Bioque Mesito

Bioque Mesito

Bioque Mesito é poeta, nascido sob o sol de aquário em 3 de fevereiro de 1972. Possui vários prêmios em concursos de poesia em âmbito local, regional e nacional.

1972-02-03 São Luís
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Poemas de Bioque Mesito

AUTOBIBLIOGRAFIA

 

quando você quiser me dar um beijo na boca

por favor não me diga nada

sou um astronauta das madrugadas

sob a influência de aquário eu nasci

 

tenho os mais diferentes conceitos

sei que a terra gira que o vento faz curva

e que as estrelas são psicólogas

dos bêbados e das galinhas

 

por isso quando você quiser me procurar

me achará dentro de um livro

de rimbaud ou de artes plásticas

ou ainda ouvindo schummann

 

os meus conceitos as minhas poesias

os meus retratos são fúnebres concertos

de vanguarda e de guarda-chuvas

aliás eu adoro a metafísica de um pé de mamão

 

sonhos tenho aos milhares de milhões

nas esquinas os meus passos têm o esboço

da via-láctea e a minha poesia dorme de costas

tentando conversar com o futuro


 

RECÉM-FORMADO EM BOTÂNICA

 
 

arrumei cinco folhas era madrugada

na mesa um macarrão fora de moda

agora não posso desistir

os meus óculos passeiam pelo chão

o dia inteiro não foi como uma sinfonia

por ironia não foi como uma de mahler

 

rasguei a primeira e joguei ao destino

as minhas pupilas declamavam rilke

estava ensaiada toda a obra da minha vida

tudo fantasia do meu retrato que sorria

sem parar gáudios de safo

o pensamento platônico me fazia brincar

com uma borboleta

o tempo não depende das asas de uma borboleta

 

a segunda tinha um tom meio balzaquiano

rimei em versos dodecassílabos

antes de opugná-la ao lixo

a noite navega como um argonauta apaixonado

o sono toca sua harpa indolentemente

o tempo aterrissa para confidenciar ao crepúsculo

 

a terceira veio impulsionada pelo concerto de brahms

desta vez o inverno não chegou aos meus ombros

com ela o sincretismo de descartes

sófocles ao piano passa pelo meu subconsciente

estava eu em delírios gregos

 
a lua começa a bocejar

tudo é sombra e abandono

no meu quarto a vida é insatisfação

de quem nunca viajou por si mesmo

 

a quarta completa os estágios de mallarmé

não consigo esquecer os versos do sobrinho

neste momento tudo é pausa

o universo é monótono átomos em prosa

o poema flui como galáxias

a madrugada brilha uma vez mais

 

a quinta está completa

pelos passos prostituídos das outras

o tempo não depende das asas de uma borboleta


 

COTIDIANO DE UM POETA

 

acordo às nove e meia da manhã

com os olhos no sol que dormiu

comigo pego um copo com água

olho-me no espelho escovo os dentes

 

sento-me em uma mesa

como um pão com chocolate frio

aos poucos vou me sentindo no mundo

 

minuciosamente vou em direção ao quarto

observo a velha máquina de escrever

arrumo algumas folhas e começo a trabalhar

a mesma cor metafísica de sempre

 

a névoa começa a dançar em meus neurônios

sinto-me como se estivesse com ressaca

tento estralar os dedos como forma de abstração

 

uma pessoa me telefona está tudo bem

volto para o vazio não sei me convencer

estou perdido nem o noticiário é interessante

a tarde namora meu telhado

 

estou confuso sai a primeira linha

muito inocente desenho a chuva no campo

a lua para atrás da minha janela

 

