O pescador
Atentei-me com reverência
aos olhos temerários daquele simpático homem,
cujas cicatrizes e barba cerrada
acusavam-lhe o desembargo de uma perigosa jornada,
incursa pelos mares gélidos da solidão.
Mesmo diante dos dissabores
e dos Leviatãs, percebia-se pronto
para um novo e tempestuoso desafio.
A terra parecia queimar-lhe os pés.
O vento fisgava-lhe a alma.
E sem nenhuma honraria
ou engodo profícuo,
aquele humilde pescador,
partia sempre para oeste
em busca de um sol já poente.
Encantava-me a modéstia de sua voz,
e a sabedoria distorcida nos gestos.
Aquele velho pescador
jamais degustara os discursos socráticos
ou mesmo o cinismo de Diógenes.
No entanto, detinha o conhecimento dos deuses
no simples arquear de sua rede.
O mundo era seu navio.
Quando acossado pela tempestade
a qual navegava miseravelmente,
conservava no interior de seu olhar longínquo
um porto acolhedor,
em alguma terra auspiciosa.
Mas não me deixo enganar,
não era o porto seu autêntico lar.
O porto é compassivo,
há segurança, conforto
e principalmente companhia.
Toda aquela hospitalidade
revelava-se um risco para o seu navio.
Seu lar, sua família
eram o navio e as longas odisséias solitárias.
O mar era seu universo,
um palco despretensioso
e privado de qualquer platéia.
Suas façanhas, suas batalhas,
as quimeras vencidas
eram apenas de seu particular deleite.
"Enche as velas com todo ímpeto
para lançar-me da costa",
bradava o pescador a si mesmo.
Assim, combatia os ventos sorrateiros
que o impeliam de volta ás rochas da familiaridade.
Se falhasse, era sábio:
o naufrago inevitavelmente viria.
Era isso que amava:
seu único amigo
incorporado o mais mortal inimigo.
Nesse intrépido esforço
para crivar-se da terra servil,
é que consagrava sua verdadeira liberdade.
Conduze-te com austeridade
ó pescador! ó deus encarnado e inculto!
Navegava sobre as alturas,
entre a morte oceânica
rumo a sua eternidade.