Just_Karl

Just_Karl

Só deixando salvas as sessões de terapia comigo mesmo. Eu, um bloco de notas e um filtro de censura desligado.

1988-01-11
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Aos cuidados de quem ao menos se importou em abrir

Olá. 

Sim, eu ainda estou aqui. Lutando — ou apenas resistindo — contra tudo o que se passa nessa cabeça cansada, nessa mente que carrega o peso de muitas palavras engolidas e silêncios forçados.  Essa cabeça de amendoim que por fora carrega duas orelhas e cultiva, orgulhosamente, alguns fios brancos.

Desta vez, confesso que estou dividido entre agradecer e xingar — e, talvez, se fosse socialmente aceitável, esmurrar — algumas pessoas. Não posso dizer que sou obrigado a escutar certas coisas que não gostaria, mas, infelizmente, a vida em sociedade me obriga a vestir uma fina camada de educação para que tudo transcorra na mais falsa paz possível. 

Mas está difícil, viu?

Sim, eu fiz uma mudança radical na minha vida e no meu corpo.
Não, eu não consultei todo mundo.
Não, eu não sigo os protocolos médicos como deveria.
Não, eu não entendo tudo o que gostaria sobre mim mesmo.

Respondidas as três perguntas que mais ouço, permitam-me perguntar:

  • Onde estava essa súbita preocupação de vocês quando eu deixava bem claro, ainda que em silêncio, que eu estava quebrado, carente de qualquer gesto que fosse sincero?
  • Onde estavam quando eu implorava — mesmo que com o olhar — para compartilharem comigo momentos simples, em atividades que me faziam bem?
  • O que passava pela cabeça de vocês quando eu abria mão de mim para estar presente nos ambientes que interessava a vocês, mesmo sem nenhuma afinidade da minha parte?
  • O que esperavam que acontecesse comigo ao me tratarem como um depósito emocional, um cantinho da bagunça onde se joga tudo o que não se quer mais olhar?
  • O que vocês imaginaram que eu me tornaria depois de levar tanta pancada de todos os lados — algumas, inclusive, bem literais?

Sim, eu tentei.
Tentei ter uma vida normal.
Pedi companhia, pedi atenção, pedi ajuda.
Cheguei a implorar.

Depois eu só desisti.

Talvez, se eu tatuasse na testa “Desaparecer é melhor do que pedir ajuda”, e não discretamente no braço, traduzido e bem claro, esse grito teria sido compreendido. Mas fiquem tranquilos: é só uma música que eu gosto (inserir aqui minha melhor cara de sarcasmo ou, melhor ainda, aquela figurinha do Cebolinha sentado que eu adoro usar no WhatsApp). Se eu realmente tivesse gritado tudo isso esperando que alguém ligasse, eu teria chegado aqui sem voz.

Então, sim: eu vim até aqui sozinho. Porque vocês me ensinaram a ser assim. 

Sozinho. 

Fui moldado para ser a companhia ideal de todos, e quando não era necessário, eu aprendia a ser minha própria companhia. Me esforçava para ser o parceiro ideal. O filho ideal. O amigo ideal. O funcionário ideal. O ser humano ideal. Mas ideal pra quem?

Será que eu precisava me esforçar tanto por pessoas que me tratavam "como dava"?
Será que eu deveria me doar tanto por quem só lembrava de mim quando precisava ou se sobrava tempo?

Não foi meu gosto por músicas diferentes, nem meus hobbies, nem meu jeito. Foi sempre falta de vontade.
Porque se faltasse vontade a qualquer um de vocês, era aí que eu tentaria. Mesmo desajeitado, eu tentaria. Tentaria estar lá. Tentaria fazer parte. Tentaria acolher.

Mas, de vocês, faltou atenção.
Faltou abraço.
Faltou toque.
Faltou afeto.

Hoje ainda não tenho nada disso. Mas pelo menos não sou mais obrigado a conviver diariamente com quem me negava essas coisas.

Durante muito tempo, achei que não passaria dos trinta. Me enganei.
Mas não foram poucas as vezes em que considerei seriamente não chegar aos quarenta.
E, acreditem ou não, desisti da ideia por consideração a alguns poucos — exatamente os mesmos que, ironicamente, me empurraram até a beira do abismo.

Já pesquisei tudo: como cortar, quanto tomar, quanto custa pra atirar, como apagar sem dor.
Olhar para baixo, de janelas ou nos meus voos, era uma rotina.

A única coisa que ainda me prende aqui é uma consideração que eu não deveria mais ter.
E, como uma composteira emocional, tento transformar toda essa merda que fermenta dentro de mim em algo que preste.
Às vezes ainda penso em desistir, dormir e não acordar.
Mas achei mais interessante virar uma espécie de pesquisador.

Hoje, conduzo um estudo sobre as dores que me causaram. Testo meus próprios limites. Revisito traumas. Revivo cenas.
Porque, com a ajuda de vocês, eu conheci lugares dentro da dor que jamais deveria ter visitado.

Sei o que é apanhar para comer e também sei o que é passar fome.

Sei o que é ser espancado. 

Sei o gosto do meu próprio sangue, posto na minha boca da forma mais indigesta que se pode oferecer a uma criança. 

Sei o que é ver pessoas que conhecem essas histórias se juntarem para dar risada como se minha vida fosse um episódio de uma SitCom, com risadas falsas rolando ao fundo tentando transformar aquilo em uma grande piada. 

Sei como é implorar por carinho e receber silêncio.

Essas tatuagens vocês não veem. Mas elas estão aqui, marcadas com fogo na pele da memória, e me arrepiam dos pés à nuca enquanto escrevo isso.

Então, quando ouço:

“Isso pode te fazer mal.”
“Mas isso é sério, você pode morrer.”

A única coisa que consigo pensar é: agora vocês se importam?

Enquanto eu nunca tive problema em falar sobre a morte, vocês nunca demonstraram se importar com a minha vida.
E, sendo sincero, se um dia eu não estiver mais aqui, espero que a causa tenha sido eu mesmo, tentando melhorar um pouco do que sobrou, porque desistir por quem nunca assumiria um centésimo de responsabilidade seria, no mínimo, trágico.

Desculpem por ter tirado de vocês o prazer de me destruir e ter começado a fazer isso sozinho.
Devo admitir: chega uma hora em que a dor vicia. A dor confunde. A dor preenche.

E, se existe uma coisa que sempre elogiaram em mim, foi minha criatividade e minha capacidade de adaptação. E essa combinação é maravilhosamente interessante.

No fim, só me resta dizer:

Obrigado. Por quase nada.
Ou melhor: pelo mínimo.

Continuem sustentando essa vida de aparências, essa ilusão de normalidade.
No fim das contas, é o que vocês têm em comum. É o que importa para vocês.

Só peço uma última gentileza:
Continuem fingindo preocupação.
Porque, por mais irônico que pareça, isso ainda me dá algum alívio. O dia em que isso acabar, vou achar que finalmente chegou o dia que eu decidi não levantar mais da cama.

Com quase nada de carinho, mas ainda com alguma ironia que me sobra,
De quem vocês ajudaram a enterrar vivo.

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