é tão estranho que a noite não me sorria

ouço prelúdios de brisas


aprendo a conviver com a verdade já é tarde

minha cama é o caminho da eternidade

amanhã quem sabe

eu me ouça menos

e a poesia fale




VIOLETAS DANÇAM NO PLAYGROUND

 

sete e meia da manhã

um menino busca o pão

a família o espera

 

oito e vinte e cinco

um carro o atropela

 

doze e quinze

a família fica sabendo

 

dezesseis e trinta e sete

o seu corpo é sepultado

 

sete e meia da manhã

do dia seguinte

o pão aumenta

uma família diminui



A PENÚLTIMA CASA

 


1. eu não lerei o último

poema meu

talvez seja anacrônico

ou até mesmo contrabandista

 

2. terá por certo a perfeita alusão

de mim

sem me desvendar

 

3. cicatrizes no peito

olhos bem espantados

2,20 m de curiosidade

 

4. suave como borboletas

no cio

metade eterno por todo tempo

metade orgasmo por insatisfeito


 

ETERNIDADE MÍNIMA

 

 

estou cego

e a coleção completa dos filmes

de lars von trier ainda não assisti

o gato que antes passeava pela minha

imaginação agora só dorme no tapete

 

entre todos estes combalidos anos

não encontrei o lado b da vida

que consiga me causar espantos

ou a mulher de beijos estonteantes

que me faça negar meus pedros

 

estou cego

e a felicidade é só mais um lúdico cartaz

os fantasmas que nunca ousei encarar

riem das minhas fotos de casamento

amigos me culpam pelo crasso silêncio

 

mesmo a guerra não declarada

do meu comportamento antissocial

é capaz de compreender

os carinhos extremos dos amantes

da ponte neuf

 
estou cego

e cada vez mais os sorrisos recuam

os amores não mais se reconhecem

o absurdo sepulta em mim seu engano

na incerteza cambaleante de continuar


 

A DOMÉSTICA CASA DAS INVENÇÕES PARTICULARES

 

o tempo elege sempre uma vida para levar

mas aprendi que não existe certeza

 
antes corria dos trilhos incendiados

para compreender a perda que imaginamos

nem todo dia é para comemorarmos

 
existe uma parada ela estava lá silenciosa

 
há uma música que sempre ouço pela manhã

faça chuva ou quando lembro de meu pai


estão disfarçados os amantes que mandam flores

sem meus valores não julgo ninguém

meu filho acha engraçado eu dormir de pijama


a vida é uma série de confusos movimentos

 
escolhi o vazio dos lugares sem nomes

para mutilar lembranças que nunca existiram



RODOPIO

 

não esperarei mais

que teus beijos encontrem

meus sapatos trocados

 

nunca ninguém me disse

que eu deveria correr tanto

 

amar foi para mim

uma estranha maneira

de se comparar amanhãs

 

sempre segui na contramão

do que eu sentia sem saber

 

não sei te amar mais

do que uma imagem

desfocada no espelho


 

OS PÁSSAROS

 

a cada dia extinto uma dívida

                             imagens que rangem no espelho

              ouso sentir mais que quase tudo

talvez bispo do rosário tivesse olhos

                         para os infalíveis caos que me perseguem

                                                                    às vezes desamarro

                                                                                              meus girassóis

 

cada foda que dermos uma serpente

                        tigres famintos rodeiam minha solidão

                                                                enquanto escuto o sussurrar das coxas

                        teus olhos parecem se perder em mim

                                                         nem mesmo os poemas de hilda hilst possuem

                                                                                       a báquica carne

                                                                                                      de tuas ancas

                                                                                                                    possuídas


 

MÃOS

 

as mãos sobre o papel

como se fora um barco

o papel

mas na verdade um branco

que dói

 

as mãos sobre o papel

como se esperassem um sonho

nascer

mas na verdade é um sino

que nasce

 

as mãos sobre o papel

como que derrotadas

por hoje

 

mas na verdade a derrota

não houve

 

as mãos sobre o papel

como se não tivessem nada

a fazer a vida inteira

mas na verdade o tempo

não importa


 

