DIA I
Pousamos ontem ao sul do Deserto Amazônico, mais precisamente, na fronteira entre catinga e a areia, onde os índios ainda habitam. É um lugar simplesmente surreal, onde parece haver uma constante luta entre as areias e uma terra escura em que cresce uma fraca vegetação rasteira fustigada pelo Sol. Me pus de pé bem na divisa do combate e olhei primeiro para a direita, depois para a esquerda, e para qualquer lado que se olhe a divisão se estende por quilômetros. Minha equipe para a presente expedição arqueológica fora financiada pela senhorita Aura, uma linda mulher britânica que entrou em contato diretamente com a curadoria do museu em que trabalho para nos financiar. Mas, pensando bem, seu nome, Aura, me parece estranho, não sei se é mesmo um nome britânico, tem muito mais uma pronuncia românica ou até oriental; é, acho que deve ser isso mesmo, até seus olhos têm o mesmo ar asiático, sendo levemente puxados mas, seu cabelo castanho claro, quase louro, também me lembra alguém de ascendência europeia. Realmente, é uma mulher incomum. Mas qual é o nosso objetivo?
Ora, não seria outro senão explorar a suposta Pirâmide de Ouro que muitos dizem se erguer imponente em meio a areia, no centro do Deserto Amazônico!
Mesmo ainda estando apenas as portas e não dentro do deserto em si, o calor era avassalador, o simples ato de pisar na areia a frente era o suficiente para se afundar até as canelas, imagine então caminhar por três dias, deserto a dentro tendo de se suportar os pés afundando neste inferno. Quisera eu ter camelos para nos levarem, mas não estamos no oriente. Havia também um vento cortante que castigava a pele, além da própria luz mortal do Sol que queima tudo o que se banha nela. Mas nenhum destes foram motivos, segundo o piloto (um homem velho e barrigudo que cheirava a álcool), de não nos deixar mais para dentro do deserto, em suas palavras:
– Esta área tem sido palco de coisas muito estranhas, todos os zepelins que o sobrevoam jamais retornam.
O velho também disse que há algum tipo de demônio sob as areias, pobre tolo supersticioso!
Mas agora vejo que ele não está sozinho em sua loucura, nossa patrocinadora, a linda mulher de vermelho e cabelos claros que nos acompanha trouxe consigo cinco empregados, todos de boa aparência e braços fortes para carregarem nossas malas, porém, quando se viram as portas do deserto, os incompetentes simplesmente levantaram acampamento, isto é, armaram NOSSAS barracas, quatro das cinco que trouxemos para acampar do lado de fora da pirâmide quando a encontrássemos e depois de fazê-lo, se recusaram a seguir viagem. Nunca fui suficientemente esclarecido no idioma inglês, fora o fato de que a senhorita Aura também se recusou a traduzir o que diziam os homens apavorados, mas pude entender claramente duas palavras:
– “She-devil”.
Repetidas várias e várias vezes freneticamente. Para nosso alívio naquele momento, mas também para nossa futura desgraça, um homem de aspecto ainda mais carrancudo e botas de couro, o segurança de minha empregadora, se prontificou a recolher alguns equipamentos e nos acompanhar mesmo assim, mas olhando bem, visivelmente era diferente dos outros, parecia ainda mais rude e, ao mesmo tempo, mais culto, mas com isso quero dizer que não parecia em nada supersticioso. Quando perguntei, o rapaz me respondeu como se chamava, mas não pude compreender suas palavras, além do mais, sua expressão de poucos amigos me fez desistir de questioná-lo novamente, fiquei apenas com o que pude entender vagamente, algo como Aleguero... resolvi que não me dirigiria a ele outra vez até que ouvisse a senhorita chamá-lo pelo nome.
Deixamos quase todos os equipamentos para trás e, sob as estridentes, porém gentis, ordens de Aura, o outro e eu nos ocupamos de apanhar tantos cantis de água quanto pudemos. Enquanto trabalhávamos algo chamou minha atenção: não posso dizer com certeza, porém, creio que vi aquele homem apanhar, de dentro de uma das caixas, um objeto que possuía a silhueta de uma arma de fogo, será que ele espera enfrentar realmente algum demônio no coração do deserto?
