Samba Dedilhado
Ele voltava a sentar-se depois de alguns breves rodopios e passos de baile. O trompete vibrante se destacava perante o cavaquinho e o tamborim. Criando um samba que namorava em ser jazz. Era uma sala de chão de longas tábuas de madeira, de teto altíssimo, paredes grossas que ajudavam na acústica envolvente. A roda de samba empurrava a banda de quatro pessoas contra as paredes. Restando apenas o canto da sala onde ficavam junto a algumas mesas e cadeiras que foram movidas do centro fervoroso da sala.
Fazia “um calor desgraçado dos infernos” na sala cujo as janelas grandes de vidro sujo de poeira passavam uma luz amarelada que só ressaltava esse calor que fazia com que os participantes da roda se realizassem em dançar inconscientemente.
Era a segunda vez que ele se sentava.
Mesmo seu paletó dando sinais óbvios de que era hora de ir embora com manchas escuras de suor nas costas, axilas e lapela do tecido de linho cinza claro, ele se recusava a ir. Tinha um motivo para ficar. Um motivo de cabelos curtos e onduladamente loiros.
Sua salvação era a única cadeira almofadada na mesa mais redonda mais distante de todos. Onde ele ficava até o sangue lhe esfriar para então logo voltar para a roda ao lado dela.
Além dele e da banda, haviam outros sentados nas mesas, apenas esperando novamente para dançar até o incandescente.
O cansaço dava certo conforto ao duro assento almofadado. Respirava ofegante por mais que tentasse disfarçar entre goles de água que já foi gelada, mas agora deixava o estado de frescor.
Mantinha os olhos vidrados nos belos ombros descobertos pelo vestido rosa que ela vestia. Em um rápido lapso e uma piscada de olho, ele se perdera nas memórias da noite anterior que ele dividiu com ela. Um jantar boêmio com filés de peixe empanados acompanhados de ao todo duas garrafas de vinho e alguns cigarros fumados por ela. Deitaram-se na grande cama delicadamente arrumada. Os dois, juntos no desfecho de um inocente amor, adormeceram para a lenta e delicada manhã do dia de hoje.
A doce memória lhe passava em mente várias vezes. Até que sua atenção é recobrada por uma fala externa a memória que dizia em um tom tão monótomo que foi impossível de se distinguir sexo ou idade.
-Toma aqui.
No mesmo instante, o copo d’água que ele segurava tornou-se subitamente mais pesado. Podendo sentir o “coice” do copo.
Seus olhos voltaram-se para o seu transparente copo americano com água um pouco abaixo da metade. Mas que agora, transbordava em uma água avermelhada.
O peso acrescentado lembrou ele do peso de dois grandes cubos de gelo. Foram dois erros que sua intuição lhe fez tomar. Não eram dois, mas sim um. E não era o mais requintado cubo de gelo, era o mais estranho e grotesco dedo anelar de uma mão que seu ofício de herdeiro latifundiário poderia lhe proporcionar.
Teve nojo. Teve vontade de vomitar e repúdio do pedaço de carne e osso. Mas acima de tudo, teve medo. Não do dedo boiando no copo em suas mãos. Mas do que as pessoas poderiam pensar dele com aquilo, da situação que poderia desatar e de quem colocou-lhe o dedo no copo.
Tamanho foi o choque que permaneceu parado a deslumbrar o dedo que, segundo a segundo, mais avermelhava a água com sangue. Passaram-se dois segundos dele nesse estado catatônico. Tempo em que a pessoa que lhe fez o exótico drink já havia se perdido entre a roda de samba.
Quando finalmente recobrou a integridade de seu pensar afetado pelo agora mais forte e notável calor, ele olhou para a frente e só viu a dançante multidão alegre por mais que cansada. Sua beleza era muita, e se originava da genuinidade dos que nela sambavam.
Ele desconfiou de todos. Da mais nova menina recém moça e que não entendia o por que da cólica e hemorragia que sofrera a poucos dias. Até da figura mais velha que sambava a passos descompassados e lentos. Desconfiava até do amigo do primo que lhe convidou para o baile.
Entretanto, ele não desconfiava de uma pessoa. A quem ele confiava a vida e seus segredos. Essa a quem ele deu a sua sagrada virgindade a duas semanas. Procurou por ela em meio aos bailarinos. Se levantou aflito à procura dos ondulados cabelos da cor mais douradamente loira. Não a encontrou.
Olhou à sua esquerda. Mas só encontrou a banda já cansada e que agora começava a tocar outro samba nitidamente mais lento que o anterior.
Teve medo em olhar a sua direita e ver o desconhecido e anônimo que lhe entregara seu pesadelo. Sonhou bom foi quando viu o rosa vestido ciganinha que ela usava. Ela vinha num caminhar singelo saindo da roda e indo ao seu encontro.
Foi o melhor e mais curto sonho que ele teve. Pois o vermelho sangue da água em que boiava o dedo não ornamentava com o açucarado e sutil rosa do vestido. Tinha de fazer algo para com aquilo.
[...]
Virou-lhe o copo.
Foram três goles até que por muita sorte o dedo estava em posição ideal para engoli-lo sem nenhum esforço necessário. E assim o fez no quarto gole.
No quinto e derradeiro gole ela já chegara ao seu encontro e se colocou ao seu lado.
Esperava por tudo. Mesmo que ele não tivesse resposta para nem metade das situações que poderiam acontecer. Mas ela, sem pestanejar, o puxa pelo braço direito. Ele em um último suspiro de suas faculdades mentais, deixa o copo vazia em uma das mesas.
