

Himalayanpanda
Sou um Nepalês, mas moro no Bahia, Brasil há 12 anos. Sou estudante de antropologia e gosto muito de ler literatura variada, desde literatura até ciências. Ocasionalmente, também escrevo na minha língua materna, que não está listada no Google Tradutor. Alguns dos meus escritos já foram publicados. Estou aprendendo português (BR).
Súplica pela Ressurreição (Conto)
(A História de Kisa Gotami)
– Ranjan Lekhy
SAJ, Bahia, Brasil
16 de novembro de 2025
Setecentos anos antes de Jesus Cristo, na antiga Índia, em uma favela da capital Shravasti, no Reino de Kosala, vivia uma família muito pobre. Apesar do trabalho esmagador do pai todos os dias, nunca conheciam uma alimentação equilibrada ou nutritiva. Nesse ambiente sufocado por preocupações e dificuldades nasceu uma menina. Deram-lhe o nome de Gotami. Com o passar dos anos, seu rosto continuou belíssimo, mas a desnutrição e o trabalho incessante reduziram seu corpo a pouco mais que um esqueleto coberto de pele. Era inocente, disciplinada e incansável. No mesmo bairro viviam várias outras meninas também chamadas Gotami, todas rechonchudas e graciosas. Para diferenciá-la, os vizinhos começaram a chamá-la de “Kisa Gotami” – Gotami Magrinha.
O tempo girou sua roda. Dizem que após toda noite escura, o amanhecer há de chegar. Um dia o destino, por um breve instante, mostrou piedade. Para guiá-la à felicidade, entregou-lhe o fio frágil que chamamos casamento. Aos dezoito anos casou-se com uma casa rica. No início parecia um paraíso: sogros bondosos, marido amoroso, cunhados carinhosos. Mas a ilusão rachou e desmoronou em poucos anos. Quando, apesar do tempo passar, nenhum filho veio, a língua da sogra afiou-se e o olhar do sogro esfriou. Os membros mais jovens da família passaram a tratá-la com desprezo aberto. Era tolerada apenas como esposa cumpridora. Em casa tornou-se menos que uma criada – acordada antes do amanhecer, só podia dormir depois da meia-noite.
Então, um dia, um milagre. Contra toda esperança, engravidou. Um dia deu à luz um menino perfeito, de termo completo, de membros dourados e sem defeito. Da noite para o dia a casa mudou. Os sorrisos voltaram, mãos se estendiam para ajudar, palavras doces enchiam novamente o ar. Ela viu a verdade amarga: não havia sido acolhida como ser humano, apenas como uma máquina – ou para gerar filhos ou para trabalhar dia e noite sem amor, carinho ou descanso.
Mas aquela criança era dela, um pedaço do seu próprio coração. Tornou-se a sombra fresca de uma figueira-da-índia imortal que lhe dava paz, alegria e segurança. Derramou nele tudo: cada momento de dor, cada gota de leite arrancada da fome, cada canção de ninar tirada de um coração exausto. Observava maravilhada enquanto ele descobria o mundo com olhos arregalados, enquanto seus bracinhos se moviam, enquanto dava os primeiros passos cambaleantes, ria sem medo, chorava quando tinha fome ou estava molhado. Ao ver o filho nascido do seu ventre, todos os longos anos de fome, humilhação e nojo da vida dissolveram-se como cânfora no ar. Agora tinha o sol da esperança, a lua que cantava canções de ninar, os olhos pelos quais via o mundo inteiro. Numa palavra, estava completamente feliz.
Então, num dia de festa, a desgraça caiu. Um mau-olhado atingiu sua alegria. Um raio de dor desabou. No mês frio de Aghan, seu filho de três anos pegou febre, tossiu sem parar, lutou para respirar. A pobre Gotami tentou todos os remédios caseiros. No terceiro dia a tosse parou. A criança ficou babando, inconsciente. Ela o pegou no colo e correu para o pátio gritando: “Acorda, meu principezinho, meu rei! Por que dormes tanto?” Sacudiu-o suavemente, esfregou calor nas bochechas frias, rezou desesperada ao deus da família. Mas os olhos dele permaneceram fechados para sempre. Para ela parecia apenas um sono profundo. Seu mundo desabou, mas coração e mente se recusavam a aceitar.
Os vizinhos se reuniram com o alvoroço. Ela implorou aos parentes: “Chamem um xamã, qualquer exorcista! Algum mantra, algum ritual – qualquer coisa para acordar meu filho!” Um ancião verificou o pulso, colocou o dedo sob o narizinho. Nada. Seu próprio coração se partiu. Com voz embargada de tristeza disse: “Minha querida, o menino se foi. A roda da vida dele parou para sempre.” Com essas palavras o coração dela disparou, a mente ficou dormente. A loucura a envolveu como um sudário. “Ninguém vai me ajudar! Eu mesma vou encontrar um curandeiro. Meu filho vai ficar bem!” Apertando o corpinho sem vida contra o peito, fugiu.
