Carta à Segunda Pessoa

Digníssima Senhōra,
Onde estás que não respondes?
Só nos versos de Pessoa,
de Cabral de Melo Neto?

Ah, eu chamo-te à toa...
É aqui que tu te escondes?
Nestes versos que destoam,
pois versejo, não poeto?

Farias a mediação
entre mim e a Terceira,
mas sem ti, na solidão
desta língua brasileira,

José, Chico e João,
Severino e Donana,
o Mané, a Conceição,
Seu Tião e Bastiana,

até mesmo os de cima
ficam sós, na Casa Grande,
que ninguém consegue rima
se te fazes de importante.

Preto não fala com branco,
só com a excelência dele,
e, se o olha no olho,
chicote lhe queima a pele.

Na tribo, criança, cacique,
homem, mulher são auá.
Mas carioca é muito chique,
lugar de branco falar.

Inclusive padre Antônio,
irreverente com Deus,
era cerimonioso
quando pregava aos seus.

E o plebeu não se dirige
diretamente ao Rei.
Por isso que sumiste
ou causa de que? Não sei.

Ei! Fugiste para onde?
Diz-me, ora pois! Que é de ti?
Coronel ou lobisomem,
estás com medo de quê?

Não podes abandonar
tantos filhos de João,
de Maria e de José!
És cristã ou és pagão?

Foste para além-mar
com a família real?
Não temos com quem parlar
de igual para igual!

Voltasse pra Portugal,
sem coragem de lutar,
e levasse, além de terra,
que dizias tanto amar...

(Vossa Mercê me perdoe
se já lhe não dou ao respeito!
Vosmecê não se chateie,
não falo mais com você!

Suncê levasse daqui,
além de terra - já disse!),
ouro, prata... mineral,
toda riqueza que existe,

e largasse uma língua
nesse mundo, sem igual!
Pois italiano, espanhol,
português de Portugal

prosam contigo de boa,
em Roma, Madri, Lisboa.
Aqui te tratam tão mal
quanto foram maltratados.

Nesta terra desigual,
pobre e rico tão distantes,
não estranha no Brasil
idioma nunca dantes...

Onde mal falam ocê,
agora, em tempo real,
duas letrinhas, mais nada,
é tudo que lhe restou.

Nem me refiro a bandeira
branca, pedindo a paz,
levanto sim a vermelha:
que não tornes nunca mais!

Desde que, neste país,
Pombal, pedante Marquês,
proibiu a língua Tupi
e impôs o Português,

gerações degeneraram-te,
na fala e na escrita,
cansadas de palmatória,
de chibata. Que desdita!

Como disse o malfalado,
Severino Cavalcanti,
chefete dos Deputados
(tão insignificante,

mas nos anais registrado):
- Recolha-se à insignificância
de Vossa Excelência!
Vc já está bloqueado!
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