diz-se que as mulheres são mães
diz-se que as mulheres são mães
e costuram distâncias
sem máscaras
diz-se que usam da memória da luz
e dos tantos escombros
ao redor dos olhos
nos meus sonhos
ainda os lábios das mulheres incuráveis
onde vibram a desordem e a recusa
a mão de pedra
na mão
de verdade
acordo de noite como se as letras
fossem coágulos aborrecidos
pancadas estivais
maduras e primitivas
descobrirei o destino e faremos amor
manhã cedo
os gestos serão suficientes
um pouco a medo no fundo de si
onde as bocas se abrem
enquanto se tocam
existem sinais primitivos
onde escorre ainda o sangue
de quando me entregaste a cúpula do teu corpo
na boca ainda a luz virgem
onde a juventude
enlouquece de apressada surpresa
mostras canteiros ainda fechados
onde vais consumindo
o silêncio
ainda se ouvem os vales nocturnos
a escancarar
de gozo
basta que sobreviva e vá abrindo e fechando portas
no estrondo dos dias
direi sempre este é o precipício necessário
a nudez da terra mais faminta
são assim as margens do abismo
desde sempre
por aqui se movem todas as coisas
todos os coices e todas as promessas
conhecerei então a noite e o interior da noite
os beijos e os dentes da noite
no seu grande prodígio a conhecerei
sem que o saiba
anseio amar-te entre o delírio
e a penumbra
do corpo
há uma metáfora de carne
que um dia desvendarei
uma voz e uma sombra de calor
que se abre a todos
os beijos
na liberdade do corpo
a fulgurante lentidão do orgasmo
por isso nos contraímos
pela chama
que a pulsar nos contempla
a noite já me conhece
e a sua porta abre-se à espera das coisas
dos corpos
inocente o silêncio da noite
faúlhas breves e loucas
esmagam as sementes do gozo
mais fundo
húmido e frio o silêncio da noite
serei terra e a tua voz inteira
enquanto a vida nos arda no seu olhar
mais puro
aprenderei o tempo de tremor e alegria
onde seremos o pressentimento
da vindima
a boca e a língua em qualquer noite
como se fosse a primeira
e a última
dá-me a tua boca
nos segredos da tua nascente
do teu recanto de paz debaixo da tua cheia
se a morte fosse assim
seria implacável no amor da carne
escrevo da loucura da pedra nos gritos mais ténues
na explosão do sémen
por isso escrevo da morte
e da invenção da culpa
e da saliva dos beijos quentes
que despertam os sentidos mais puros
de mim serás a fonte e veloz é o desejo
e a fome
leia-se a paixão
Para que robustas sejam as suas raízes
mexeste por dentro
do mesmo abismo onde a vertigem incendeia
e onde é escassa a fraqueza
enquanto mergulhamos na estranha ausência dos sentidos
de qualquer solidão
preciso de uma palavra que defina o teu corpo
e a forma como levitas no meu
as sensações conheço-as mas não as desvendo
até que sejam o trigo e o marfim e os olhos do deus
no teu corpo explodem primaveras em espasmos
terríveis e belos como se a fome matasse e sorrisse
e a tua voz me beijasse e bebesse
no meio do fogo
quando me sobes e procuras
o quanto me assombras
nos corredores e nos gestos que inventamos
e o sussurro das palavras
que nunca dizemos
nasce um ramo de palavras
que te amam comigo
e respiram
libertas e ardentes do maior desejo
por dentro de ti os olhos são tímidos
no entanto uma aguarela
onde o vento avança acima de todas as noites
e são gulosos quando me abraças
lentamente na tua chama
onde me torno lança acima da rosa repentina
entreabres a luz no desatino dos corpos
percorro devagar todas as sílabas
do teu corpo
e serei ferro e lume brando
até que os gritos se escutem e o dia
seja imediato
no pulsar mais dentro de ti
e serei chama
de tanto de ti serei deus e o diabo
o amado e o amante
o sabor a renda
apetecida e branca
desarmada nas praias do teu corpo
naquilo que as madrugadas vivam
haverá sempre o nosso cheiro a barro religioso
que se embaraça e espreita
ainda acreditamos no enigma dos corpos
quando a excitação se anuncia
e nos esmaga o corpo
no corpo
até que eu seja a roca e o linho
o grito no grito
e se pressinta o silêncio repentino
continuamos virgens
neste desejo de invadir o teu mar
e na tua vontade plantar a vinha
os teus beijos
serão o regaço e o regadio
da minha força
existe uma luz profunda
dentro de ti
por dentro do teu poço
quando o mar se fecha e as vozes gritam
quando os corpos se agitam
quando o gozo nos desassossega