Correu pelas ruelas tortuosas – uma sombra negra de desespero. Em cada porta batia, suplicando com voz que rasgava o coração: “Me deem remédio, qualquer remédio para acordar meu filho deste sono profundo!” As pessoas viam o cadáver em seus braços e os olhos queimando de esperança impossível; seus corações se derretiam. Alguém a mandou a um curandeiro famoso em outra rua; ela foi a todos os nomes mencionados, mas todos se revelaram inúteis. Rituais sem fim, orações sem fim – a criança não se mexia. Os mortos só ressuscitam nas histórias e mitologias, nunca realmente na vida. Uma alma bondosa sussurrou: “Aceite a verdade da morte, filha querida. Volte a si.” Outros, assustados com sua loucura, batiam portas e janelas. Homens cruéis brandiam varas, atiravam pedras, gritavam: “Fora, louca! Leve sua maldição embora!” Mas ela seguia correndo, pés descalços sangrando, sari rasgado, ornamentos quebrados, ainda pedindo ajuda. Acreditava que na próxima esquina certamente havia alguém que poderia acordar seu filho e devolver-lhe a vida.
Fome, sede e cansaço a esmagavam, mas a esperança queimava mais forte e feroz que tudo. Por fim chegou à casa de um velho cujo rosto trazia a calma de séculos. Ao ver a criança sem vida, o corpo quebrado da mãe, os olhos afogados em lágrimas, seu coração se derreteu. Pensou: “Nenhum remédio terreno pode reanimar este menino, mas o grande médico, o Tathāgata Buda, ainda pode acalmar o tormento desta mente perturbada.” Com voz suave de amor disse: “Nobre senhora, refugie-se no Buda, o supremo curador. O remédio que você procura está com ele.”
Ao ouvir o nome do Buda, um lampejo de memória iluminou sua mente. Há muito tempo ela havia vislumbrado de longe o brilho sereno do Senhor; já naquela época seu coração transbordara de fé. Nova força correu por seus membros. O mosteiro não ficava longe. Apertando o filho morto, correu em direção ao Mūlagandhakuti Vihāra.
O Senhor Buda estava sentado num divã, rodeado pela comunidade de monges. Milhares de fiéis leigos estavam ouvindo em silêncio absoluto seu sublime discurso. No instante em que Kisa Gotami chegou, prostrou-se aos pés dele, juntou as mãos, controlou a respiração ofegante e, com voz trêmula, implorou: “Senhor Buda! Dê-me o remédio que possa acordar meu querido deste sono profundo.”
O Tathāgata viu imediatamente a loucura em sua mente. Compaixão infinita brotou nele. Com voz suave disse: “Claro, filha. Tenho remédio para você. Mas para que funcione, você precisa me trazer um único punhado de sementes de mostarda pedidas como esmola na cidade.”
“Sim, Senhor!” Antes mesmo que ele terminasse, ela gritou, transbordando de alegria e esperança: “Eu trarei agora mesmo!” e levantou-se de um salto. Sementes de mostarda eram o tempero mais barato; certamente todas as casas tinham.
Mas o Buda ainda não havia terminado. “Há uma condição, filha. As sementes devem vir de uma casa na qual ninguém jamais tenha morrido.”
Kisa Gotami ainda não compreendeu o significado. Aceitando a ordem, saiu abraçando o cadáver do filho morto!
Na primeira casa bateu confiante, explicou que com aquelas sementes o Senhor Buda ressuscitaria seu filho. Os moradores, comovidos com sua situação, disseram generosamente: “Se sementes de mostarda podem trazê-lo de volta, leve não um punhado, mas um saco inteiro!” e encheram um saco para ela. Quando se virou para ir embora, lembrou-se da segunda condição do Buda. Perguntou: “Esqueci uma coisa – alguém já morreu nesta casa?”
“Sim, querida”, veio a resposta. “Há poucos meses meu pai faleceu; seus últimos ritos mal foram concluídos.” Seu rosto desabou. Devolveu as sementes: “Então seu presente não pode me ajudar. Preciso de sementes de uma casa que a morte nunca tenha tocado.”
Pensou: “Azar na primeira casa. A próxima certamente terá.”
