Joaquim Manuel de Macedo

Joaquim Manuel de Macedo

Joaquim Manuel de Macedo foi um médico e escritor brasileiro.

1820-06-24 São João de Itaboraí, Rio de Janeiro, Brasil
1882-05-11 Rio de Janeiro, Brasil
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Prémios e Movimentos

Romantismo

Alguns Poemas

A Sé do Rio de Janeiro

Positivamente não contáveis com um passeio à Sé do Rio de Janeiro.

Quando nos ocupamos do Palácio Imperial, visitastes e estudastes comigo a igreja do antigo Convento do Carmo, elevada a catedral desta cidade por alvará de 15 de junho de 1808, c, sem dúvida, vos supusestes por isso livres de um novo passeio exclusivamente destinado à Sé.

Acrescentai mais unia suave ilusão ao número das vossas ilusões perdidas. Armai-vos de paciência, porque eu resolvi dar na Sé com todos os meus companheiros de passeio, e temos muito que andar.

Aqui não há apelação nem agravo. Sou senhor absoluto nos meus passeios. Há tantos subdelegados que governam como reizinhos absolutos na sua terra, que não deve admirar que eu me faça ditador na minha obra. Aqueles bichos não são melhores do que eu.

Preparai-vos, já disse. Não julgueis que o passeio à Sé vai ser feito muito cômoda e agradavelmente, seguindo pela Rua do Ouvidor, parando diante da Notre Dame de Paris para admirar as sedas expostas, comprando coronéis no Desmarais, e ao chegar a Rua Direita, descansando um pouco nos banquinhos do boulevard Carceller, e entrando enfim na Capela Imperial para ouvir o cantochão dos cônegos, que realmente desafinam muito, porém, não tão desastradamente para o Tesouro Nacional como as companhias líricas italianas, que têm a sua Sé no Provisório, abismo permanente do dinheiro público.

Desenganem-se e aprontem-se. Temos que acompanhar a Sé e o competente cabido, que fizeram mais mudanças do que os franciscanos e os carmelitas, ou tantas como os inquilinos que deixam de pagar aos proprietários o aluguel das casas em que moram.

Comecemos.

A catedral do Rio de Janeiro e o corpo capitular estabeleceram-se apenas, se realizou a sua instituição na primeira matriz da cidade, tia igreja dedicada ao mártir S. Sebastião.

Mas onde era essa Igreja de S. Sebastião?

É impossível prosseguir no nosso passeio sem deixar esclarecido este ponto.

Cumpre contar em quatro palavras uma longa história.

Os franceses são tidos na conta de homens de tanto espírito como bom gosto, e eu creio que eles merecem, desde o meado do século décimo sexto, esta reputação, porque, enquanto os portugueses, descobridores do Brasil, depois de mais de vinte anos de empenhos de colonização dos seus domínios da América, deixavam deserta e desestimada a magnífica Niterói, namoraram-se da formosa cabocla tão perdidamente os franceses, que um belo dia ousaram com mão armada apoderar-se dela.

Os portugueses trocaram então, a indiferença por amor, e ciumentos daqueles intrusos apaixonados, vieram, no fim de cinco anos, em 1560, atacar o estrangeiro que dominava no Rio de Janeiro. Mem de Sá, o terceiro governador geral do Brasil, foi quem dirigiu a empresa e, ficou vencedor, mas chegou, viu, venceu, e... foi-se, e apenas foi-se, tornaram os franceses vencidos, porém não convencidos, a ocupar as suas posições.

Realmente fora um muito gastar de pólvora sem proveito algum. Mem de Sá regalou-se de dar pancada, e não colheu resultados reais. Deu pancada de cego. Pôs os intrusos fora de casa, mas logo retirou-se, deixando a casa sem moradores e com a porta aberta.

E que porta! – A barra do Rio de Janeiro.

Os franceses tornaram a entrar, e fizeram multo bem.