atrevo-me no teu corpo
como se um vento íntimo iluminasse
os mistérios da criação
sei que a vida cresce a cada espasmo
onde a carne e a boca
se tocam
nas tuas águas saberei a inocência e o atrevimento
no atónito poço que me abres
em molhado desassossego
namoramos ainda
devagar
e ninguém sabe dos montes
por onde cresce a vontade
mesmo que a água seja veloz
arderemos devagar
enquanto anoitece a virtude
da nossa paixão
no teu campo deposito a seiva
onde o luar cega
e os beijos causam espanto
deixa que anoiteça lentamente
porque grande é o lume
e o mar que nos espera
e depois fecha-o
para que me prenda
até que a manhã nos entrelace
e o sabor dos frutos
escorregue
nos muros dos corpos
um dia que eu morra
que seja uma coisa íntima
com o teu sorriso ainda nu
de bruços no meu peito
que o tempo escorra
no seu ritmo
sem que perturbe a paz
de tão grande alegria
poderei ainda sentir
o teu último calor
e o sabor
do beijo derradeiro
se eu pudesse escrever uma fábula
não falaria das trevas
nem do frio
nem das cidades ou de outros lugares
que se percorrem entre os dedos
e flores matinais
a mensagem seria a tua casa
de corpo tépido
e cheiro a alfazema
e por dentro de ti
um deus que acreditássemos
entre o beijo e a partilha
que os naufrágios de todas as virgens
satisfaçam deuses e víboras
que sejam a faísca e o orvalho
a gruta e o assombro abertos no seu tempo
que a sua água seja fértil
e os beijos apeteçam
e se repitam
que no sexo das mulheres exista vida
e frutos maduros
onde amadureçam as vontades
fundas
não sei como escrever do conforto do teu corpo
nem explicar o abismo de quando te inundo
e te respiro
diz-se o mesmo da vida
e da sua explosão
de gozo tão incógnito
mergulha a tua língua na minha
para que as nossas bocas sorriam
abertas de prazer
soubesse eu do tempo como sei do teu corpo
pudesse tocar-lhe
e trocar beijos na demora dos dias
acredito na memória dos dias mais jovens
tomara que o tempo me dê tudo de ti
o sabor a tâmaras dos teus seios
e o teu cheiro a folhagem viva
porque acredito nas marcas dos sonhos mais antigos
despes a roupa até que a tua nudez
olhe o meu corpo nu
aprendi a amar todos os segredos
do teu corpo
onde estremeces arquejante e húmida
até que o sossego se abrace
na paixão dos nossos corpos
ainda seremos
a criança e o pão quente das madrugadas longas
e dos lugares só nossos
as virtudes do corpo
onde o desejo grita e a boca explora
a labareda que ama e palpita
e se fascina pela tua água
procuro a tua lagoa quando olho a luz
onde pulsa o desejo
e a entrega
quero-te mulher e que estejas nua
na invasão dos nossos lugares
tão secretos
rosa aberta
e negra
do nosso céu
toca-me até que renasça
e deslumbre o teu chão
na minha queda
no deleite do teu ninho
em todos os nossos recantos
onde a alegria seja funda
num beijo de saliva
abraçada
devagar
antes que o corpo se espante
e o mar transborde
tão lento
que a inércia suplique
e o corpo goze
até que por dentro de nós
os suspiros se fundam
e abracem
não é difícil entender o silêncio
de quando me olhas
em quietude
somos puros no desassossego do desejo
e na recusa da pressa
quero a tua voz
o teu grito
o teu mar intenso
pergunto-me se deus compreenderá a inocência
e os espasmos da paixão
quero esta mulher
nos seus olhos vagarosos
no meu corpo
a boca entreaberta
enquanto me dispo
por dentro
quero o seu desatino
e a luz do seu poço
na sua nascente
quero-a inteira
Intensa
e vaga
gosto do sabor dos teus beijos
e de como eles respiram
por mim adentro
do pulsar do teu corpo
quando lhe toco
e o transgrido
e de quando me afogas
e sorris
nunca deixei que a memória
ficasse na distância
sinto no colo a tua oferta
quando apareces ainda jovem
sei das tuas mãos
e compreendo os sinais que acenam
e as noites maiores
excessivas as bocas
os silêncios
e o céu de orvalho
haverá sempre um poema a guardar-te
enquanto recebo o silêncio inicial
do teu corpo nu
por dentro de ti irei crescer no pensamento dos lírios
e na tua porta irás sorrir às raízes
que se adivinham
seremos o prazer do outro
porque é bom amar
e sentir a sede dos corpos
enquanto os nossos corpos se tocam
não haverá maior assombro
nem penumbra que nos trespasse
dentro de mim o teu silêncio ainda branco
amadurece os dons do gozo
na melhor lentidão
e hoje e amanhã
alegres são os campos
