Alguns Poemas

Sonhos de Mara

o céu de um domingo claro de junho
derrama os seus azuis derradeiros
nas águas regressivas do mar
o dia traz memórias e canções de infância
segredos e lembranças adjetivando momentos
momentos recitando os poemas que um dia fiz para você
declamando teu corpo
misturado ao meu mundo insondável
profundas águas de um mar
penumbra sombra escura
da solidão bipolar
olho, através da janela,
o inverno passando no perfume de uma flor temporã
pelas frestas das janelas entra a brisa úmida de ilusões,
fria e muito triste,
e, no entanto, olorosa
o vento ondula suas vestes de cetim e infinitude
o silêncio esconde de si o que de si dizia
e não responde o que tinha para dizer ao dia
o silêncio era um poema garatujado pelas folhas
que caíram e secaram no chão pisado pelo outono sem flores
que virão na primavera?
quem dera!!!
se tudo embaixo do céu é só este aguardar,
esta espera
se tudo embaixo do céu é somente este sonho vígil
nos olhos vetustos de Mara
se tudo embaixo do céu é tudo ilusão e quimera
olho, através da janela,
o enigma do fim do dia que já vem engastado na manhã
o dia esbate-se nos arabescos dourados da tarde
a tarde sacoleja no ar as primeiras sombras
e demora-se
e esmera-se esboçando a noite ascensional
ascendendo da vertigem dos morros
ao longe, ao longe...
ou derramando-se no quintal
longa e solitária
levantando-se sobre os sonhos que trará
incendiando as vidas com os escuros estilhaços
de um crepúsculo fundindo-se à terra
derrubando com ternura o mesmo sol sob o qual eu te amava
folhas amarelas e ocres ainda caem nos lentos caminhos efêmeros
caminhos sem voz
calando palavras que não são mais
enquanto a noite incognoscível volteia acesa
lentamente
negra mão
fazendo acalanto aos quintais

O ritmo do tempo e das estações e das chuvas

o ritmo do tempo e das estações e das chuvas
afligem meu coração
pois,
se é a mim que o tempo pastora e envelhece
se é em mim que as estações doem a falácia de serem
                                  flores, vozes de ventos, lassidão
se é em mim que as chuvas misturam-se à imponderável lágrima
e ao desalento que a existência imprecisa grita em agônica solidão
então,
o tempo, as estações e as chuvas
balbuciam presságios entre afetos e outroras
reavivando rumores arredios e histórias avessas
infiltrando-se por entre os nós vermelhos do madeirame do telhado a vista
enquanto a noite embebeda-se de ventanias lá fora
aqui dentro, ainda, a fumaça preta do lampião a querosene subindo
contorcendo-se conforme a brisa que trouxe a noite e se demora
por entre os sonhos e os pensares
por entre tantas sombras das minhas mãos e as de meus irmãos
e o cheiro do querosene cinzelando a noite
negando o farfalhar do tempo inconteste
subjugando-me
sobrepondo noites e dias
à antigas dores
e já não me compreendo quando a chuva cai das cumeeiras
como lágrimas chorando convulsas pelo chão do quintal
espargindo-se em redondas cismas de cristal
não sei em qual estação
me fiz flor narciso mentira jardim
passarinho em tantas vidas
metal pedra terra por fim
um ser imortal no que mais de mortal há em mim
não sei de qual manhã soluçante
veio a borboleta
          o instante
e pousou na platibanda da janela
                            nos meus olhos
fascinando-se na vidraça onde se debateu
na enganosa transparência de um mundo que não era o seu

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