Portugal devia ter mandado um bom presente ao rei de França, que não soube ou não pôde acudir com reforços poderosos aos poucos vassalos seus que estavam sonhando com a França Antártica no Rio de Janeiro.

Mas, abandonados pelo seu governo, os franceses, no fim de outros cinco anos, viram chegar à formosa baía de Niterói Estácio de Sá, sobrinho do governador geral do Brasil, à frente de uma coluna de portugueses, para lançá-los fora das posições que ocupavam.

Os franceses eram poucos. Tinham, porém, a seu favor o concurso valioso dos tamoios, que os estimavam.

Estácio de Sá reconheceu que a expulsão dos franceses do Rio de Janeiro não era questão de pouco mais ou menos, e como trazia a incumbência gloriosa de fundar uma cidade que dominasse a majestosa baía, desembarcou junto do Pão de Açúcar, e na bela praia, que durante algum tempo se denominou de Martim Afonso e depois ficou sendo chamada Praia Vermelha, lançou, no ano de 1565, os fundamentos de uma cidade a que deu o nome de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Convém saber, pelo sim pelo não, que o nome da cidade foi mais aconselhado pela devoção a um grande senhor da terra do que pela que era devida àquele santo mártir do céu. Estácio de Sá, neste caso, fez de S. Sebastião um pau de cabeleira para render seus cultos ao rei de Portugal D. Sebastião. Foi um dom escondido atrás de um santo.

Não me chamem má língua. Brito Freire foi quem me revelou o segredo dessa mistificação de que foi vítima o santo, porque escreveu no livro 1, § 78 da sua Guerra Brasílica, que "chamaram (a cidade) de S. Sebastião, vinculando a lisonja de el-rei, que era do mesmo nome daquele tempo, à devoção do santo".

E o mais é que a lisonja sabe a açúcar mesmo ao paladar dos santos. S. Sebastião tanto gostou da lembrança de Estácio de Sá, que chegou a descer do céu, como em breve terei ocasião de dizer, e pôs em debandada os franceses e tamoios, que teimavam em resistir.

Continuemos, porém, a história. Lançados os fundamentos da cidade, isto é, resolvida a sua fundação na praia de Martim Afonso, levantou-se uma igreja a S. Sebastião. Foi um templo edificado em poucos dias, e não passou de uma casa de pau-a-pique com o seu teto coberto de palha.

Não tenhais pena de S. Sebastião pela rudeza e humildade da sua primeira igreja entre nós. Eu creio que nessa casa de palha ele foi mais sincera e piedosamente adorado do que o são atualmente todos os santos e santas em seus ricos templos e com as suas brilhantíssimas festas, anunciadas pelas gazetas a modo de espetáculos de teatros, com a declaração do mestre que vai reger a música, das moças bonitas que vão cantar os solos, e não sei mesmo se do fogueteiro que fabricou as girândolas.

Quase dois anos correram em que Estácio de Sá, com os portugueses na praia de Martim Afonso, e os franceses nos pontos que ocupavam, levaram a trocar balas e seus índios a trocar flechas com verdadeira inutilidade, até que a 19 de janeiro de 1567, chegou o governador geral Mem, de Sá em socorro do sobrinho, e como o dia seguinte, 20 de janeiro, fosse consagrado a S. Sebastião, aproveitou a coincidência para atacar os franceses, e o fez com tanto ardor, que completamente os derrotou, tomando-lhes todas as suas fortificações e destruindo todas as suas esperanças de França Antártica.

Renhida e terrível foi a peleja. A vitória, porém, não podia deixar de declarar-se pelos portugueses, porque do lado contrário batalhavam os sectários de Calvino e nas colunas de Mem de Sá verdadeiros católicos, entre os quais combatia, segundo a voz da tradição, o próprio santo mártir S. Sebastião.