ESTUÁRIO

 

 
poesia

uma insatisfação

 

pausa que pulsa por detrás

do mundo lâmina de alta precisão

 

contraventora de palavras

fuga da minha imaginação

 

destino que me alucina

rupestre inscrição

 

incêndio controlado

em minhas mãos


 

HABITAÇÕES

 

 

I)

vague entre estrelas e sóis imaturos pregue a doutrina do beijo

compreenda a dor enamorando-se beba o belo e o feio que são

eternos vista o sonho de realidade ressuscite retratos amarelecidos

com o mesmo ontem solitário experimente novidades sem naufragar

em mares de nunca cruze a saudade velejada nos ombros

 

II)

fale de ventos e tempestades íntimas dance com ternura a valsa dos

peixes deposite o azul dos céus nos olhos mudos toque em notas nuas

as pausas da solidão cicatrize feridas com um leve silêncio de luas

faça versos em sereno utópico à procura do momento exato anuncie

em prosa amiga a grandeza das trevas brancas

 

III)

cante para as noites as suítes úmidas do vento busque no horizonte

um sonho de mãos descalças trace o ridículo em carinhos incomuns

acene em gestos simples sem reduzir rostos de papel ultrapasse

mundos vazios sem flagelos de um soprar castanho escute histórias

de atalhos com urgência de nuvens

 

IV)

suavize as madrugadas num deleite de estrelas trilhe pelos muros do

tempo sem um único sinal de beijo póstumo envolva dores de mães

em dédalos de linho olhe para os homens como palavras rudes resista

calado às dores das cicatrizes amanheça em brumas com sonhos de

distâncias viva à sombra da foice sem massa de cadáveres

 

V)

pinte de aurora a tela do infinito pacifique cóleras com doações

de simplicidade respire corpos perfeitos sem cansaço de bandeiras

tenha mãos pacíficas e seja poeta até no desalento sorria sem perder

a identidade sonhe transparências sem nitidez de suspiros lute contra

os medos são apenas pensamentos

 

VI)

reviva a rosa noturna sem cotidianos de sangue dispa destinos

incertos na nua profundeza dos sonhos decifre províncias sem reter

liberdades pese pecados enrolando confissões sopre o perfume

das fêmeas acariciando orgasmos tenha segredos sem se tornar

prisioneiro conforme o pranto com travesseiros de nunca

 

VII)

abrace o covarde para que ele saiba o que é amar beije a face de

modo elétrico saúde cada momento com exatidão beltrana ore com

olhos sinceros para os de pés cansados procure na dúvida o futuro

embaçado absorva fábulas sem desperdiçar uma borboleta sequer

reduza incertezas em cemitério de comas

 

VIII)

garanta aos humildes um necessário lugar alegre a mesmice em

infernos de flores roucas dissolva o hálito da ruína percebendo o

silêncio mármore dos girassóis retire do lodo as pessoas puras

procurando a essência dos beijos conviva lúcido em um mundo de

hashtags whatsapps & selfies torne público o que de público não há

 


IX)

pregue um mundo de perdões de franciscos protestando contra as

mazelas seculares fuja dos intolerantes dos preconceituosos dos

moderadores e se arrependa das amantes que nunca amou acorde

e olhe para o céu para o sol e o mar para as estrelas como símbolos

contínuos do nosso existir sede vós a essência dos mundos


 

SERENDIPIDADE

 

 

quase observo

uma velhinha passear pela rua

do sol com os calcanhares duros

 

pelas tantas do meio-dia

quase cai e o vento passa

 

de longe apreensivo

pergunto se não quer ajuda

 

abre a sombrinha e me dá a mão

 

lembro do meu avô que morreu

em uma queda de um muro

ou melhor meses depois

de banhar por horas na chuva

 

abruptamente ela para me olha

até aqui está bom vá com deus

 

o caminhar impreciso e frágil

flutuava pelos paralelepípedos

 

como guiados por uma razão maior


 

LEITO QUATRO

 

