Cristina Miranda

Cristina Miranda

1962-01-03 Braga
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Alguns Poemas

E não haverá mais o meu ou o teu

Falavas-me dum livro, bom de ler e reler.
Fazes lá ideia das vezes que o pousaremos, junto ao vaso, esse, que ficará silencioso, que se tornará todo ouvidos, no parapeito da janela da casa que construiremos, quando não nos dermos conta que sorrimos, enquanto nos vestimos de tanta carícia bonina, com o som dos pássaros verdes e azuis que nidificarão nos ramos da árvore frondosa que espreitará, curiosa, a nossa história.

Ainda que não saibamos que é baseadoem nós que aquele livro será escrito, por ela, enquanto for crescendo, se for cobrindo de folhas verde esperança, faremos marcadores com as pétalas de rosa encarnadas que nos vamos dar.
Festejaremos cada folha e com elas marcaremos os parágrafos mais belos!
Seremos felizes quando no livro pegarmos, todo ele pleno do aroma que daquela cor rubra advirá, que será para nós, já que quando nos despirmos, saber-nos-á a tanto, esquecermo-nos do prazer que teremos, por irmos colher, unos, aquele ensejo.

Aprendemos, quando nos esquecíamos, quando nos negávamos olhar, a fixar os movimentos ternos, quando para nós desnudávamos a alma, nos desvendávamos.
Julgávamos - nos desatentos, mas, aprendemos, todas as vezes que nos imaginámos a procurar em nós as marcas do tempo imaculado, a semeá-lo no colo, a vê-lo crescer, para que, então sim, nos completássemos, na época em que sequer sabíamos que íamos existir.

Não olhemos para mais nada, nem nos importemos com o tempo que fará, fora do mês que depois habitaremos.
Não nos vamos distrair com a árvore.
Ouçamos apenas a melopeia dos pássaros que a habitam, então já pais de outros mil, ainda mais coloridos.
Não vamos espalhar qualquer preocupação no tempo que ainda poderá faltar para nos unirmos.
Não nos neguemos pois que saberemos naquele instante que o verão terá chegado.

Sonho


Falo-te dum sonho,
Daquele que tantas vezes tenho.
Dispo a ansiedade,
Desapertando,
Botão a botão,
Desejos insaciáveis,
Até ficar despida, um instante...

Aliso o leito,
Aquele mar por ti amado.
Com ele me cubro,
Apagando a luz da realidade,
Deixando apenas acesa,
A lua da imaginação...

Agora, fecho os olhos.
Não há tempo, distância, matéria...
De mim só existe a alma
Coberta por um mar de mil cores
Que não te explico,
Que conheces,
Bem melhor do que eu.

Assim fico,
Escrevendo esta quase imitação de carta
Tão sem tempo!
Tenho frio!
Tardas!

Eis senão quando,
Quase no fim do horizonte,
Onde o teu mar abraça a minha lua,
Vejo uma ave voando,
E que, num bailado único,
Raiado de verde e de azul,
De mim se aproxima,
À minha alma se dirige.

Quase não me mexo...
(e tão ansiosa me sinto!),
Para que de mim se não desvie
O voo daquela ave.
Levanto a ponta do mar,
Preparo um espaço,
Uma praia,
Neste leito onde estou
E peço a Deus
Que o bater do meu coração
A não afugente...

Percebo que és tu!
Ainda assim,
Fico-me neste aparente sossego...
Sobrevoas-me
Sem um bater de asas
Acabando por pousar,
No areal imenso que para ti preparei.
Que mais dizer?
Calar este meu desejo?
Afinal havia tempo!
E é desse tempo que te falo.

Desvendo agora o meu segredo:
Do meu corpo me distanciei,
Para que na minha alma pousasses.
Agora estás em mim!
Sobe pelo meu corpo
E deixa que no teu,
O meu se derrame...
Fiquemos assim,
Tendo como limite
O espelho do nosso encontro:
Um mar, uma lua, uma brisa...

Falei-te dum sonho.
Foi meu,
Talvez teu,
Mas agora é nosso!
Completou-se o triângulo:
Um vértice - Tu!
Outro - o Mar!
O último - Eu!

CM
1998

Sentados num muro

Interrompo o desfiar do corpo
pelos chãos verdes,
testemunhos que são
de passeios leves.

Neles se estendem agora
folhas brancas,
nuvens,
colocadas ali
com todo o cuidado
por deuses,
nos seus interlúdios merecidos,
prenhes da resposta
à pergunta que um poeta faz,
tão mais absorto está que as divindades.

Deleito-me ante aquelas sombras,
a tua,
a deles...

Olho-as e já as vejo
tornadas corpos cintilantes
pingando do céu
como que esvoaçando pelas noites cerúleas.

[Pareço divagar,
parece que nada do que digo faz sentido,
mas espera...
Apodero-me do que pensas,
procuro responder,
imaginando que são para mim
as perguntas,
todas as que não fazes, que adivinho.
Espera então,
porque já sou eu que me questiono
que descaradamente inverto os papéis.

Deixa-me continuar este devaneio,
retomar o fio
por em ordem o que penso,
o que te quero dizer,
fazer sentir.]

Vão ser lavradas,
sulcadas por pensamentos,
aradas,
as nuvens.
Vão alagar-se de suspiros
que choverão dos teus dedos
entrelaçados ludicamente nos meus...
Tornar-se-ão regadios que nos encherão,
tornando-nos campo exuberante.

Mas mesmo assim,
continuarão brancas,
enquanto,
incólumes,
nascerão de nós dias róseos,
nascerão de nós mais histórias,
onde correremos descalços.
Silenciar-se-ão por fim,
aquietar-se-ão,
aconchegar-se-ão
até adormecerem,
deixando-se apenas deslizar
pela pergunta,
margem de um rio que não cruzamos
com medo de nos afastarmos
do quanto nos queremos.

Se olharmos bem,
estarão dois vultos que se passeiam
na outra margem.

Se olharmos bem,
cruzaram o rio,
o receio ficou ancorado do lado de lá.

Se olharmos bem,
conseguiremos, até, vislumbrar uma cidade,
espécie de lugar onde ficaram as espadas...

E já é um jardim aquela margem,
um canteiro de cravos e de rosas,
e,
mais ao fundo,
um muro de pedra...

[Alonguei-me, perdoa,
mas valeu a pena.]

Se olhares bem,
pousada no muro
está a resposta,
está um lugar onde já estou sentada,
onde também já estás
e um outro lugar bem no nosso meio,
um espaço que espera, ansioso,
pela frase guardada.

Enchamos então o silêncio,
Meu Amor,
porque é nosso, por direito, o momento.

Vamos ver como um canteiro
pleno de cravos e rosas
vai ficar então completo
com o que nos diremos:
Quem somos na nossa memória?
Duas margens que se encontraram
num rio.

Afinal,
foi sempre parte integrante de nós.
-
joaoeuzebio
Desejo te de te ter agora neste poemas belissimos viajei feito um passaro neste poema lindo Parabéns um abraço
02/agosto/2020
-
Cristina, me deparei com seus poemas e fiquei em estado de extâse, você tem muita sensibilidade e talento. Pretento ler todos os seus poemas e poesias, desgustando-as pouco a pouco. Parabéns
16/junho/2017

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