Declaro que neste ponto não invento um romance de mau gosto, nem repito história que me fosse contada pelo meu amigo o padre velho. Apenas e simplesmente retiro uma tradição conservada por alguns autores.

Brito Freire diz relativamente a S. Sebastião as seguintes palavras: "a quem os portugueses aclamaram padroeiro em esta guerra, porque em algumas ocasiões mais apertadas (referem às relações manuscritas do venerável padre José de Anchieta) que a favor dos nossos se vira pelejar contra os inimigos".

Rocha Pita, ainda mais positivo, tratando da fundação da cidade do Rio de Janeiro, escreve o seguinte: "deu-se-lhe o nome de S. Sebastião, a cujo patrocínio atribuíram todos aquela vitória, em que houve indícios certos (como é tradição constante) que fora nela capitão, sendo por mu

Eu me curvo ao destino de meu sexo; (Ato II, Cena I)

(...)

Eu me curvo ao destino de meu sexo;
É preciso viver no nosso mundo;
Receber como leis suas cadeias;
Ter o riso no rosto, e o pranto n'alma,
E dizer — sou feliz!... — Que sorte iníqua!
É a mulher excepcional vivente,
Que tem alma, e não querem que ela sinta!
Tem coração, e ordenam que não ame!...
A mulher sempre é vítima no mundo.
Sujeita des que nasce até que morre,
De pai passa a tutor, irmão, marido...
Sempre um senhor... (O nome é que se muda);
Sempre a seu lado um homem se levanta
Para pensar e desejar por ela;
Criança, junto a quem sempre vigiam;
Cego, que sempre pela mão se leva;
Eis a mulher!... eis o que eu sou, e todas!...
E ao muito se consegue ser amada;
É escrava, que num altar se prende,
Divindade, que em ferros se conserva.
E a quem se chama (Oh! irrisão!!!) SENHORA!
E portanto, eu serei como mil outras
Mártires nobres. Ver-me-ão passando
(Como essas tantas) Silenciosa... pálida
Sorrindo com o sorrir que esconde as mágoas:
Talvez digam ao ver-me — ela é ditosa!
Sim, que eu hei de saber (como outras fazem)
Abafar meus suspiros e gemidos,
E esconder os tormentos de minh'alma
Desse mundo egoísta, e sem piedade,
Que faz do homem "senhor" da mulher "mártir"

(...)


Publicado no livro O cego: drama em cinco atos em verso (1851).

In: MACEDO, Joaquim Manuel de. Teatro completo. Apres. Orlando Miranda de Carvalho. Introd. Márcio Jabur Yunes. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro, 1979. v.1, p.253. (Clássicos do teatro brasileiro, 3

Canto III - A Peregrina

XVIII

Sua estatura é alta e majestosa,
Sem que lhe abafe a majestade a graça.
Quieta face de um lago manso e puro,
Sereno céu de bonançosa aurora,
Eis sua fronta sossegada e lisa.
Os seus cabelos longos e brilhantes.
Como da tempestade a nuvem negros,
Em bastos caracóis brincando soltos,
Quando assentada, o colo lhe anuviam:
Tão grande negridão, seio tão níveo,
Em desordem furtando a mil desejos,
É como um caos que um mistério esconde:
Olhos negros também, de amor são raios;
Tem uma luz que aos corações é dia,
Tem um fitar que à indiferença é morte.
Ao ver-lhe a breve e graciosa boca,
Suas madonas retocara Urbino;
O bico da trocaz rubor mais puro
Não tem, que os lábios seus, nem mais alvura
Que os finos dentes neve cristalina.
Ao cisne do Uruguai não cede em graça
Seu colo altivo e belo, e nem as fadas
A cintura no mimo e delgadeza,
Torneara-lhe os braços gênio amigo,
Tão formosos se mostram! mão de um anjo,
Branca e leve qual pena de uma garça,
Jasmins colhendo por jasmim se houvera;
Níveos dedos coroam rubras unhas,
Quais hastes de cristal pétalas de rosas;
E o lindo pé, que às vezes se adivinha,
Quando mergulha na rasteira grama,
Invejariam silfos, que só voam.
Oh! tão formosa, custa a crê-la humana!
Parece um anjo que baixara à terra,
Anjo exilado da mansão dos justos,
Peregrinando na mansão dos erros.


