arthur_1756

1999-02-11 Salvador
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Alguns Poemas

Ao meridiano de lugar nenhum

... Os advogados continuam caros...
A mão do atomismo foi lançada
e dela tivemos a imposição
duma glória inata
que conquistamos
a custo
da força.

A inflação fez subir o preço
das putas...
E as mãos que outrora
sonhavam
em dançar com dedos finos
por teclas do marfim amarelado
representando requintadas sonatas ,
hoje apenas tecem o rude trabalho
de um
náufrago de sonhos...
... Tão somente um mero
sobrevivente desse tecido
que chamamos de realidade.

O Diabo joga damas com o destino
e a mão de ambos parece, brutalmente,
ter sido pesada aos ombros daqueles
cuja sensibilidade fora maior.

A cada dia,
A cada hora,
Estamos cá...
Onde nem sequer Deus pode nos salvar
desses tempos de cão...
Onde o sonho de alguns dias mais calmos,
na velhice,
possa ter
antes de morrer...

Cá estamos nós:
Os bêbados, os doidos, sujos,
putas e poetas... De mãos dadas e com o amargor
da vida escorrendo pelo cantos de nossas bocas...
Sendo atropelados em caminhos vazios,
com os lábios largos e inchados
pelos beijos roubado da vida...
Com o cântico dos cânticos
sendo narrado
de trás para frente
ao efeito de inúmeras doses
de fel e vodka ordinária...

E lá está , a olhar o firmamento ,
o coração ...
Coração esse que tornou-se o bêbado oficial
dessa cidade remota ,
afundando na lama involuntária
do caos de perceber
que tudo isso é real
e que nada precisa ter verdadeiro sentido
além do que nossas paixões indigestas dizem
à olhos indigestos e embotados
pela fumaça incisiva de cigarros noturnos
e acendidos
impacientemente
um a cabo do outro ...

E quanto a mente...
O destino pesou-se quase a mesma medida...
Tornando-se uma baranga horrenda
envelhecida a porradas
e cuja melhor forma de acordar
pela manhã
é tão somente praguejando tudo
quanto é vivo ou existente...

E cá estão os ditos firmes na vida
segurando a merda em seus respectivos rabos
para ao menor ter a pompa orgulhosa
de dizer que cagaram para a vida...

E quanto a vida... Fiz dela o que não sabia...
Resultei em amores inúteis
em sabedorias que só chegam
quando não precisamos mais
e uma maldita voz vem perturbar meu sono
dizendo:
- Será que é assim mesmo?

Tecemos a teia da sobrevivência,
simplesmente,
pela razão de que de sonhos
não podemos viver
... Menos ainda da sorte
que o destino nos reservou
... E menos ainda , ainda , ainda
dos milagres que pacientemente
esperamos que Deus nos reserve...

Muitos lançaram mãos a tudo
e mesmo que muitos tenham conseguido tudo
o que desejavam em vida
...Estes são os primeiros a pularem do oitavo andar...

Alguns punhados espalhados pelo mundo
estão sendo abusados por uma vida
que eles não escolheram...
Fazendo dos dias da existência
serem parte completamente dos dois piores dias
da semana:
O hoje e o domingo.

E em meio a tanto, apenas a mão do
conformismo se estende
movendo as pedras do tabuleiro
e vencendo o jogo tanto meu quanto
de muitos outros por aí...

Uma parte do mundo parece perdida
outra parte parece indignada
Alguns enlouqueceram , drogaram-se
ou morreram ...
E quanto a parte a que parece nada ter
surtido verdadeiro efeito ...
Estes são aqueles que veem o mundo azul
através de seus óculos escuros ...
Estes , na verdade , fazem parte da parcela
que acreditam no mérito e esforço
que caminham para a vitória
ou no altruísmo
ou seja lá qual romantização de quem nada viveu ...

Meio a tanto ...
Apenas chego bêbado em casa
e vejo-me perdido no banheiro
... Mesmo assim , como cidadão honrado ...
Permito-me dormir na fedentina
e quase feliz...
Mesmo que , amanhã , ao acordar
saberei que nada poderia salvar-me ,
verdadeiramente , além de uma boa lembrança...
Pois sim , de todas as vezes que o destino pesou sua mão
em nossos ombros , em todas as vezes
em que a crise fez-se presente e viva ,
detestavelmente viva,
apenas uma boa lembrança pode nos servir
como a redenção de todos os nossos pecados...
Mesmo assim , ao tocar o tecido da realidade ,
ao acordarmos e vermos o mundo opaco ,
somos logo afogados por uma série de advogados caros
que prometem nos salvar em nossas questões ,
psicanalistas , psiquiatras e psicólogos
vendendo a fórmula da felicidade
que já não sabemos mais buscar ...
Ou então por uma série de testemunhos de jeová
perturbando meu domingo para perguntar onde
irei passar a eternidade...
Sendo que é óbvio que , em se tratando desse século ,
em se tratando de todas as gerações
depois do velho testamento ,
todos nós temos passagem com visto direto
para o inferno ...