que sulcamos
como explicar as palavras
nas sensações do corpo
e o seu ritmo
a sua lucidez
escavando os sentires da alma
e quando as línguas se tocam
falar como se morresse
o meu corpo conhece os teus lábios
e o teu sorriso
quando nos inundas
sou então o teu lume
enquanto és
a minha casa
nunca me perco por dentro de ti
enquanto me olhas profundamente
sorris como quem ama
a bem-aventurada força que nenhum deus
explica
marinhas são as nossas sombras
e a porta que me abres
desfolhando o desejo maior
até que me rasgue
por dentro
um dia se fez carne
e prazer
no mais dentro de nós
e foi a noite primeira
do verbo fizemos gozo
e da carne a cama farta
cresceram gotas íntimas
entre relâmpagos
e gritos apaixonados
deus sorriu
porque era bom
e descansaram os dias
todas as sílabas acima do fogo
nos olhos
o corpo que irei beijar
até que desfaleça
e deus se descubra
por dentro da água
encontrarei a voz do teu sentir
quase inocente
e brando
por cima e por dentro do fogo
imóveis e profundas
como mulheres húmidas
na espera
e doces entre colinas
será delirante pensar em tão grande fogo
ainda te sobram sombras
e musgo por abrir
onde possa perfumar
o meu corpo
do teu desejo
nos teus olhos
o sorriso do orvalho
quando se abrem as noites
onde se escondem a seiva
e os gestos mais subtis
dirás que espere
o sinal do tempo certo
e serei quente
quente
na espera e no rastilho
não sei se respiro a pedra
se os passos me levam a ti
enquanto te despes
é impossível a frieza
quando tocamos o sol
por cima das tábuas
apenas sentir cada cheiro
e cada sabor que me ofereces
e me inundas quase imóvel
quase deserta
a tua voz na minha boca
o teu corpo no meu
até que as maçãs se perdoem
de paixão
toca-me
até que enlouqueçam as algas
e a nossa história seja luz
e prazer
continua a tocar-me
até se escutarem flautas
de tentação
grande
apetece-te
no templo da minha espera
sem que receies o tempo e as árvores
indiscretas
acordamos abraçados nas manhãs
banhados na força de nos querermos
de tanto querer
os novos beijos que inventamos
existe um fogo de tempo inesperado
que sobrevoa vales e abismos
até que me banhes os lábios
de todo o sol do teu corpo
por vezes acredito que sejas um espelho
onde me arrisco a partir
de voz aberta e esgotada
por dentro de todas as nuvens
nunca te esquivas
nem procuras o silêncio
das coisas vazias
porque te dás nua
de todas as tradições
conheço as chaves que despertam
a tua ventura
e todos os lugares do teu desejo
acima do silêncio
no teu corpo
atravessei os teus desertos
e em cada oásis encontrei os teus cabelos
mais lentos
a escuridão mexe-nos por dentro
e transforma em criança
cada um dos nossos pecados
de pétalas repentinas
abraças tudo o que me queres
e beijas os aromas mais densos dos nossos espasmos
serás o meu deus
na força do amor que te habita e no teu vazio de tortura
serás a seara e serás o fruto
onde deixarei beijos e todo o desejo de mais querer
irei descobrir todos os caminhos
até que sucumba
então serás chuva inquieta
no fundo da alegria
e serás tua
sendo minha
entendo o que me oferece o teu maior silêncio
no tanto que me dás
um silêncio nu e cheio
um silêncio amante
direi da tua alegria nos olhos
em cada beijo mais lento
e da tua voz breve
pedindo mais
quero descer nos teus vales e banhar-me
na ribeira que sustentas de tanto prazer
beijar-te nos lábios da alma
da vulva e demorar-me até que nos inundes
entre gritos e palavras ternas
na tua primavera me sustento dos melhores frutos
e o meu nome ficará gravado no teu sabor
não sei se é trigo ou tempestade
no teu corpo existe o verbo e a descoberta de novas paisagens
inteiramente és amante
e fortes são os ramos onde me agarro e sustento
agora sei como despertar o fogo e trazer comigo os teus olhos
para os beijar sempre que dormes
todos os dias serão quentes e cúmplices silenciosos
que dentro de ti irei demorar-me já submerso
és a árvore silenciosa onde se escondem os melhores frutos
e onde a tua mesa de sombra nos refresca enquanto a vida dormita
são breves os momentos que sorriem enquanto nos beijamos vagamente
ainda inocentes de memória até que as velas recolhidas
nos ensinem os segredos de tanta sede de amar
guardarei as pétalas que me abriste quando a flor de sol
prometia relâmpagos no deleite de cada toque