 

se vai mais um dia entre muitos que pensei viver melhor olhares como

se esperança fosse um entulho de lamentações acelera meus pulmões

ginsberg tece comentários entre a luva indesejada e o prato de comida

que chega como hospitalidade aquele antro de desespero e chagas

destila em meu caos inconformidades com o divino que insiste em me

reter sem qualquer motivo na verdade queria estar em um aeroplano

sobrevoando as praias de humberto de campos ou conversando com

uns amigos na porta do bar do Adalberto

 

às vezes yeats faz me lembrar da samsara que é um copo de leite gelado

após a bebedeira flanando pela avenida melo e povoas agarrado nas

arrepiadas ancas de uma morena observo o marasmo da calcinha

da mulher que ri ao lado naquele bar entre estrelas descontinuadas

todos os meus provérbios de existir me negam tropeço mais uma vez

na mesmice de acreditar em corações complacentes hainoã quando

me chama de pai caem meus hemisférios sobre a baía de são marcos

há felicidade entre o roer de unhas e a dor da cutícula

 

na rua do giz minha vertebral luz minha jerusalém estoica meu

gozo sobre o colo de prostitutas noites que como beatnik caminhava

desolado em busca de algo mais que pudesse estancar as interferências

prejudiciais dos versos inacessíveis anti-herói soprava a dualidade

dos anos oitenta/noventa com barba rala & jaqueta desbotada

transpirando revoluta paixão um ser barroco à procura dos

espelhos perdidos com a obscura missão de continuar em precipícios

acreditando que há um verão orgástico no caminho do poeta

 

a verdade da vida era para ser escrita em forma de poesia pouparia

do desgaste secular de acreditar em são tomás de aquino o amor

só vale a pena se não exigir tíquetes de estacionamento bandeira

da mastercard crediário nas lojas de departamento da magalhães

de almeida agora recluso entre gotas interestelares seringas peidos

fortuitos e azedos o deserto de barreirinhas é o arpoador das minhas

abstrações bundinhas tesas adornadas de branco tangenciam minha

libido meu cacete endurece entre uma e outra troca de antibióticos

 

o céu mais azul que já havia visto se instala em meu coração do olho

d’água à ponta do farol iemanjá me guia com suas ondas caudalosas

o espírito de meu avô parece dançar entre as pedras de arrebentação

da ponta da areia batuques inebriantes cadenciam aquela noite

enquanto os trinta e nove e meio graus me jogam de um lado para

outro iniciado em rotinas e fast-foods inconformismos parecem me

tragar para o boqueirão se pudesse acenderia velas para os ancestrais

bashô está comigo é o que me deixa calmo pelo menos dessa vez

 

reviro-me para tentar apaziguar o cansaço do trópico de capricórnio

que há em minhas costas as mulheres da antiga sunset rasgam meus

olhos pela madrugada naquele equinócio de desesperança onde líamos

camus pessoa gullar chopes ecoavam no saloon pronto a explodir a

nudez de uma amistosa moça nem todos se sentiam na primeira fila

do carnegie hall o cobertor florido aquece meus ossos embargados

por um dia quase todo de febre e delírios ao lado da cama minha

mulher ronca baixinho como um poema arisco de alice ruiz

 

rabolú encontrou as engrenagens simbióticas de jesus maomé

quetzacoaltl pelas ruas desfilou em seu fleetmaster conversível muito

embora a discoteca fosse o religare preterido chove sobre os telhados

do turu e não sinto nada estou vazio como um biscoito ensopado

de café frio aproveito para conferir intempéries não aguento mais

ficar imóvel sobre a esquálida cama apesar de muitos livros ao meu

redor nenhum tem a atmosfera lúdica de peshkov se eu fosse líquido

precipitaria sobre os túmulos carcomidos do cemitério do gavião

 


