Considerações

Talvez tenha enfiado a vergonha num bolso roto
A humildade no bolso da camisa, talvez esteja morto
Esse abjecto desejo da beleza consensual os olhos do mundo
Numa circunferência perfeita em volta do meu egoísmo
Essa ignóbil inspiração em mim mar fecundo, profundo
Os amores, as flores, as paixões, tudo apenas sonho, lirismo!

Procuro na essência o divino, longe fora de mim
Em mim diabolicamente anuncio, apenas e só o fim
Não corro em casulo fechado na estepe
Olho e absorvo quem passa, e os que procuro
Nas cores da vida, nada cinzento ou crepe
Um quadro incompleto, sem moldura, imaturo!

Indago de mim se eu próprio tenho paixão
Se não fechei o olhar sem qualquer consideração
Grandes poemas desaparecem também nas letras
Essas que se tornaram consumíveis e pequenas
Que balbuciam amores, e outras tristes tretas
E longas tragédias e sofrimentos de uma morta Atenas!

Há objectos que me inspiram os dedos
A caneta não tem vida, eu conduzo-a
Considero que a palavra soprada ao papel
Não morre, nunca morre, apenas vive noutro olhar!

...

Não do que sinto ou pressinto em mim

Mas do que paira acima das nuvens

Esse amor utópico que quero por fim!

Que sejam saudades de um hoje, de um já

Reencontro permanente a cada momento

Seja sonho, lido verdes nas folhas de chá

Que seja terra, água, fogo, firmamento!

Que seja consciente, verdadeiro e partilhado

Que seja voz, dicionário, fácil ou complicado

Que seja nosso, meu, teu, forma, vida

Que seja em nós chegada e ponto de partida!

O amor de um amanhã

Que seja tecido com fios de vento

Águas correntes, e braços abertos

Que seja edificado nas mãos, nas pedras

Nas vontades e verdades, que seja centro!

O amor de um amanhã

Que seja hoje, que seja já!

Alberto Cuddel

18/06/2017

1:45

In: Poesia despida

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