nos espasmos do teu corpo conheço a carne
inteiramente a reconheço no sal e no brilho intenso
enquanto te beijo as pálpebras num sorriso lento
para que cada instante cresça em golpes de vertigem
e queime até que a calmaria nos ensine o tempo certo
da melhor vindima
já não existem as rimas antigas nem o pai nosso se faz ouvir
nos corredores do céu mais próximo onde
nem sequer chove
onde nem sequer se escrevem canções bonitas
algo existe na disciplina dos dogmas que seja ruína
e nos sonetos que seja beleza
como falar sem metáforas quando os teus mamilos me acenam
e invadem sem que o desejo arda em desassossego
e sensações tão boas
ainda existem os lábios ligeiramente abertos e turvos que me perseguem
sem que me afaste e o teu segredo ainda me aguarda
ardente e húmido e árvores ardentes e fundas
para além da esperança
toca-me e seremos a raiz da vida renovada
descobrem-se os mistérios de todos os oceanos quando me debruço
sobre ti e nos abandonamos ao que houver em nós
descobrimos novos pomares que nos rasgam o silêncio
ignorando anjos e pedras e velhos traumas
o sangue dos navios antigos de quando se proibia o amor
e se acendiam as fogueiras
caímos no fogo impossível quando nos beijamos longamente
entre preces e terrores
então o teu corpo e o desejo terrível de o possuir
a fome e a sede do maior prazer
então o nosso corpo entregue ao outro
no consumar do pecado
se eu fosse deus serias amante
serias maria e paixão
e repouso no gozo da alma que na carne se exalta e excita
então serei febre e tremenda será a minha loucura
a obra e o autor inocente e louco olhando-te por dentro
nua
abraça-me enquanto te descubro nas erupções do corpo
tão grande a chama e a seiva
aos poucos
para que demore até às cinzas de tanto fogo
da cama o desenho do corpo nos seus declives no crepitar dos gritos
na cama que ainda pressinto e nos anima a continuar
deixa que eu descubra o amanhecer do teu corpo
no sabor das melhores castas
as palavras que eu disser serão espasmos num tempo incerto
adormeço na sombra do teu corpo enquanto sorris e o mar se acalma
o silêncio é uma rua íngreme por onde corres na exaltação dos pântanos
enquanto os girassóis vão abrindo o seu coração à luz
estás intacta no que sentes
enquanto durmo a tua voz percorre os meus véus
seja a carne fulminada ou o segredo mais ardente da minha força
deixa que beba de ti o vinho do melhor prazer da tua chispa
na minha boca ainda o eco das vozes extremas sem limites
nem vagares
das cinzas do teu vulcão que outros gritos se gritem
que outros silêncios se imponham que outras vezes se agitem
e outros ecos na tua boca se agigantem
na abstração dos conceitos mais correctos
vou tecendo o teu linho
e do nada se fará luz na sombra de qualquer dilúvio
o amor veste-se de todos os nus
na excitação soberba dos anjos anunciados e não haverá correria
que fuja desta paixão
no vinho do teu corpo me resguardo
onde explodem raios de respiração apressada
nascem flores de orvalho quando me humedeces do teu querer beijar-me
mais docemente
de branco pálido apaixonado
inundar-te-ei enquanto me agarras em novas palavras de mais querer
e quando se ouvir um brado não sossegues que o tempo
tempo ainda terá
porque nos damos inteiros até que o tempo se cumpra
escrevo o que as palavras queiram sem que procure
qualquer desespero
os espasmos são um instante onde se procuram rasgões
de vozes aturdidas
e mãos dramáticas que se agarram na emoção do gozo
escrevo porque respeito a fome e a sede e o som dos violinos
é áspero à solidão e todas as diatribes apetecem ao desassossego
que se transforma em força e dedos que martelam em golfadas diurnas de qualquer agonia
escrevo no querer a posse da palavra e na procura do gesto e da sílaba certa onde os significados se alheiem de estilismos e sejam fartas as línguas que se tocam
enquanto a tua boca se abrir
para que me beijes
e segredes os sonhos
que ainda me reservas dentro de ti
enquanto fores caindo no meu corpo
os choupais nos esconderem
e as tardes estremecerem connosco
agitarei as tuas margens
para que me sintas ardente
e extremo
então serás cama e serás vento
entre a voragem e a escrita
que nos sobrem as palavras
enquanto a respiração chamar por ti
e queimar suave no meu peito
grande é o desejo e é grande
e grande
