dado um novo alento. Mesmo depois de ouvirmos o anúncio de sua morte, custávamos a acreditar. No meu canto, eu repetia internamente: eu não vou chorar, eu não vou chorar... Acho que todos daquela mesa estavam pensando o mesmo, porque ninguém ousava falar palavra sequer. Aos poucos, timidamente, alguns começaram a cantarolar baixinho, a música que estava sendo reproduzida no alto-falante, como se não houvesse amanhã.



A noite acabou e certamente não fugiríamos mais com ele, ficaram as honras e promessas, lembranças e estórias. Enquanto estávamos indo de volta para casa, eu me lembrava de uma frase dele que dizia que não devemos cultuar heróis porque até mesmo estes tem os pés de barro...



Contudo, eu não queria de forma alguma me desfazer de meu herói. Se fosse só sentir saudade, mas tem sempre algo mais e seja como for, mesmo com os seus pés de barro, eu rabisquei um sol na calçada, com a fugacidade de um giz. Ou da própria vida. Mas tudo bem...



Tributo a Renato Russo (1960-1996)
Brasileiro, casado, nascido no século passado, em Salvador, a cidade-luz, a baía de todos os santos, onde os portugueses primordialmente fincaram a sua cruz.   Trazido há quase quatro décadas para a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, onde cresceu, estudou, graduou-se em Administração, apurou seu gosto pelas artes em geral, em especial por música e literatura.   Escritor bissexto,  escreve regularmente entre solstícios e equinócios e guarda seu legado de escritos no blog:  HTTP://prosaeletronica.blogspot.com    Quem tiver olhos de ler e coração de sentir, visite e comente!   Confessadamente seguidor dos mestres brasileiros Quintana, Vinicius e Drummond, é entusiasta da literatura portuguesa, de Saramago, Eça de Queiroz e Pessoa.   Nas horas vagas, entre o exercício de suas atribuições profissionais e o prazer da escrita se dedica a obras assistenciais de caridade, seguindo o preceito de sua crença.

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