Lasana Lukata

Lasana Lukata

Lasana Lukata é poeta e escritor nascido em São João de Meriti, 14 de março de 1964, Dia Nacional da Poesia, na antiga Estrada de Minas; oriundo de família de pedreiros, foi marinheiro de um navio contratorpedeiro que afundou nas águas de Durban a caminho da Índia ao ser rebocado para desmanche.

1964-03-14 São João do Meriti
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Alguns Poemas

a morte do Zé do Norte - a Ferreira Gullar (in memoriam)

contratorpedeiro Zé do Norte,

bico fino,

desejo agudo pelos mares,

já não pode ser contra nada...

de capitânia a rebocado

a caminho do desmanche,

perdeu o manche,

da montanha a avalanche,

desmoronou sobre ti

garças negras, africanas,

águas de Durban.

mar, cama líquida e azul,

noites de erguimentos e quedas,

de nas estrelas cadentes

encharcar-se de abismos

e a vida com seus Zés:

Zé da Rita

Zé da Preta

Zé do pão

no final serão da morte,

todos a caminho do desmanche,

a morte quer seu lanche,

a despedida é lilás.

águas de Alang

quanto sang!

Zé do Norte mudou de nação,

de número, de nome,

mudará de forma,

disforme,

Zé da Morte;

cortaram cabos de reboque

e se foi com a tempestade,

com seus postos de combate,

virou posto de abandono;

seus paióis de enfermaria,

onde fui encarregado,

um lugar apropriado

ao marujo mareado;

meu primeiro navio afundou

e em harmonia afundei

de servidor federal

para estadual,

hoje municipal,

trabalhador braçal

da prefeitura de Meriti;

mas se afundaram o navio

e o homem de guerra,

emergiu o poeta.

seu destino, como as aves,

era entrelaçar-se ao vento;

sua metralhadora antiaérea

era inveja de passarinhos.

vento forte Zé do Norte!

a mercadoria não chegou,

menos sangue em Alang,

caturrei, afundamos,

deixamos juntos

a altivez das ondas,

afundei em todos os navios,

vim aos ares com todos os poemas

como a proa que retorna do abismo.

agora

o girassol se desmancha em outros benefícios,

nos tubos-almas dos canhões

deslizam peixes, não metais.

eu, passei de menos para mais...

quem dera essa imagem

fosse aqui na superfície.

CANTIGAS DE MINAR




                                 para Lírian Tabosa e Gabriela Mistral

                                                  todo bien tuviste
                                                  al tenerme a mí
                                       (Me tuviste, Gabriela Mistral)  

                                                                                 

                                                          

sereias dos navios chamando para o mar,

esse lugar retirado para acalanto,

para um canto paralelo,

penduro minha infância no horizonte.

o contratorpedeiro embalado pelas ondas

logo estaria a caminho das Índias para desmanche,

do beliche eu ouvia a melancolia, nitidamente, em rumorejos,

roxa voz, lá fora, batendo, querendo entrar e entrava...

de onde vinha?

sublinha,

o balanço do navio

é o berço-barco balançando,

barco sem defensa e à deriva,

ninguém para salvá-lo,

com um som ora grave, ora estridente,

o menino a herniar-se no universo,

madrasta, porto sem cabeço, entrando no quarto

para tripular um navio de guerra.

para me fazer adormecer,

acorrentava-me ao seio,

braços salgados e frios

como correntes de âncoras

e num marítimo vaivém,

ia cantando, na surdina,

para ninguém ouvir,

cantigas de minar.

suas ameaças não eram fraudulentas,

todas se cumpriram,

tornei-me um menino vidroso,

Adernaldo, adernado,

a espatifar-se contra as pedras... 

uma língua tão sonora

e usada como espora. 


antigas cantigas,

tremura às cantigas de minar.

nada dispersa essas garças-da-noite

que à maneira de rebanho

se uniram no meu peito,

se meus primeiros sons

não foram bons,

hoje a penejar,

na cadeira de balanço,

a felicidade do poema

para você que não teve filhos

e eu que não tive mãe.