sulco estreito onde deixarei sementes de paixão
branco é o espelho de nos querermos
e a luz que nos abraça
por dentro de ti
existem todos os poemas
por escrever
e neles existe o sangue
e o murmúrio materno
por dentro de ti
existe o fogo e o alimento
o golpe da água
que enlouquece a inocência
do corpo
existe o leite e o sorriso
mais puros
onde os dias sossegam
entre o grito e a memória
na vontade do abraço
de bruços no cérebro e no sexo
entre a boca e a razão crescem-nos raízes conscientes
somos a paisagem da carne
a água e a terra de todos os jardins onde namoramos
todas as noites o calor e a música
dos corpos colados num sentimento arrebatado
o poema na fogueira
entre o grito e o beijo amantes
não se aplaudem as flores por serem habitadas de cores
nem pelo cheiro que nos emprestam
não beijamos a música nem a palavra pelo rosto de deus
que nos mostram
também não te amo pelo sorriso do teu corpo nem pela voz
dos teus gemidos
mas os teus silêncios e um tipo de loucura que apetece
e guardo segredo
abres a tua madrugada até que me embriague
de todos os brilhos
e são assim os dias todos
reconheço a túlipa sedenta
sempre que estremeces
e ávida é a boca onde germina
não sei se me olhas ou se me invades
se me rasgas ou abraças
entre o escuro e o branco iluminado
é tremenda a descoberta
e sereno o conforto e a posse
nos teus gritos de prazer desesperado
conheço o teu corpo pelos dedos e pelo cheiro
no tronco das suas metáforas
acredito que sejas trigo virgem onde escuto os sons
da terra por semear
não sei falar da tua água por dentro
e do que me animas quando me olhas no teu branco repentino
conheço apenas as faíscas do teu peito quando me amas
e a tua caverna quando espera o meu abraço
mais rápido
e a beleza de cada raio que se desprende
dos teus olhos
e quando dizes que por dentro de ti
palpita tudo o que sou
agarra a minha voz para que escutes
a conquista das palavras
que escrevo
e as sintas dentro de mim
no poema e na canção de embalar
tudo de mim será teu
para que sintas o desejo grande
de abrires o corpo
e a alma
em ti deposito o meu nome
e uma rosa negra será a chispa
do maior arrebatamento
onde todas as palavras serão puras
e livres
a semente e o fruto das nossas raízes
serei o teu campo de cultivo
e o teu cárcere
onde farás crescer o prazer e a força
para que tudo de ti
seja meu
conheci a mulher no que ela tem de eterno
e no demolir das crenças
mais antigas
no que ela tem de primavera
e porque me dá a mão
a vida inteira
conheci a mulher porque me incendeia
e me descerra os olhos
no desejo que alimenta das suas janelas
conheci-a nesta alegria
de ser alimento
e cada palavra de ternura
quantas vezes te falei para dentro de mim
e disse coisas que já não sei repetir
por vezes os pensamentos são íntimos
como os nossos beijos mais saborosos
continuo a procurar a tua uva da nova vindima
e o teu reflexo nos meus olhos
nos meus lábios o barro mais puro e o brilho interior
da caverna
profunda memória da tua melhor chama
de lá dissipo a sede e arquiteto
a rebeldia dos corpos
sem que a loucura abrande para um breve
sossego
ninguém compreendeu o amor
quando passeávamos abraçados à chuva
nem o espírito dos tumultos
ainda jovens
viverei de ti a vida inteira
a força do desejo
e mais querer
onde conheça os teus olhos
e saiba cheirar o teu musgo mais recente
saberei das tuas janelas
por onde me espreitas e acolhes
para que me debruce
no mais íntimo do teu ser
por dentro do teu abraço mais forte
onde o sol e a água se enlacem
e se beijem
na melhor colheita
não escondas a revolta
pelo que a vida dói
onde o suor dos corpos
seja a seiva da terra
onde nasçam frutos justos
não escondas a revolta
pelo que a vida dói
de sol a sol é muito sol a bater no corpo
e enxada a gretar as mãos
muito pão mergulhado na sopa e vida aflita
como sonho ainda mergulhar em ti
companheira do maior sofrer
e da fome que habitua
saberei ainda amar no que resta do corpo
e terás o meu sorriso sempre que acordes as horas
e tudo o que nos dói
importa a luta
e recusar dízimos
nem que se descanse ao sétimo dia
nunca sei da sua voz
mas quero esta mulher que inebria
nos seus lábios existem espelhos de paixão
e as melhores vírgulas ao redor do sexo
gosto dos seus frutos
e da rosa enegrecida onde palpitam