queria caminhar pela rua portugal destilar imoralidades com sotero

vital ou ouvir o guriatã cantar que a coroa está no maracanã meu

alento são alguns metros quadrados e a memória profícua e desolada

a contemplar a kalevala entre uvas tangerinas e sorrisos de minha

mãe a conversar há uma catarse de choros e ainda não é sexta-feira

nos corações das pessoas nem mesmo o extremismo fático dos grupos

muçulmanos a cortar gargantas pelo iêmen calará os preciosos traços

dos redatores da charlie hebdo

 

meus cabelos parecem a décima quinta de shostakovich a antissepsia é

tão complexa quanto as linhas de nazca mamãe me dá uma ajudazinha

e me enche de sândalo barato ouço no rádio que o país não é mais o

mesmo crise à vista salários minguados violência se instalando dentro

das casas a oligarquia baixando a guarda no maranhão o mundo é

uma sobra de falências múltiplas enquanto uma criança vietnamita

chora a perda de seu cão assado em um mercado público a standard

& poor’s rebaixa a nota de investimentos no brasil


 

RELIGARE

 

 
o tempo todo guardou segredo

na noite de núpcias baixou a luz

pediu que eu viesse com calma

 

abriu o zíper virou-se de costas

beijei-lhe o pescoço as nádegas

 

a virei de frente desci a calcinha

suguei os seios a batata da perna

 

quando estava lá pediu que eu

parasse que seguiria ao closet

 

fechou a porta apagou as luzes

de repente surgiu todinha nua

 

maluquice da minha mulher

tatuar um buda em sua xoxota


 

MÍNIMO MÁQUINA

 

                                                          

uma pessoa que escreve poesia

não é nenhum pouco diferente

de uma costureira de franzidos

de um instalador de antenas

 

não difere em nada

de um ostreiro de um pirata

que rouba barcos fundeados

na baía de são marcos

 

não é nada distante

de copeiros de fast-foods

de acionistas de fundos

de investimentos

 

pelo contrário

um sujeito como os outros

que desliza seus olhos

pelas cidades de si mesmo

 

uma pessoa que escreve poesia

de maneira alguma é diferente

a não ser por levar humanidades

dentro do seu hábito de caminhar



TERMOS E CONDIÇÕES

 

A velhice é a crítica da mocidade

                                José de Ribamar Brito



sempre quis o futuro todos querem o futuro

mesmo com suas ameaças seus mísseis e guerras

açoitado pela rotina não desnorteio o carinho

por quem um dia foi o meu amor

 

nunca seremos ideais ou seja lá o que for

nem admitiremos que a morte nos espreita

pelos corredores e filas ou no orgasmo

com sua manta pungente cheia de significados

 

vivo como se o respirar fosse sempre festa

não minto que já passei por momentos difíceis

me preservo ouço a chuva e preparo o espírito

 

ninguém nunca duvidará do futuro

nem as tais tecnologias serão capazes

de automatizar o que de humano já fomos

tudo se alinha com o que é certo

 

todos os contratempos são antíteses

ou então deus ainda insiste em estrelas

ninguém é muito diferente das ruas à noite

não existe futuro o que existe é agonia

lamentável que os sinais da existência

sejam reticentes ou maneiras de otimismo

já deixei você antes agora só quero voar

 

vou sair

procurar alguém para escolher minhas árvores

ouvir boa música ou mesmo sentar em uma pracinha

de um lugar sem ninguém por perto

 

pessoas passarão por mim

verão meu carimbado rosto

meu livro de cabeceira

 

a eternidade há muito deixou de estar

em meu cabide de roupas prediletas

sempre se constrói algo quando se tenta acreditar 

 

vivências me fazem lembrar que pouco mudei

não havia cordas pesadas em meu pescoço

 

beiramos a estupidez ao pensar em inovações

tudo é complexo para parecer que estamos bem

não ria de mim eu também já me apaixonei

 

talvez reescreva meu destino na tua porta

ou quem sabe me desespere em fugir de ti



PASTO

 