In: MACEDO, Joaquim Manuel de. A nebulosa: poema. Rio de Janeiro: Garnier, s.d. p.93-95

NOTA: O "Canto III - A Peregrina" é composto de 41 parte

Canto I - A Rocha Negra

VI
(...)
Dizem que ali na turva penha imensa
Em velhas eras se acoutava insana
Mulher sabida em mágicas tremendas,
Que ensinam maus espíritos; formosa,
Inda aos cem anos moça como aos vinte,
Vê-la um momento era adorá-la sempre;
E amá-la eterno perdimento d'alma.
Gênio das trevas, só da lua amiga,
Fugia à luz do sol; mercê d'encantos,
Durante a noite mística pairava
No espaço em torno à rocha densa nuvem,
Em cujo seio toda se embebia,
Mal se abriam no céu rosas d'aurora;
Chamavam-a por isso a Nebulosa.
(...)
Tempo, que se não mede, assim vivera
Sempre moça e gentil, mau grado os anos;
Uma noite porém de tredo olvido
(Foi castigo de Deus) ao mar se atira,
Sem que antes repetisse as da cabala.
Satânicas palavras; tarde as lembra...
Mais tarde as balbucia... os pés se molham...
Vai sentindo afundar-se... em vão braceja...
Ruge a tormenta... súbito revolto
A juba monstruosa o mar encrespa,
E no abismo e no céu jogam madrias;
D'encontro à rocha-negra bravas ondas
O corpo arrojão da esquecida maga;
Debalde a miseranda estende os braços;
Se à pedra quer ligar-se, as mãos lhe faltam,
Pelo dorso escabroso escorregando,
As unhas lasca em vão e fere os dedos;
Uma, dez, vinte vezes... sempre o mesmo,
Dúbia esperança, e desengano certo!...
Volve os olhos ao céu... cintila aurora;
Quebra-se à luz do sol de todo o encanto;
Ai da fada gentil!... solta no espaço
A nuvem protetora, mago asilo,
Vai fugindo a embeber-se no horizonte,
Como no mar imenso abandonada
Erma barquinha que a corrente alonga!...
Não pode mais com a vida... perde as forças...
Um derradeiro arranco... inda é baldado...
Último foi: — abriu medonha boca
O pego vingador, e absorveu-a,
Dando-lhe cova aos pés da rocha-negra.

V

Ninguém da maga diz que o corpo exânime
Boiasse à flor das águas; um mistério
Foi sua vida, igual mistério a morte:
Contam muitos, porém, que nas desoras
Das noites em que a lua aclara a terra.
No turvo cimo da tremenda rocha
Vem sentar-se a cismar branco fantasma:
Que tão profundos ais longos desata,
Como nunca exalara humano seio;
Que há frio gelador da rocha em torno.
Esse fantasma... é ela; e canta e chora,
E com pérfido choro e tredos cantos,
Os incautos atrai, que ao mar se arrojam
De súbita loucura arrebatados,
Ou por negros contratos se escravizam
Ao império fatal da Nebulosa.

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In: MACEDO, Joaquim Manuel de. A nebulosa: poema. Rio de Janeiro: Garnier, s.d. p.3-6

NOTA: O "Canto I - A Rocha Negra" é composto de 36 parte

Mas Acontecem Coisas neste Mundo!

Mas acontecem coisas neste mundo!...

O Tenente João Moreira, o Amotinado, o companheiro ou caudatário do Marquês de Lavradio em seus passeios noturnos, era casado e tinha em sua companhia uma cunhada, Josefa, chamada em família Zezé, viúva há um ano.