pingos de renda jovem
as suas manhãs são lentas quando desagua
no meu corpo ainda sóbrio
na espera marinheira
da melhor maré
intrigas quem procura conhecer-te
apressadamente
sem compreenderem a simplicidade
a ternura assusta-as
acredito na luz
e na sombra que a persegue
porque nenhuma se rejeita
nem procura dízimos e bençãos
maior é a paixão que sinto
e sentes
a primavera dos nossos corpos
e o seu convite
que os teus olhos se fixem no futuro
e nos seus dias todos
de trabalho e conquista pelo que seja
enquanto a lena me sorrir
acredito na vida e nas pessoas
acredito ser possível construir
a estrada e a justiça
e todos os dias
a paixão mais bonita
danças sem a certeza de ser dia
e sem que lamentes os sinos de ninguém escuta
em todos os momentos
as portas que abres
mostram o abismo e a queda
e tanto anseio
algumas vezes falamos na profundidade das crianças
e nos silêncios que sorriem e se escutam
danças sem a certeza de ser dia
no meu corpo
onde já palpitam os lugares
da minha mais ardente seiva
em ti deposito os meus beijos e rápidas são as tempestades
por dentro de ti
quero saber da morte maior e se nos estremece entre o fogo e a cegueira
saber das portas devastadoras da terra e da erva corrupta
onde respiram palavras de inequívoco segredo
e do terror do escuro silêncio das coisas acabadas
quero saber do sexo e de como me beijas
das gotas de orvalho no teu poço quando lhe toco
nos teus seios o equilíbrio onde procuro que ardas inicialmente
porque eles concedem a iniciação dos lábios e tão breves se enternecem
e detêm
serão língua antes que sejam verbo e queda suave
alimento que arde no corpo e o que o desejo queira e a paixão deseje
Gostava tanto de escrever um poema bonito
Que falasse do primeiro orgasmo de todas as virgens
E do sabor dos beijos mais lentos
Um poema que cheirasse a sexo
De palavras húmidas e ensandecidas
Onde as tuas coxas fossem lápis e o teu poço o segredo
Das rimas dos maiores poetas
Ser a eternidade contigo sem imposições de sintaxe
Nem gatafunhos de vida
E ao mesmo tempo no limiar do êxtase
hei-de fazer de ti um poema excessivo
mais íntimo
desfalecidos os corpos brindarão cada recomeço de palavras amigas
hei-de escrever um poema degrau a degrau
de tanto e tanto querer
enquanto houver um caminho e um abismo de entrega
quando me olhas
enquanto houver um caminho e um abismo que ainda queime
enquanto a tua voz se escute em bocados de silêncio ofegante
o que procuram as tuas mãos quando me tocam suaves e quentes
o que fazer de nós neste desejo tamanho
e prazer desesperado
porque há sempre um tempo de espera
um tempo dramático e ansioso onde sejam tremendas as marés
espera comigo por um novo sopro
onde juntos gritaremos novos louvores e ais
por vezes sou ilha
ou talvez uma fogueira de festa e areia
diz-se que as estrelas brilham
serei uma estrela quando navego no teu corpo contra a noite
ou serei a noite que te dou
dentro de mim passeia-se deus e o diabo e também tu
na santa trindade de todo o meu desejo
amo-te
talvez por isso
onde te ergues mulher se não te satisfaz o silêncio mais extremo
enquanto te mostras abertamente na embriaguez já próxima do corpo
os teus apelos ecoam dilacerados na boca que me ofereces
e rápidas são as asas que me lanças
nos teus olhos a cegueira do sabor mais denso
enquanto esperas o prazer do leite e da rosa por florir
até que desfrute do teu favo e do perfume
por abrir
não sei se és manhã mas não serás renúncia
enquanto o teu coração sorrir e o teu corpo amadurecer
serás o melhor vinho e a cama desfeita
a âncora onde me prendo e abraço
na mulher inteira serás a amante desabrida
e eu serei teu e tanto
estás nua e eu sei que és doce
sei que és lugar onde irei deitar-me
estás nua e és rosa
e és poço e tempo ameaçado
estás nua e eu sou espanto
sou nervo mas nunca impaciente
estás nua sem que o saibas e és vontade
de receber-me
afirmo que deus nasceu
na tua barriga
sem ameaças de vingança
estéril
que o amor é puro
e dá-se
sem medos
nem exigências
zanguem-se as igrejas
e todos os cultos
porque a paixão é entrega
sem perdão
onde apenas os beijos
ressuscitam
a carne
nunca me amarei sozinho
porque serás sempre a virgem
daquele dia
que nem as pedras
nem a terra compreenderão
amo-te na pressa da vida
e frescas serão as margens do grande lago