EL FLECHAZO

I
a una guardiamarina do Elcano

vai poema com as garças pelos mares

(a garça clareia-se abismo)

vai por mãos de duas guardas-marinhas

de México e Espanha.

quantos livros me chegaram de navio...

nada foi por avião.

sim, eu tenho a paciência dos navios.

poeta pobre à espera dos navios.

não, não falo de improviso,

as palavras catequizo.


vai poema na velocidade de 10 nós,

vai com cisne, pelicano, albatroz,

vai ao vento, vai à vela, a palo seco,

mulher, me deixa apenas beijar orquídeas

dos teus becos;

vai com as asas da coruja de Minerva,

sempre verde, sobrevoa, sobremodo,

sobretudo, sobrevive,

vai fazer viagens que não pude,

fui marujo de açude, mareado verso rude,

não passei pelo batismo do equador,

não detenho este líquido diploma,

com esta linha que divide em hemisférios.



II



dentro da Armada Española

busquei por ti Amada Española

com um porquê irrespondível e sem cura,

este lirismo que me mata,

pisando a pata numa rima

enlouquece todo o verso;

por ti seis meses mapeei o oceano;

por ti seis vezes visitei o Elcano,

buscando pano para o poema;

por ti seis vezes revistaram minha bolsa,

só havia o teu retrato no castelo de proa tão infanta,

e os ventos entusiasmavam teus cabelos

como espias desfiadas, assediadas pelo mar.

encabritavam-se os navios esporeados pelas ondas,

pelo tridente de Netuno,

sim, Elcano, teus mastros tocam astros

quando em ondas de ternuras,

as velas dos veleiros são os papiros das aves

e uma ave o nome dela, a cada voo, em cada vela,

escandalosa, escreve nas alturas

com água, goma arábica e fuligem...


obra de arte bem tratada, apesar da ação do mar,

branco, branco, branco,

do porto de Gran Canária de Tomás Morales,

migraste como um grande animal da Pedra Polida,

fugindo do inverno em busca de verão;



visitar este veleiro, tem com ele a minha vida

no passado, nostalgia, no presente, só encanto,

fui da equipe de velas da Marinha,

apontar a proa para a vida, há descidas no abismo...



quando Netuno embarca no poema,

não tem sujeito, objeto,

quem comanda é o verbo,

tudo é delírio, fluidez, golfinhos rotadores,

esguichos retorcidos num gesto barroco;



visitar este veleiro, tem com ele a minha vida

no passado, nostalgia, no presente, só encanto,

fui da equipe de velas da Marinha,

apontar a proa para a vida, há descidas no abismo...



não, não quero o mundo,

sou farol abandonado onde garças fazem ninho,

sou sempre o fora do tempo e do espaço,

do sextante e do compasso,

basta circunfuso rodear-me de teus olhos,

fiquei preso como um pássaro no visgo,

como verso perdido no convés,

naufragar é desejar profundamente,

o búzio ainda canta o som do teu sorriso,

tuas mãos de areia ainda sinto o teu aperto,

o Princípio da Solidariedade, a coletividade do mar,

nesta tarde de outono, a bordo do Elcano,

antigo como um buque ofereço-te um buquê,

girassóis ensolarados,

continuando o mês de março sobre a terra

e que não seja coberto pelas águas.

rasas como este rio estão as almas.

e quando tudo fragmenta,

desencadernadas pelos ares,

disperso-me nas garças.
Lasana Lukata é poeta e escritor nascido em São João de Meriti, 14 de março de 1964, Dia Nacional da Poesia, na antiga Estrada de Minas; oriundo de família de pedreiros, foi marinheiro de um navio contratorpedeiro que afundou nas águas de Durban a caminho da Índia ao ser rebocado para desmanche. (D37 Contratorpedeiro Rio Grande do Norte). Coincidentemente, a vida de Lukata também afundou, de servidor federal caiu para estadual, hoje é servidor público da Prefeitura de São João do Meriti como trabalhador braçal, mas se afundaram o navio e o homem de guerra, emergiu o poeta, participando da Oficina Literária ministrada pelo poeta Ferreira Gullar em 2001, na UERJ, resultando na Antologia Poética “Próximas Palavras”; cursando Literaturas Portuguesa e Africanas de Língua Portuguesa, UFRJ. obras publicadas: Meu Cartão Vermelho (crônicas), Multifoco, 2010, Caçada ao Madrastio (crônicas, 2010), Exercício de Garça, Íthacas, 2011 (Poesia); Separação de Sílabas, 2011 (poesia) Virtualbooks; Urdume (Poesias), editora Multifoco, 2013; Homem ao Mar, (Contos), Livros Ilimitados, 2014, Setênfluo (Poesias), editora Livros Ilimitados, 2014, Garça na janela (poesias), editora livros Ilimitados, 2015; pássaros sem pressa, 2016(poesias), Mergulho, poesias, 2017, editora Livro Rápido; Garça sem voz, poesias, 2018

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