A mesma cena se repetiu. Casa após casa tinha sementes em abundância, mas em todas as famílias alguém havia morrido – pai, mãe, filho, filha, avô, avó, tio, tia, irmão, irmã, servo, patroa. Depois de um tempo ela nem pedia mais as sementes; simplesmente batia e perguntava: “A morte já visitou esta casa?” Os moradores, assustados ao verem seu estado de loucura, respondiam rápido por piedade. Gotami seguia adiante.
A noite caiu. Ela havia batido em centenas de portas. Finalmente a compreensão atravessou sua mente: não existe no mundo uma casa que a morte não tenha tocado. Começou a aceitar que não era a única a perder um filho, que essa dor não era única nem injusta. O destino não a havia amaldiçoado só a ela. A morte do filho não significava que o universo tivesse se tornado cruel. Era simplesmente o curso natural das coisas – como uma lamparina a óleo que se apaga silenciosamente quando o óleo acaba, a morte vem sem ser chamada e leva o que é seu. Depois de percorrer a cidade e ouvir a dor de centenas de famílias, viu claramente: a morte prematura é comum. Ela era apenas uma entre incontáveis pais que perderam um filho cedo demais. Agora também ela precisava fazer o que os pais fazem – levar o corpo ao local de cremação e realizar os últimos ritos com amor.
Ainda dilacerada pela dor de mãe, mas liberta do peso da ignorância e do apego, Kisa Gotami aceitou a verdade no fundo do coração. Com amor terno levou o filho em sua última jornada e o cremou.
Então, com a mente angustiada acalmada, voltou ao Mūlagandhakuti Vihāra. Ao chegar diante do Abençoado, prostrou-se com plena reverência, recompôs-se e sentou-se em atenção plena. Pela postura dela o Buda soube que uma transformação profunda havia ocorrido, mas com um sorriso afetuoso perguntou: “Filha, você trouxe as sementes de mostarda?”
“Não, Senhor”, respondeu ela. “Sementes de mostarda havia em toda parte, e todos estavam prontos a dar, mas não encontrei uma única casa onde a morte nunca tivesse entrado.”
O Tathāgata sorriu suavemente. “Quando eu disse que tinha remédio para você, talvez tenha pensado que eu ressuscitaria seu filho. Mas a verdade é que o remédio nunca foi para ele – foi para você. Vejo que já começou a fazer efeito.”
Gotami curvou a cabeça em gratidão. “Sim, Senhor. Agora estou livre do apego e do desejo. Agora vejo claramente: ninguém escapa da velhice, da doença e da morte. Esta é a verdade inescapável para todo ser vivo.”
O Senhor Buda disse: “Muito bem, filha. Você realizou diretamente a Primeira Nobre Verdade: o nascimento é sofrimento, a velhice é sofrimento, a doença é sofrimento, a morte é sofrimento; a união com o desagradável é sofrimento, a separação do amado é sofrimento, não conseguir o que se deseja é sofrimento; em resumo, os cinco agregados sujeitos ao apego são sofrimento.”
Então Gotami disse: “Venerável Senhor, nasci numa família pobre e nada tive. Fui doente por desnutrição. Casei-me numa família egoísta e sem amor, e naquele ambiente tóxico tive que viver uma vida cheia de miséria e frustração. Quando nasceu meu filho amado, pensei que finalmente havia encontrado apoio para minha vida. Mas quando ele morreu, enlouqueci com a dor insuportável da perda. Porém, pela compaixão do Senhor, agora ganhei o olho da sabedoria. Já não sofro mais no delírio da dor; ao contrário, reflito e analiso com clareza.”
O Abençoado elogiou-a: “Excelente, filha. Agora aprenda as três Nobres Verdades restantes.”
Ao ouvir isso, Gotami pediu a ordenação e tornou-se bhikkhuni (uma freira). Anos depois, numa noite em sua cabana, contemplou a chama de uma pequena lamparina – tão frágil que a menor brisa poderia apagá-la. Naquele instante realizou profundamente a natureza fugaz da vida e atingiu o estado de arahant. Sua mente fundiu-se à mente do Senhor. O Buda soube que Kisa Gotami havia alcançado o Imortal. No salão da assembleia, para acender a diligência na Sangha meditante, anunciou a notícia alegre e recitou este verso:
Ainda que alguém vivesse cem anos
sem ver o estado Imortal,
melhor é um único dia de vida
para quem vê o Imortal.
Ainda hoje Kisa Gotami é honrada como uma das principais entre as grandes discípulas mulheres do Buda. Ela não apenas continuou a linhagem das bhikkhunis, mas, ao alcançar o fruto supremo do ensinamento, tornou-se uma fonte inesgotável de inspiração.
Após toda noite escura, o amanhecer chega mesmo.
Fim
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