farta é a luz e o delírio da carne
meu amor
de onde vem esta água
onde a fonte e o silêncio
são cúmplices
onde o fogo e o vento serão véus
de bocas ávidas
na sombra de cultivo
será o tempo do sagrado terreno
a rosa escurecida
sangrando vida
acredito nas letras que desenhas no leito
e na fome que elas sustentam
nos gestos marinhos
quando desaguas
que a tua voz seja o sétimo dia
estupenda e quase selvagem
estendida nos meus campos
porque és o brado
de todas as mulheres nuas
vem e regressa
enquanto me habites
profundamente
reconheço nos teus lábios já húmidos
os mistérios que prometes
e atiçam a descoberta
há sempre palavras
de silêncio
e um golfar enlouquecido e branco
enquanto houver um caminho
e um abismo
que ainda queime
enquanto a tua voz se escute
em bocados de silêncio
ofegante
desfalecidos os corpos
brindarão cada recomeço
de palavras amigas
hei-de escrever um poema
breve
de querer-te tanto
seremos pastores do tempo
e a primeira letra que nos sobrevive
para que a obra terminada
seja ouro intenso
e livres as noites no segredo
de corpos que se tocam
em sílabas húmidas de gritos abafados
ou numa enxurrada convulsa
levemente exausta
para que saibas a nuvens virgens
e as tuas bagas
sejam doces e brandas
onde haja lume
que escute e nos alimente
são os momentos em que me basta o teu cheiro
ou que apenas te imagine a meu lado
quando espero o vinho da melhor uva
e a espera seja rua deserta e fresca
até que a inundes
de bagas ardentes
fascina-me a funda serenidade
dos vales
onde se guardam beijos
debaixo de folhas vivas e breves
é quando me invades
veloz e quente
na carne delicada
dentro de mim é o deus
e o pensamento infantil abraçado e grande
em íntimo espanto
os teus lábios
cheiram a terra
e são doces a luz e a mãe
de todas as vezes
procuro um poema que fale
da terra e do mar
que fale da lama
e do sémen
um poema inacabado
que sorria às mulheres
e as saiba abraçar
procuro um poema
que procure no sexo a cumplicidade
dos gestos
e dos sentires
um poema que venha lento
e que vindo lento
agrade à vida
e ao amor
gosto da pele que cheira a terra e a trabalho duro
de sentir o seu cheiro a vácuo
que me recordam a vida e atingem
gostava de construir em mim
esse rosto queimado de sol onde os olhos se fixassem
para além do riso e do tempo
gostava de amar como essa gente
e sentir a sua beleza
nas margens do cansaço
e deitar-me contigo entre lágrimas
no desejo que deus nos sentisse
e fizesse tudo de novo e tão diferente
quando as nossas bocas se tocam
anunciam oferendas de fogo
os beijos são assim
até que a palavra e a terra
se abracem cúmplices
por vezes não sei que outras palavras diga
para falar-te da terra e do arado que te remexe
de como abraçamos os nossos sulcos
e a vida fica grande
de como nos construímos leves
um dia saberei dizer do cheiro dos olhos
quando sorris e me dás a mão
e do que nos dizemos em todos os silêncios
da fome mais crua
gosto de amar-te em ritmos distraídos
e olhos quase ausentes
enquanto te afogas no quanto te quero
palavras de sobressalto dilaceradas e esplêndidas
no seu brilho mais violento
ninguém sabe se é a voz dos homens
ou uma ameaça divina
benditos sejam os lábios na sua loucura
que se agitam
na história dos amantes
são palavras dramáticas quase estéreis
se não provam o sémen
na sua brancura divina
fartas são as penumbras e as pálpebras arrebatadas
no espanto da vergonha e do medo
onde são o gesto amável na entrega da carne
e onde o fruto seja pecado
por isso as palavras são dramáticas
no que sobressaltam os deuses
e estéreis nos dias mais apaixonados
fulgurante é a luz das coisas do corpo
quando me esperas e desejas
o espanto
não sei se és ribeira
se és âncora
ainda no sossego das águas
quando existem paisagens nos teus gritos
há um novo mistério por descobrir
que nos cena e inebria
a luz entra e sai dentro de nós
e longo é o tempo final
amado e amante
eu quero mexer na terra
ainda seca
sujar-me nela
devagar
como quem espera
pelo gozo da mulher
desfazer os seus grãos
ou beijar-lhe os seios
os sulcos
onde as sementes irão florir
os melhores frutos
eu quero mexer na terra
e encontrar nela o teu sabor
virgem
maduro
envelhecido
o poema nasce por uma palavra
onde te instalas
ausente da pressa
do tempo
desconheço onde desaguas