A esposa do Amotinado era bonita e jovem; mas a Zezé, dois anos mais moça, mais bonita ainda.

O Tenente morava à Rua do Padre Homem da Costa, um pouco acima da dos Ouvires, e sua casa de um só pavimento tinha além da porta de entrada uma outra em curto muro contíguo, a qual só se abria para o serviço dos escravos.

Ora, no último ano do seu vice-reinado o Marquês, apanhado uma noite na Rua do Padre Homem da Costa por súbita e grossa chuva, aceitou o oferecimento do Tenente, recolheu-se à casa deste, e viu Leonor, ou Lolora, como o marido e parentes a chamavam, e a Zezé, sua irmã.

O Marquês ficou encantado, e creio que só em lembrança dos serviços que devia ao Amotinado não pensou em apaixonar-se por ambas.

Enamorado da Zezé, e castigando assim e sem idéia de castigo as vis cumplicidades do Tenente, fez chegar seus recados e proposições amorosas à linda viuvinha, conseguindo comove-la com a ternura prestigiosa e com a sua singular beleza de Vice-Rei.

Não sei como o Amotinado descobriu o namoro e os projetos do Marquês, e pôs-se alerta para impedir que o vice-real namorado penetrasse em sua casa.

O cem vezes baixo e aviltado cúmplice de entradas noturnas em casas alheias não queria graças pesadas na sua: com outro qualquer teria logo posto fim à história, rompendo em escandaloso conflito do seu costume; como o vice-rei, porém, o caso era outro, e o Tenente sabia que a mais pequena cabeçada levá-lo-ia à forca ou pelo menos ao desterro, ficando não só Zezé mas também Lolora indefesas e à mercê do Marquês, e de outros depois dele.

O Amotinado não fez bulha na família, guardou o seu segredo; e esperou, zelando vigilante e desconfiado a casa.

O Marquês tinha, no entanto, chegado a sorrir a mais terna esperança:

Uma noite o Tenente achou o Vice-Rei de cama em conseqüência de um resfriamento e em uso de sudoríficos.

– Tenente, disse o Vice-Rei com voz trêmula, eu hoje não posso sair; vão rodar até à meia-noite, e vigia bem o Jogo da Bola e a cadeia. Amanhã às oito horas vem dar-me parte do que houver

O Amotinado saiu.

Às onze horas da noite em ponto, o Marqu6es, disfarçado em oficial de marinha, parou na Rua do Padre Homem da Costa junto à porta do muro contíguo à casa do Tenente e bateu de leve cinco vezes.

Uma voz comprimida e como ansiosa perguntou de dentro.

– Quem é?...

O Marquês respondeu sorrindo:

– Sou o Tenente Amotinado.

O portão abriu-se, e o Marquês recuou um passo, vendo o Tenente que trazia na mão uma lanterna, e disse logo:

– Perdão, Sr. Vice-Rei! Eu sei que há dois Amotinados na cidade, mas nessa casa só entra sem pedir licença o Amotinado verdadeiro.

E trancou a porta.

O Marquês quase que se encolerizou, mas faltou-lhe, o quase, porque imediatamente desatando a rir voltou sobre seus passos e foi dormir e sonhar com a linda viuvinha Zezé.

No outro dia recebeu às oito horas da manhã o Tenente, tratou-o com a maior bondade, riu-se, lembrando-lhe o desapontamento por que passara no portão, louvou-lhe o zelo pela honra da Zezé, e, a rir ainda mais, recomendou-lhe que tivesse cuidado com o falso Amotinado.

Continuaram como dantes em noites determinadas os passeios noturnos do Marquês e do Tenente, este, porém, velava sempre em desconfiança daquele.