 

quando fernando pessoa

ensaiava o livro do desassossego

minha avó debulhava juçara

nos brejos do interior

 

quando manuel bandeira

modernizava as cinzas das horas

meu avô galopava cavalos

pelas manhãs infinitas

 

quando jorge luis borges

ilustrava a história universal da infâmia

meu pai ainda caminhava

dentro da voz do meu avô

 

quando carlos drummond de andrade

apresentava a rosa do povo

o mundo se diluía entre guerras

meu pai carregava água nos ombros

 

quando pablo neruda

apaixonava com cem sonetos de amor

minha mãe descascava coco babaçu

para ajudar a renda da família

 

quando bandeira tribuzi

se mostrava em pele e osso

meus pais se encontravam

nos clubes de dança de são luís

 

quando cecília meireles

despetalava flor de poemas

eu nascia na benedito leite

com muita gritaria

 

quando luís augusto cassas

concatenava rosebud

eu nos primeiros versos

tomava um espanto

 

quando hagamenon de jesus

emplacava the problem

minha poesia começava a trilhar

entre as transições do mundo

 

quando ricardo leão

palpitava em primeira lição de física

meu combustível se expandia

em anticópias de paixão

 

quando antonio aílton

fulgurava com cerzir

há tempos já acreditava

na desordem das coisas

 

poesia essa ponte de significados

que trisca os olhos necessários

como se o tempo fosse incrustado

no penso parâmetro do porvir  


 

A ESPOSA

 

 

i)

foi necessário perder a costela

para entender toda sua ontologia

 

mesmo no desfiladeiro não desisti

aprontei as malas retornei ao círculo

 

nesta turbulência pude entender

os romances de virginia woolf


 

 

 

ii)

apesar dos filhos da casa mobiliada

só restou o que não me desgastava

 

esqueci de tudo voltei para casa

abrigo de minha mãe um paraíso

 

não era para ser este destino

vivíamos em rota estrangeira

 

 

 

 
iii)

estranho ter que cruzar

com a alma em precipício

 

desconstruir incertezas

apostar o que não podia

 

desprender das perdas

estender cálidas feridas


 

 

 

iv)

apaguei os rastros

o caos se equilibrou

 

fui criando apego

pela paz interior

 

tudo se cadenciou

o amor revigorado


 

 

v)

a vida é o entrelaçar

de aparentes dúvidas

 

não crio mais expectativas

só com o que me satisfaz

 

meus olhos agora brincam

como sempre quis


 

INTERVALOS BURLESCOS

 

 

 

1

ele brinca atirando pedras no rio

enquanto o pai se distrai

 

com uma mossberg 500

caçando patos selvagens

 

 

2

a irmã sem o que fazer

ouve imagine dragons

 

entre gibis baratos

pede proteção a belzebu

 

 


 
3

a mãe com a boca

entupida de cannabis

 

descarta bitucas

no vaso sanitário

 


 

 

 

4

o namorado da irmã

bate na janela do quarto

 

entre uma transa e outra

faz boquetes inesquecíveis

 

 


 

5

o pai chega com o filho

coloca a arma sobre a mesa

 

bate na porta do quarto

da filha sem dizer nada

 


 
 

 

6

o namorado não espera

pula do terceiro andar

 

a mãe morre

de rir com a cena


 

CISÃO AMÉM!

 

                                                                  aos 50 anos de Antonio Aílton

 

 

1.

era uma época de beleza de ignorância lamber os seios de uma mulher um feito merecedor de uma chuva de meteoros quando tocava meu pênis detrás daquele jardim luzes inebriantes solapavam os olhos vermelhos dela que se dizia relâmpago entre meus colhões a verdade é que todo aquele tempo vivíamos uma sinfonia de medos não seguíamos mais os beatles e o que se queria ser era só vanguarda ou rebeldia para agradar um bando de gente com suas interrogações doenças bombardeios ônibus espaciais se desintegrando na hora da sessão da tarde mas sobrevivemos a todos os meandros circunscritos nas calças jeans de nossos pais