Eles contornam a multidão e, quando estavam prestes a chegar a porta soltava uma brisa suave de vento vindo do restante do casarão, ela diz baixinho para que ninguém além dele ouvisse:
-Vamos, detesto essa música.
Fazia “um calor desgraçado dos infernos” na sala cujo as janelas grandes de vidro sujo de poeira passavam uma luz amarelada que só ressaltava esse calor que fazia com que os participantes da roda se realizassem em dançar inconscientemente.
Era a segunda vez que ele se sentava.
Mesmo seu paletó dando sinais óbvios de que era hora de ir embora com manchas escuras de suor nas costas, axilas e lapela do tecido de linho cinza claro, ele se recusava a ir. Tinha um motivo para ficar. Um motivo de cabelos curtos e onduladamente loiros.
Sua salvação era a única cadeira almofadada na mesa mais redonda mais distante de todos. Onde ele ficava até o sangue lhe esfriar para então logo voltar para a roda ao lado dela.
Além dele e da banda, haviam outros sentados nas mesas, apenas esperando novamente para dançar até o incandescente.
O cansaço dava certo conforto ao duro assento almofadado. Respirava ofegante por mais que tentasse disfarçar entre goles de água que já foi gelada, mas agora deixava o estado de frescor.
Mantinha os olhos vidrados nos belos ombros descobertos pelo vestido rosa que ela vestia. Em um rápido lapso e uma piscada de olho, ele se perdera nas memórias da noite anterior que ele dividiu com ela. Um jantar boêmio com filés de peixe empanados acompanhados de ao todo duas garrafas de vinho e alguns cigarros fumados por ela. Deitaram-se na grande cama delicadamente arrumada. Os dois, juntos no desfecho de um inocente amor, adormeceram para a lenta e delicada manhã do dia de hoje.
A doce memória lhe passava em mente várias vezes. Até que sua atenção é recobrada por uma fala externa a memória que dizia em um tom tão monótomo que foi impossível de se distinguir sexo ou idade.
-Toma aqui.
No mesmo instante, o copo d’água que ele segurava tornou-se subitamente mais pesado. Podendo sentir o “coice” do copo.
Seus olhos voltaram-se para o seu transparente copo americano com água um pouco abaixo da metade. Mas que agora, transbordava em uma água avermelhada.
O peso acrescentado lembrou ele do peso de dois grandes cubos de gelo. Foram dois erros que sua intuição lhe fez tomar. Não eram dois, mas sim um. E não era o mais requintado cubo de gelo, era o mais estranho e grotesco dedo anelar de uma mão que seu ofício de herdeiro latifundiário poderia lhe proporcionar.
Teve nojo. Teve vontade de vomitar e repúdio do pedaço de carne e osso. Mas acima de tudo, teve medo. Não do dedo boiando no copo em suas mãos. Mas do que as pessoas poderiam pensar dele com aquilo, da situação que poderia desatar e de quem colocou-lhe o dedo no copo.
Tamanho foi o choque que permaneceu parado a deslumbrar o dedo que, segundo a segundo, mais avermelhava a água com sangue. Passaram-se dois segundos dele nesse estado catatônico. Tempo em que a pessoa que lhe fez o exótico drink já havia se perdido entre a roda de samba.
Quando finalmente recobrou a integridade de seu pensar afetado pelo agora mais forte e notável calor, ele olhou para a frente e só viu a dançante multidão alegre por mais que cansada. Sua beleza era muita, e se originava da genuinidade dos que nela sambavam.
Ele desconfiou de todos. Da mais nova menina recém moça e que não entendia o por que da cólica e hemorragia que sofrera a poucos dias. Até da figura mais velha que sambava a passos descompassados e lentos. Desconfiava até do amigo do primo que lhe convidou para o baile.
Entretanto, ele não desconfiava de uma pessoa. A quem ele confiava a vida e seus segredos. Essa a quem ele deu a sua sagrada virgindade a duas semanas. Procurou por ela em meio aos bailarinos. Se levantou aflito à procura dos ondulados cabelos da cor mais douradamente loira. Não a encontrou.
Olhou à sua esquerda. Mas só encontrou a banda já cansada e que agora começava a tocar outro samba nitidamente mais lento que o anterior.
Teve medo em olhar a sua direita e ver o desconhecido e anônimo que lhe entregara seu pesadelo. Sonhou bom foi quando viu o rosa vestido ciganinha que ela usava. Ela vinha num caminhar singelo saindo da roda e indo ao seu encontro.
Foi o melhor e mais curto sonho que ele teve. Pois o vermelho sangue da água em que boiava o dedo não ornamentava com o açucarado e sutil rosa do vestido. Tinha de fazer algo para com aquilo.
[...]
Virou-lhe o copo.
Foram três goles até que por muita sorte o dedo estava em posição ideal para engoli-lo sem nenhum esforço necessário. E assim o fez no quarto gole.
No quinto e derradeiro gole ela já chegara ao seu encontro e se colocou ao seu lado.
Esperava por tudo. Mesmo que ele não tivesse resposta para nem metade das situações que poderiam acontecer. Mas ela, sem pestanejar, o puxa pelo braço direito. Ele em um último suspiro de suas faculdades mentais, deixa o copo vazia em uma das mesas.
Eles contornam a multidão e, quando estavam prestes a chegar a porta soltava uma brisa suave de vento vindo do restante do casarão, ela diz baixinho para que ninguém além dele ouvisse:
-Vamos, detesto essa música.
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