Alphonsus de Guimaraens

Alphonsus de Guimaraens
Alphonsus Guimaraens, pseudônimo de Afonso Henrique da Costa Guimarães foi um escritor brasileiro.
A poesia de Alphonsus de Guimaraens é marcadamente mística e envolvida com religiosidade católica.
Simbolismo
Nasceu a 24 Julho 1870 (Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil)
Morreu em 15 Julho 1921 (Mariana, Minas Gerais, Brasil)
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IV - Noiva

N'as-tu pas senti le gout des éternelles amours?
H. DE BALZAC

Noiva... minha talvez... pode bem ser que o sejas.
Não me disseste ao certo o dia em que voltavas.
O céu é claro como o teto das igrejas:
Vens de lá com certeza. Humildes como escravas,

Curvadas ainda estão as estrelas morosas;
E bem se vê que algum excelso vulto branco
Passou por elas, entre arcarias de rosas,
Revolto o manto de ouro, afagando-lhe o flanco.

Há tanto tempo que te espero, e espero embalde...
Não sabia que assim tão diferente vinhas.
Tinhas negro o cabelo: entanto a nuvem jalde,
Que o doura todo, o faz tão outro do que tinhas!

Quando morreste, o sol era morto, e ainda agora
Para mim se prolonga essa noite de guerra...
Acaso vens com o teu olhar de eterna aurora
Aclará-la outra vez, vindo de novo à terra?

Vejo-te a imagem tão destacada no fundo
Deste meu sonho, que é como se eu não sonhasse...
Cheio da nostalgia estelar de outro mundo,
Tem as mágoas de um astro o palor da tua face.

Caminhas, e os teus pés sublimes nem de leve
Tocam a flor do solo: o ar impalpável pisas.
Ora se abaixa, ou se ergue o teu corpo de neve...
Parece que te vão berçando auras e brisas.

O peristilo arcual da tua boa se move:
Soabre-se: a fulva luz que a ilumina contemplo...
Falas: como me pasma e inebria e comove
Toda a púrpura real do interior desse templo!

Parece que um hinal de suaves litanias
Acompanha a tua voz nas palavras que soltas.
Não sabia que assim tão outra voltarias:
Eras de negro olhar, de olhar azul tu voltas.

Que me admira se vens de olhar azul e louro
Cabelo? Não é a mesma a tua formosura?
Voltas do céu, e a cor celestial é azul e é ouro,
E é todo este clarão que a imagem te moldura.

Noiva... minha talvez... e por que não? Setembro
Volta. Setembro é o mês das laranjeiras castas.
Vens de grinalda branca, a voar... Ah! bem me lembro.
A veste com que foste é a mesma que hoje arrastas.

Foste de branco e vens de branco ainda trajada.
A túnica nupcial que em níveas dobras desce
Pelo teu corpo, tem a brancura sagrada
Dos alvos corporais do altar exposto à prece.

O parélio do gênio imortal que te anima
Surge no resplandor que te aureola a cabeça.
Atenta escutas os meus versos rima a rima,
E mandas que em cada um a tua Alma apareça.

Quero abraçar-te e nada abraço... O que me assombra
É que te vejo e não te encontro com os meus braços.
Morta, beijei-te um dia: hoje tu és uma sombra
Exilada do céu para seguir-me os passos.

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Publicado no livro Dona Mística, 1892/1894 (1899). Poema integrante da série IV - Noiva.

In: GUIMARAENS, Alphonsus de. Obra completa. Organização de Alphonsus de Guimaraens Filho. Introdução de Eduardo Portella. Notas biográficas de João Alphonsus. Rio de Janeiro: J. Aguilar, 1960. p. 105-106. (Biblioteca luso-brasileira. Série brasileira, 20).