 
2.

há muito estive cansado meus cachorros se jogaram de dentro dos meus olhos e escaparam da comida ruim dos fast-foods baratos é certo e não existe coisa mais desagradável que um punhado de caos no final de uma sexta-feira naquela cidade naqueles degraus da matriz de são josé de ribamar vi os olhos de deus caminhando nos cabelos crespos de uma senhora que vendia potes de barro meus pecados talvez não durem mais que o olhar do bêbado dormindo na porta daquela casa em ruínas a fila é grande para os que desistem de amar durante muito tempo desisti de me contentar com um pouco de sexo vinho e discos de pink floyd

 


3.

às vezes necessito que teus olhos larguem meus destinos nunca disse que amanhãs estão escritos na parede do quarto na incerteza encontraremos nosso refúgio necessário há um calendário de perdas no desnorteado sentimento tudo conspira e sopra a nosso favor mesmo desiludido encontro suas pegadas na minha sala de estar é a hora que me inflamo e beijo tuas mãos como reverência aquela fogueira não alcança mais minhas dúvidas divide meus vazios as coisas mudaram não são mais como sempre imaginei quando menino sentando em um banco de praça na avenida jerônimo de albuquerque conferia carros e admirava estrelas

 

 

4.

hoje passam por um menino na calçada profissionais liberais advogados pessoas comuns casais de namorados desviam do inoperante destino mudam os olhares talvez só o apreciem o sol a chuva ou um amontoado de latinhas descartadas os sentidos de todos estão vidrados mesmo é com o aumento dos seios da filhinha do papai são silêncios que nos perseguem que quebram as asas dos anjos se eu permitir você com suas conchas estarei contribuindo para o eterno marasmo que nos persegue uma esquina é sempre um bom lugar para chorar calma que deus até hoje não desabrigou nenhum filho seu por isso esperemos

 


 
5.

em horizontal perspectiva se esconde entre a neblina sugando a metafísica sem estralos da porta que o conduz ao precipício o faro de satã faz habitat na planície da noite é mais belo que o compulsivo sexo da amante amo a noite não me ouve às vezes ninguém me espera há uma chance para abrir a porta me sinto no precipício dentro dos meus olhos a vida basta as pessoas nunca se escutam espio o exercício de cada dia na espiral das escolhas todas as manhãs não tomo café meu vizinho ouve baixinho as notícias dos jornais nem mesmo chuva é ritual nesta existência talvez felicidade seja mais que todas essas coisas juntas

 


 
6.

ela desce as escadas do corredor risca as paredes sem motivo inventa caos é estupidez o retrato do que poderia ser estepe diário filosofia esperança e minha debandada ela que retrai sorrisos é luta íntima o olhar nervoso as estrelas o piano e as cordas vocais as rinhas os reinados a bússola a poesia e tudo que inverna e supera a maresia a santidade e a descrença é iemanjá a pausa a alegria dos casais por ela que tudo se acalma tudo se destrói com um gesto põe tudo a ganhar ou a perder é o destino a que todos esperam é o amor é a que se adianta porque nenhum inverno a espera nem a jose cuervo ou o cabaço da mocinha tremendo

 


 

7.

naquele tempo tudo era muito impreciso nem imaginávamos como seria nossa atualidade quantos filhos só intentávamos em comer um monte de besteiras já passaram tantas tempestades meio século e ainda corremos para a felicidade a vida anda chata demais nem mesmo jogar futebol ou empinar papagaios nos distraem a vida é um acúmulo de cabelos brancos aos poucos vamos brilhando cada vez menos rugas até nas fotos de infância desesperança e angústia nossos companheiros do andar de cima e saber que um dia não mais estaremos por aqui o mal existe deuses e raparigas lindas sorrindo no sofá de um clube de adultos



                                                                                                                    bioquemesito@gmail.com

 

 

                                                                                              

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