🔵 Eu poderia estar roubando, matando...
Eu apenas preciso que o transporte me leve do ponto A para o ponto B. Mas não é isso o que acontece. Sobretudo nos trens, vendedores oferecem comidas — à base de corante, aromatizante, conservante, acidulante e gordura vegetal — vencidas em troca do meu sagrado dinheirinho.
Eles surgem por baixo das catracas dos Ă´nibus ou do fundo do vagĂŁo do MetrĂ´ ou trem ameaçando os passageiros com o seguinte discurso: “Eu poderia estar roubando, poderia estar matando, mas estou vendendo estas balas…”. Para despertar alguma empatia, a desgraça nĂŁo podia ser pouca, entĂŁo ele elencou um combo de mazelas para todos os seus familiares. Exemplos: unha encravada, câncer, desemprego e dĂvidas. De cara, sou levado a pensar: Que cara legal! Depois, penso: Que azar, mas ao menos ele tem alternativas, eu sou obrigado a cumprir meu horário na empresa. Finalmente, raciocino melhor e concluo: se ele poderia estar roubando ou matando, a vĂtima poderia ser eu. Isso foi uma ameaça.
Entretanto, enquanto eu fiquei filosofando, o vendedor — que tão generosamente optou por trabalhar em vez de roubar e matar —, ligeiramente, equilibrou um pacote de balas sobre minha coxa esquerda. Eu observei aquilo, confesso, ignorando a desastrosa estratégia de venda, esperando que o objeto fosse recolhido ou minha estação chegasse. Mas resolvi examinar a embalagem. Além de exibir um vencimento digno de interdição da Anvisa, o pacotinho denunciava que o doce viajou, em diversos colos, do Tucuruvi ao Jabaquara umas quatro vezes.
Dirigindo, tambĂ©m nĂŁo escapo dos ambulantes. Percebo que nĂŁo há nada por perto, quando sou retido pelo semáforo (sinaleira) vermelho. Durante algum tempo, foi uma coqueluche em SĂŁo Paulo os circos-escolas. A iniciativa foi boa, contudo o que se viu foi a proliferação de mendigos malabaristas nos semáforos. Começaram a aparecer mĂmicos. Bastava acender a luz vermelha para a faixa de pedestres virar um picadeiro. No inĂcio, atĂ© que era legal, os mĂmicos, com a cara cheia de pĂł-de-arroz e usando um chapĂ©u coco, coloriam o dia com ares de Cirque du Soleil; mas, pouco tempo depois, eu tinha vontade de, quando o farol verde abrisse, sair como um carro de FĂłrmula 1.
No trânsito, nas Marginais ou nas rodovias, por mais isolado que seja o local, sempre surge, do nada, um vendedor de videogame ou carregador de celular. Eu me pergunto: quem compra um videogame Polystation nessa situação (os em qualquer outra)? Nunca me passou pela cabeça, alguém resolvendo comprar um videogame no trânsito. Tem que ser muito desavisado e ter muita fé para crer que um aparelho da Polystation, adquirido nessas condições, vai funcionar.
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