Algumas semanas depois, em noite de falha de ronda, o Amotinado, ouvindo o toque das dez horas no sino de S. Bento, correu para casa, porque era a essa hora que o Marquês costumava sair. Chegou, bateu à porta que Lolora veio abrir-lhe um pouco morosa; quando, porém, ia entrando, o Tenente sentiu leve ruído... voltou a chave, fingindo ter trancado a porta e esperou...

Quase logo a porta do muro abriu-se, e por ela saiu um embuçado.

O Tenente deu um salto em fúria de tigre, mas estacou, murmurando com os dentes cerrados:

– Sr. Vice-Rei! ...

– Aqui não há Vice-Rei, disse-lhe em voz baixa o Marquês; há dois homens; mas, se o achas melhor, há o falso Amotinado a sair pela porta do muro, quando o verdadeiro entra pela porta da casa. E vê lá! não ofendas aquela que protejo!...

O embuçado afastou-se, deixando o Tenente em convulsão de raiva estéril.

Um vice-rei deveras fazia medo.

Mas às dez horas da noite ainda havia gente acordada na Rua do Padre Homem da Costa, e no dia seguinte toda a cidade sabia do caso das duas portas e dos dois Amotinados. Apareceram pasquins, compuseram-se cantigas e lundus, que eram as armas da censura popular do tempo, e alguns malévolos propuseram que a rua deixasse o antigo nome pelo do Amotinado.

O tenente celebrizou-se por brigas, em que ele só espalhou e espancou grupo de dez ou doze maldizentes.

E chegou então o novo Vice-Rei Luís de Vasconcelos.

O Marquês, despedindo-se do Amotinado a quem pagara sempre liberalmente a exagerada e servil dedicação, deu-lhe larga bolsa cheia de ouro; este, porém, pediu-lhe com a[dor a patente de capitão.

O Marquês respondeu-lhe:

– Pobre Amotinado!... os postos do exército são do rei, que os confere a quem presta serviços a seu governo; os teus serviços foram prestados só à minha pessoa, e eu não posso pagá-lo senão com o meu dinheiro. Veio que uma bolsa foi pouco, e dou-te outra.

E foi buscá-la, e deu-lhe, e o miserável aceitou-o.

O povo chorou, vendo partir para Lisboa o Maquês de Lavradio, a quem todos perdoavam as travessuras amorosas pelo bom, sábio, justo e benemérito governo.

A linda viuvinha Zezé ficou com seu dote que lhe aumentou bastante a boniteza para achar, como achou, marido de seu gosto e escolha.

Mas a Rua do Padre Homem da Costa não podia mais conservar a denominação envelhecida.

Continuava a teima dos zombeteiros e dos inimigos do tenente valentão e espalha brasas em querer chamá-la Rua do Amotinado.


MACEDO, Joaquim Manuel de. Memórias da rua do Ouvidor. Rio de Janeiro: Tip. Perseverança, 1878. p. 99-101.
Joaquim Manuel de Macedo (São João de Itaboraí RJ 1820 - Rio de Janeiro RJ 1882) concluiu o Curso de Medicina na Escola Médica do Rio de Janeiro em 1844. No mesmo ano, publicou seu primeiro romance, A Moreninha, que alcançou grande êxito; nas décadas seguintes escreveria mais 16 romances. Em 1949, tornou-se Professor de História e Geografia do Brasil do Colégio Pedro II, cargo em que permaneceria até 1870. Foi sócio-correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e fundou, com Gonçalves Dias e Araújo Porto-Alegre, a revista cultural Guanabara. Elegeu-se várias vezes Deputado pelo Partido Liberal (ala conservadora). Em 1857 publicou A Nebulosa, considerado pelo crítico Antonio Candido “o melhor poema-romance do Romantismo”. Macedo publicou 12 peças de teatro e é considerado um dos maiores prosadores do Romantismo brasileiro. Em sua poesia encontram-se traços românticos bastante característicos, como amores fatais, cenários de tempestade, imagens de donzelas angelicais e sonhadoras.
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