Lasana Lukata

Lasana Lukata

Lasana Lukata é poeta e escritor nascido em São João de Meriti, 14 de março de 1964, Dia Nacional da Poesia, na antiga Estrada de Minas; oriundo de família de pedreiros, foi marinheiro de um navio contratorpedeiro que afundou nas águas de Durban a caminho da Índia ao ser rebocado para desmanche.

1964-03-14 São João do Meriti
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Alguns Poemas

CANTIGAS DE MINAR




                                 para Lírian Tabosa e Gabriela Mistral

                                                  todo bien tuviste
                                                  al tenerme a mí
                                       (Me tuviste, Gabriela Mistral)  

                                                                                 

                                                          

sereias dos navios chamando para o mar,

esse lugar retirado para acalanto,

para um canto paralelo,

penduro minha infância no horizonte.

o contratorpedeiro embalado pelas ondas

logo estaria a caminho das Índias para desmanche,

do beliche eu ouvia a melancolia, nitidamente, em rumorejos,

roxa voz, lá fora, batendo, querendo entrar e entrava...

de onde vinha?

sublinha,

o balanço do navio

é o berço-barco balançando,

barco sem defensa e à deriva,

ninguém para salvá-lo,

com um som ora grave, ora estridente,

o menino a herniar-se no universo,

madrasta, porto sem cabeço, entrando no quarto

para tripular um navio de guerra.

para me fazer adormecer,

acorrentava-me ao seio,

braços salgados e frios

como correntes de âncoras

e num marítimo vaivém,

ia cantando, na surdina,

para ninguém ouvir,

cantigas de minar.

suas ameaças não eram fraudulentas,

todas se cumpriram,

tornei-me um menino vidroso,

Adernaldo, adernado,

a espatifar-se contra as pedras... 

uma língua tão sonora

e usada como espora. 


antigas cantigas,

tremura às cantigas de minar.

nada dispersa essas garças-da-noite

que à maneira de rebanho

se uniram no meu peito,

se meus primeiros sons

não foram bons,

hoje a penejar,

na cadeira de balanço,

a felicidade do poema

para você que não teve filhos

e eu que não tive mãe.

a morte do Zé do Norte - a Ferreira Gullar (in memoriam)

contratorpedeiro Zé do Norte,

bico fino,

desejo agudo pelos mares,

já não pode ser contra nada...

de capitânia a rebocado

a caminho do desmanche,

perdeu o manche,

da montanha a avalanche,

desmoronou sobre ti

garças negras, africanas,

águas de Durban.

mar, cama líquida e azul,

noites de erguimentos e quedas,

de nas estrelas cadentes

encharcar-se de abismos

e a vida com seus Zés:

Zé da Rita

Zé da Preta

Zé do pão

no final serão da morte,

todos a caminho do desmanche,

a morte quer seu lanche,

a despedida é lilás.

águas de Alang

quanto sang!

Zé do Norte mudou de nação,

de número, de nome,

mudará de forma,

disforme,

Zé da Morte;

cortaram cabos de reboque

e se foi com a tempestade,

com seus postos de combate,

virou posto de abandono;

seus paióis de enfermaria,

onde fui encarregado,

um lugar apropriado

ao marujo mareado;

meu primeiro navio afundou

e em harmonia afundei

de servidor federal

para estadual,

hoje municipal,

trabalhador braçal

da prefeitura de Meriti;

mas se afundaram o navio

e o homem de guerra,

emergiu o poeta.

seu destino, como as aves,

era entrelaçar-se ao vento;

sua metralhadora antiaérea

era inveja de passarinhos.

vento forte Zé do Norte!

a mercadoria não chegou,

menos sangue em Alang,

caturrei, afundamos,

deixamos juntos

a altivez das ondas,

afundei em todos os navios,

vim aos ares com todos os poemas

como a proa que retorna do abismo.

agora

o girassol se desmancha em outros benefícios,

nos tubos-almas dos canhões

deslizam peixes, não metais.

eu, passei de menos para mais...

quem dera essa imagem

fosse aqui na superfície.

Lasana Lukata é poeta e escritor nascido em São João de Meriti, 14 de março de 1964, Dia Nacional da Poesia, na antiga Estrada de Minas; oriundo de família de pedreiros, foi marinheiro de um navio contratorpedeiro que afundou nas águas de Durban a caminho da Índia ao ser rebocado para desmanche. (D37 Contratorpedeiro Rio Grande do Norte). Coincidentemente, a vida de Lukata também afundou, de servidor federal caiu para estadual, hoje é servidor público da Prefeitura de São João do Meriti como trabalhador braçal, mas se afundaram o navio e o homem de guerra, emergiu o poeta, participando da Oficina Literária ministrada pelo poeta Ferreira Gullar em 2001, na UERJ, resultando na Antologia Poética “Próximas Palavras”; cursando Literaturas Portuguesa e Africanas de Língua Portuguesa, UFRJ. obras publicadas: Meu Cartão Vermelho (crônicas), Multifoco, 2010, Caçada ao Madrastio (crônicas, 2010), Exercício de Garça, Íthacas, 2011 (Poesia); Separação de Sílabas, 2011 (poesia) Virtualbooks; Urdume (Poesias), editora Multifoco, 2013; Homem ao Mar, (Contos), Livros Ilimitados, 2014, Setênfluo (Poesias), editora Livros Ilimitados, 2014, Garça na janela (poesias), editora livros Ilimitados, 2015; pássaros sem pressa, 2016(poesias), Mergulho, poesias, 2017, editora Livro Rápido; Garça sem voz, poesias, 2018

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