E se não muito o desconforto pessoal atrapalha
até o sono dito como sono dos justos ...
Ainda vemos que peste , fome e guerra
sempre estiveram por essas bandas ...
Talvez o inferno seja a própria vida humana ...
E , francamente , duvido muito
que alguém possa mudar isso...

Estamos sempre em guerra:
Se não contra nós mesmos ...
Estamos contra algum inimigo invisível
que os políticos por aqui costumam criar
e sempre nos colocar
na sensação desconfortável
de estado de sítio.

Estamos todos com fome:
Se não pelo desejo que toma a alma
e a sede que a corrompe ...
Muitos não têm sequer o que comer.

Estamos todos doentes:
Se não pela alienação que a cegueira
causa pela grandeza ...
Estamos doentes da raiva
que tomamos como um veneno
esperando que o outro morra...

E estamos todos morrendo...
E não preciso dizer por que é que
estamos morrendo ...
Desde que seguimos todo o caminho
dos cavaleiros ...
Já podemos saber o fim dessa história...

Poucas são as ocasiões
em que temos a verdadeira chance
de mudar nossas atuais posições ...
Muitas são as vezes que não conseguimos sequer
acordar e encarar que tudo, possivelmente,
deve ser levado com leveza...

Estamos todos na mesma barca
... No mesmo lago...
...Da mesma cidade ...
No estado remoto ...
No país meditativo, situado
ao meridiano de lugar nenhum ...

A caçada

...Havia ido à floresta num dia de chuva durante o mês de fevereiro. Tinha em mãos uma espingarda carregada. Andava em busca da “Resposta” – animal cujo é conhecido, reza a lenda, por resolver milhões de problemas e até mesmo dar paz às almas mais inquietas-. O tempo passava e noite avançava, havia caído do céu um punhado de estrelas e elas se esparramaram em milhões de pontilhados meio ao tecido negro noturno. Tinha pressa de encontrar sua ave ; boatos diziam que ele poderia ser encontrada a qualquer momento , mas teria que se estar bem preparado para recebê-la , pois ela é um animal orgulhoso e apenas se curva a quem mostra solene respeito diante dela , caso contrário ela foge de quem a procura e nunca mais reaparece na vida daquela pessoa. Tinha tanta pressa para capturar o animal que até criou certa obsessão em encontrá-la. As mãos gelavam enquanto segurava a frio a arma de fogo e o vento cortava de tal maneira que o obrigou a fechar as abas do casaco longo e camuflado. Os passos davam de cara ao silêncio absoluto, quando, de repente, avistou a ave-resposta sobrevoando com suas penas negras por cima das árvores e ,com a ânsia dominando o sangue, as mãos empunharam brutalmente a arme de fogo que numa explosão , num estrondo , num disparo de força descomunal , o brilho da pólvora queimada trespassou toda a escuridão naquele momento. Caia do céu, como um anjo expulso do paraíso, um embrulho sujo de sangue num vermelho tão violento que brilhava à luz da lua. O objetivo fora alcançado e a ave-resposta seguia mata adentro. Eufórico, foi buscar seu prêmio, correndo ansiosamente em direção a queda. Corria, arfava, a tensão agitava seu coração, os olhos fechavam pelo vento que vinha contrário. Logo em frente havia um penhasco. Corria desesperadamente até que, num tombo, encontrou-se rolando ladeira abaixo... Estirado no chão, vê seu prêmio fugindo aleijado e deixando um rastro de sangue. Cortando o ar o seu canto dizia: - “Desista...Desista...Desista! Estão no limbo todos aqueles que perceberam que a verdade apenas vem tarde demais!” O caçador agonizava trespassado pelas estacas que tão docemente observaram-no desde que tropeçou no penhasco.