Aura, por sua vez, era delicada demais para carregar qualquer coisa, então apenas apanhou um enorme chapéu que parecia mexicano, certamente obtido em suas viagens pelo mundo, lamentando o fato de que, se caminhasse por muito tempo no deserto, o Sol certamente tingiria seus cabelos de negro. Não andamos por muito tempo e logo se tornou impossível para a moça nos acompanhar, mas ela não era a única a ter problemas, o vento nos atirava tão violentamente milhares de grãos de areia ao rosto e de tal forma que pareciam muito mais como pedradas, até nossas roupas já haviam se tornado pesadas devido ao acumulo do pó dourado. Sequer víamos com clareza o Sol se escondendo as nossas costas, então Aleguero, se é que se chama mesmo assim, e eu, armamos uma das pequenas barracas com grande dificuldade devido ao forte vento; assim que pronta, Aura entrou e se abrigou, em seguida foi minha vez, então segurei a “porta” para que nosso companheiro entrasse também a fim de fugir dos ventos, mas ele não o fez, ao contrário, sinalizou para que fechássemos a tenda e resmungando algo quanto a condição financeira da moça ter haver com suas capacidades, se dirigiu para longe, se sentando no meio da areia em plena tempestade.
O barulho do vento era tamanho que, depois de ter se afastado, mesmo que quiséssemos fazê-lo, de modo algum se poderia ouvir o que estava dizendo lá fora. A senhorita Aura, com um rosto gentil e preocupado, questionava-se a todo momento se nosso companheiro estaria bem.
Apenas uns poucos minutos haviam se passado, e a barraca já ameaçava sair voando, não importando se nós dois estávamos dentro dela ou não; o vento custou a diminuir sua fúria, e foi quando tudo já estava quase passando, mesmo instante em que a aquela delicada dama estava quase adormecendo, já que se encontrava exausta da caminhada, que, subitamente, a brisa voltou a se irritar, mas, desta vez foi bem diferente, pois, trouxe consigo sons muito incomuns; Aura e eu ficamos muito confusos, porque simplesmente ouvíamos passos nas dunas, como que, pisando pesadamente e se enterrando no meio da areia, a princípio julgamos ser nosso carregador, mas a medida que o vento aumentava, mais e mais sons de passos apareciam em todas as direções, quantas pessoas caminhavam no deserto além de nós?
Será que aquele piloto estaria certo em dizer que o local era assombrado, ou eram apenas os outros carregadores que mudaram de ideia e nos seguiram empurrados pelo remorso?
– Só podem ser eles mesmos, aqueles inúteis sentiram saudades de sua bela senhora, afinal de contas, estou lhes pagando um bom dinheiro!
Aura ficou indignada e com razão, quem abandonaria tão doce senhorita em meio a um lugar inóspito como este?
Ela já havia aberto metade do zíper da tenda, quando se ergueu, junto aos sons de passos, o choro de uma mulher, um som simplesmente ensurdecedor; Aura paralisou imediatamente, como se houvesse sido congelada no tempo, e, mesmo igualmente apavorado, precisei intervir e fechar novamente a barraca. A garota então, se encolheu e estremeceu diante dos lamentos que, hora pareciam chorar em pura agonia, hora pareciam rir com maldade; a senhorita ficou tão transtornada que, de forma alguma, me permitiu sair da barraca, nem sequer espiar o que sucedia do lado de fora, ela se agarrou a mim em todas as vezes que fiz menção de tentar novamente averiguar aquela situação, de modo que, permanecemos atormentados por toda uma noite de incertezas…
A madrugada custou a passar, finalmente veio o sono, mas apenas a senhorita Aura dorme enquanto escrevo estas palavras; tudo está silencioso, e certamente, esperaremos até sermos atingidos pela luz do Sol antes de pensar em sair daqui e procurar pelo corpo de Aleguero…
Ora, não seria outro senão explorar a suposta Pirâmide de Ouro que muitos dizem se erguer imponente em meio a areia, no centro do Deserto Amazônico!
Mesmo ainda estando apenas as portas e não dentro do deserto em si, o calor era avassalador, o simples ato de pisar na areia a frente era o suficiente para se afundar até as canelas, imagine então caminhar por três dias, deserto a dentro tendo de se suportar os pés afundando neste inferno. Quisera eu ter camelos para nos levarem, mas não estamos no oriente. Havia também um vento cortante que castigava a pele, além da própria luz mortal do Sol que queima tudo o que se banha nela. Mas nenhum destes foram motivos, segundo o piloto (um homem velho e barrigudo que cheirava a álcool), de não nos deixar mais para dentro do deserto, em suas palavras:
– Esta área tem sido palco de coisas muito estranhas, todos os zepelins que o sobrevoam jamais retornam.