se no íntimo do poema
ou ao seu redor
ou se desaguas
no seu leito
onde te alimentas
e acreditas
és diferente todas as manhãs
assim o poema
na palavra
espero o teu incêndio que transborde no meu corpo
e o inunde de forma arrebatada
e muito branca
enquanto te moves por dentro de nós
que a abertura seja lenta mas fulgurante
que transpire nas palavras dos poemas que se escrevam
e de cada vez os livros e os gestos de paixão
sejam livres e cheirem a espuma e a resina
nos campos
os charcos são a escultura
do nosso amor
sou
o que atento de mim
a forma justa de negar
e nego-me
no que acredito
renunciar
sou
o que seja sombra
e persiga a luz
ou seja perseguido
nunca perdoado
sou
quem vou sendo
não sujeito
não passivo
nem isto ou aquilo
e não entendo
um dia estarei em casa
azul
sem dor e sem lama
de terrível alegria
no fundo dos olhos
uma casa cheia de vazios
dos teus vazios
de tradições e receios
e vazia
de escuridão
uma casa sem defesas
e sem tramas
onde andarás nua
enquanto esperas
que eu abra
a tua porta
conheço todos os caminhos
todas as vielas
e os pátios antigos
do meu tempo de menino
e não te conhecia
ainda
conheço todas as tascas
todas as putas
e as guitarras de grito
do meu tempo de destino
e não te conhecia
ainda
conheço todos os charros
todos os grifos
e os sons da noite
do meu tempo sem regras
e não te conhecia
ainda
é um atinar
que desatina
o amor
e tanto
é um incêndio
que mói
e espreita
que beija
e navega
és tu
e também sou
na boca
e na língua
e são elas
que mais navegam
por dentro de nós
é amor
e amor ainda
se estando perto
te julgo tão longe
e quero mais
de tanto que tenho
se nos teus olhos
não vejo limites
e no teu corpo
eu sinto desejo
se a tua roupa
vai desistindo
e forte te mostras
no quanto me queres
será chama
serão gritos
seremos amantes
e tanto
o sonho não morre nas marcas do corpo
nem o amor desiste de quem se dá
não me esperem nos cânticos sonolentos
porque o céu é castanho
e é terra
é beijo
e é agora
dentro de ti
um poema
e a voz do mar
em ti
crescem raízes
e as crianças mais belas
por ti
edifico sonhos
e nuvens transparentes
serei papel e caneta
e um poema
enquanto me agarrares
nos teus olhos
e as nossas bocas
desvendarem mistérios
esse desassossego
do teu olhar
quando te deitas
e no meu corpo
procuras tesouros
escondidos
águia
que vai pairando
até que se despenha
do céu
no sítio
a descoberto
saciada
ainda olhas
e talvez sorrias
no fundo de ti mesma
até depois
um pouco mais tarde
a noite ainda dormia quando acordei nas palavras que também sentiam
essa vontade irresistível de olhar-te até que os olhos desistissem de
tamanha alegria
por dentro de mim existem vozes que anseiam um toque e um beijo
que te percorra secretamente e que invada o rosa e o negro
por dentro de mim já cresce o desejo de um poema inteiro e alto que perturbe o corpo
um poema que seja leve e saiba acordar a chama fulgurante
da rosa quente e negra e entreaberta e gota a gota
espere o teu grito e se transforme em espanto e desejo satisfeito
onde te deitas
quando te deitas
no meu corpo
no chão
na cama
no meu corpo
dentro de mim
onde te deitas
quando te deitas
no meu corpo
no vento
no vulcão
nas ondas
dentro de mim
onde te deitas
quando te deitas
no meu corpo
tão dentro de mim
nem as nuvens
nem o fogo no céu
nem em nós
não fosses tu
não seria eu
nem o que nos molha
nem o que nos queima
nem o que nos une
não fosses tu
não seria eu
o que seria eu
senão fosses tu
de onde vem o vento
e a chuva
e o fogo
de onde vens
porque não seria eu
se não fosses tu
banho-me na tua sombra
no teu abismo
no teu mar
e por lá fico
até que a luz se cumpra
e venha sem pressa
deito-me no teu lago
na sua água
no que não me é secreto
e por lá fico
sem pressa
até que a luz se cumpra
e repita
lentamente
deixa que escorregue
até ao fundo de ti
onde a paixão é tão grande
olhas
e eu sei para onde
e para onde
me chamas
e deito-me
na tua cama
no teu corpo
e toda a água
é estranha
leve
e saborosa
enquanto escorrego
beijo-te os gritos
e na tua fome
deposito a minha boca
depressa
antes que a noite
nos sufoque
dá-me
o que entenderes
dar-me
deixa um poema
e um abraço lento
uma palavra que seja divina
Inexplicavelmente
não existem mistérios
nem se contam os espasmos
o fogo apenas espera
o seu momento de liberdade
e gritos mudos