O bucólico

Certa manhã, uma manhã de domingo, Augusto decidiu mudar as coisas em sua vida, naquela mesma manhã ele decidiu dar fim em seus vícios, como o cigarro, a bebida, seus calmantes etc. Decidiu também acabar com suas futilidades e dar fim, ou não procurar mais, relacionamentos efêmeros. Aquela manhã de domingo foi de inteira reflexão; ele decidiu que aos poucos mudaria, largando algumas poucas coisas.
Deitado em sua cama, Augusto reflete sobre como estava tratando as pessoas em sua volta, quais eram suas prioridades e quais eram seus objetivos na vida. Ele olhava a luz do dia passar pelas frestas da janela, ouvia o barulho dos pássaros na rua, assim também como os dos automóveis; sentia no peito o seu gato, que amaciava o local na tentativa de descanso. Era uma típica cena de uma manhã de domingo, a única coisa que diferenciava era que Augusto estava muito reflexivo. Passa-se um tempo e ele decide se levantar; Retira o cobertor de cima de seu corpo, levanta um pouco permitindo que se sentasse em sua cama, para um instante , como se estivesse um tanto sonolento, depois se apoia em suas pernas e se levanta; após se levantar, vai vagando por dentro de seu quarto em direção a porta e nisso se olha no espelho ; vê uma figura inteiramente bagunçada , mas ainda com seu charme - Augusto tinha olhos verdes e cabelos ondulados bem escuros e uma pinta no canto de sua boca .

 

Após se olhar no espelho ele segue e abre a porta do seu quarto, continua andando e com dificuldade vai se desviando da bagunça espalhada em sua casa; Ainda eram 08h00min e a sua empregada viria apenas às 09h30min, isso lhe dava tempo de preparar um café, acender um cigarro e para os fundos de sua casa; era um pequeno jardim que tinham alguns poucos arbustos e pequenas árvores; partindo para os fundos, ele puxa uma cadeira e se senta, lá mesmo fica refletindo e observando as coisas em sua volta; Havia chovido na noite passada, nos fundos da casa havia algumas pequenas poças d'água e a vegetação, aqueles poucos arbustos e pequenas árvores, estava toda molhada, a luz do sol batia nas folhas e davam um brilho todo especial, ele vê insetos andando pelo quintal ...Como se estivessem organizando suas vidas , sente a brisa daquele tempo pós-chuva - um vento leve e fresco, muito fresco. Ele não queria fazer mais nada além de contemplar tudo aquilo em sua volta e perceber a passagem do tempo.

 

Quando, às 09h30min, a empregada chega (uma senhora simpática, ou pelo menos era isso que seu rosto mostrava) de estatura baixa, com seus cabelos cobertos por um lenço branco com bolinhas pretas e olhos grandes, como os de uma coruja, castanhos. Augusto a vê e dá um sorriso bem disfarçado, como se fosse "bom dia senhora Agatha!" e ela responde "bom dia menino". A senhora Agatha tinha uma proximidade muito grande com Augusto e "menino" servia como uma espécie de apelido para se referir e ele. Agatha sorri e acena.

 

Ele se levanta, caminha para seu quarto, troca de roupa e sai. Fazia muito sol na rua, embora não fizesse calor, pelo menos não a ponto de incomodar Augusto. Sai sem destino, não tinha ideia do que fazer, ele só queria sair e andar. Via, como de costume nos domingos pela manhã, alguns casais passeando, idosos lendo jornais em bancos brancos na praça, o vento chacoalhando a copa das árvores, cães revirando o lixo de algumas casas; Não era nada de especial, ele só queria andar pela rua e ver as mesmas coisas de um dia qualquer. Era uma manhã de domingo; calmaria, uma calmaria comum de uma cidade pequena de um dia quieto. Ele se senta em um banco e apenas observa o mundo em sua volta. Não era triste nem alegre, era no máximo cansado, Augusto estava cansado - O trabalho em um fórum apesar de estar sentado durante horas de atrás duma mesa era exaustivo para ele; Não falava muito, sempre fora um homem muito calado, ele era apenas um rapaz de uma aparência comum, que alguns achavam bela, de uma inteligência comum, não era estupidamente obtuso, mas também não foi um Einstein na vida. Era um homem comum, com preocupações comuns e anseios comuns; trabalhava das segundas às sextas-feiras, bebia aos sábados com os amigos, acordava cedo nos dias de trabalho e um pouco mais tarde, às vezes, nos finais de semana. Era assim que Augusto levava a vida. Ele, assim como muitos, comum, simplesmente comum, apenas mais um guache barato na vida.

 

O tempo passava e Augusto continuava sentado naquele banco de praça; enjoa daquilo e decide voltar, não suportava mais ver tudo em sua volta. Já eram 13h30min e o sol agora o incomodava, a quietude e a solidão que aquele local transmitia estavam pairando como chumbo no humor dele.

 

Volta ao mesmo trajeto em que veio, mas agora já não havia mais senhores lendo jornais, casais passeando, cães revirando o lixo e até o vento já não estava mais balançando a copa das árvores, era simplesmente um deserto de pessoas a ações de qualquer coisa que deveria ter movimento.

 

Chegando a sua casa, encontra tudo pronto. Agatha já havia limpado tudo, retirado e organizado toda a tralha de Augusto e ainda feito a almoço, que por acaso já estava frio por conta da demora dele ao vir almoçar. Ele não gostava de comer só, não suportava ficar só, então Agatha se sentava junto a ele na mesa para fazer-lhe companhia; Como dito antes ambos tinham uma proximidade muito grande e uma amizade de longa data, ela já conhecia quem era Augusto e por consideração e respeito à amizade de ambos ela sempre fazia companhia a ele.

 

E assim foi o restante do seu dia; calado, calmo, sem qualquer grande ação, eram apenas Augusto e Agatha passando o restante do dia um em companhia do outro, eles não precisavam de palavras, apenas uma troca de olhares já respondia tudo, ambos se sentiam bem, tinham ternura um pelo outro, como se fossem mãe e filho; Augusto tinha então uma mãe que antes não tinha e Agatha agora tinha um filho que antes não tivera.

 

Assim foi o restante do dia, uma paz irrespondivelmente anestésica. E a chegada da noite eles se despediram, Agatha volta para sua casa e Augusto se preparava para começar mais uma semana exaustiva de trabalho; Ele a vê da janela do seu quarto e acena, ela percebe e devolve com o mesmo carinho o aceno dele em um belo sorriso.

 

O tempo passa e leva muita coisa e muda muita coisa também, embora o desejo de Augusto daquele domingo não se concretizou, mas pareceu não ter feito muita diferença para ele.

 

Passaram-se anos, Augusto teve vários relacionamentos, mas nenhum durou muito tempo; teve várias ressacas, mas todas se curaram; ele continuou tomando seus calmantes, pois seu trabalho continuava insuportavelmente mórbido. A única coisa que o tempo levou, e foi como roubo para ele, foi Agatha.

 

O tempo passou para Augusto, e se questionar sobre a vida se tornou tão comum quanto respirar.

 

E então, em certa manhã, uma manhã de domingo, de um domingo de vários outros e de vários anos que se passaram, Augusto decidiu mudar as coisas em sua vida, naquela mesma manhã ele decidiu acabar de vez com seus vícios e com todas as futilidades e relacionamentos efêmeros. Aquela manhã de domingo foi de inteira reflexão, ele decidiu que acabaria com tudo de uma só vez, largando tudo o que usou da forma imprudente durante vários anos... Mudando por inteiro os comportamentos que tanto julgava ruins.

 

Ele decide se levantar e retira o cobertor de cima de seu corpo, agora já não havia mais gato em seu peito, ele morrera há muito tempo. Após se levantar, vai vagando por dentro do seu quarto em direção a porta e nisso se olha no espelho; Vê uma figura toda bagunçada, estava velho e sem charme nenhum, com pouquíssimos fios de cabelo, agora brancos por conta da ação desagregadora do tempo, e a pinta no canto de sua boca se tornou uma horrenda verruga repleta de pelos, as mãos amareladas e trêmulas, os olhos fundos, as rugas assustadoramente marcantes, a flacidez dum corpo antes belo...Agora... Degradado.

 

E o Retrato* de Cecília coube-lhe muito bem, para onde foi parar o antigo rosto de Augusto?

 

Ainda eram 08h00min, ele sai do seu quarto perdidamente louco - finalmente percebeu o quanto o tempo passou. Sai do seu quarto e desce as escadas. Até que tropeça dos degraus e cai como um embrulho hediondo no chão.

 

Augusto, mesmo se não tivesse caído das escadas, morreria logo depois, e possivelmente de uma forma pior. Em vários anos de vida ele abusou de tudo, mesmo nas tentativas falhas de acabar e mudar algo em sua vida, o que resultou em uma destruição interna dele. O tempo passa cruelmente para todos, e nem todos estão preparados, ainda. Bastou meio metro de degraus e pouca atenção...

 

Aos 58 anos Augusto morreu; foi enterrado; foi lembrado inicialmente; choraram sua morte e passaram-se anos ... E os domingos pela manhã sempre continuaram tento senhores lendo jornais, cães revirando lixo, o vento balançando a copa das árvores e casais passeando pela rua...

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