O velho também disse que há algum tipo de demônio sob as areias, pobre tolo supersticioso!
Mas agora vejo que ele não está sozinho em sua loucura, nossa patrocinadora, a linda mulher de vermelho e cabelos claros que nos acompanha trouxe consigo cinco empregados, todos de boa aparência e braços fortes para carregarem nossas malas, porém, quando se viram as portas do deserto, os incompetentes simplesmente levantaram acampamento, isto é, armaram NOSSAS barracas, quatro das cinco que trouxemos para acampar do lado de fora da pirâmide quando a encontrássemos e depois de fazê-lo, se recusaram a seguir viagem. Nunca fui suficientemente esclarecido no idioma inglês, fora o fato de que a senhorita Aura também se recusou a traduzir o que diziam os homens apavorados, mas pude entender claramente duas palavras:
– “She-devil”.
Repetidas várias e várias vezes freneticamente. Para nosso alívio naquele momento, mas também para nossa futura desgraça, um homem de aspecto ainda mais carrancudo e botas de couro, o segurança de minha empregadora, se prontificou a recolher alguns equipamentos e nos acompanhar mesmo assim, mas olhando bem, visivelmente era diferente dos outros, parecia ainda mais rude e, ao mesmo tempo, mais culto, mas com isso quero dizer que não parecia em nada supersticioso. Quando perguntei, o rapaz me respondeu como se chamava, mas não pude compreender suas palavras, além do mais, sua expressão de poucos amigos me fez desistir de questioná-lo novamente, fiquei apenas com o que pude entender vagamente, algo como Aleguero... resolvi que não me dirigiria a ele outra vez até que ouvisse a senhorita chamá-lo pelo nome.
Deixamos quase todos os equipamentos para trás e, sob as estridentes, porém gentis, ordens de Aura, o outro e eu nos ocupamos de apanhar tantos cantis de água quanto pudemos. Enquanto trabalhávamos algo chamou minha atenção: não posso dizer com certeza, porém, creio que vi aquele homem apanhar, de dentro de uma das caixas, um objeto que possuía a silhueta de uma arma de fogo, será que ele espera enfrentar realmente algum demônio no coração do deserto?
Aura, por sua vez, era delicada demais para carregar qualquer coisa, então apenas apanhou um enorme chapéu que parecia mexicano, certamente obtido em suas viagens pelo mundo, lamentando o fato de que, se caminhasse por muito tempo no deserto, o Sol certamente tingiria seus cabelos de negro. Não andamos por muito tempo e logo se tornou impossível para a moça nos acompanhar, mas ela não era a única a ter problemas, o vento nos atirava tão violentamente milhares de grãos de areia ao rosto e de tal forma que pareciam muito mais como pedradas, até nossas roupas já haviam se tornado pesadas devido ao acumulo do pó dourado. Sequer víamos com clareza o Sol se escondendo as nossas costas, então Aleguero, se é que se chama mesmo assim, e eu, armamos uma das pequenas barracas com grande dificuldade devido ao forte vento; assim que pronta, Aura entrou e se abrigou, em seguida foi minha vez, então segurei a “porta” para que nosso companheiro entrasse também a fim de fugir dos ventos, mas ele não o fez, ao contrário, sinalizou para que fechássemos a tenda e resmungando algo quanto a condição financeira da moça ter haver com suas capacidades, se dirigiu para longe, se sentando no meio da areia em plena tempestade.
O barulho do vento era tamanho que, depois de ter se afastado, mesmo que quiséssemos fazê-lo, de modo algum se poderia ouvir o que estava dizendo lá fora. A senhorita Aura, com um rosto gentil e preocupado, questionava-se a todo momento se nosso companheiro estaria bem.
Apenas uns poucos minutos haviam se passado, e a barraca já ameaçava sair voando, não importando se nós dois estávamos dentro dela ou não; o vento custou a diminuir sua fúria, e foi quando tudo já estava quase passando, mesmo instante em que a aquela delicada dama estava quase adormecendo, já que se encontrava exausta da caminhada, que, subitamente, a brisa voltou a se irritar, mas, desta vez foi bem diferente, pois, trouxe consigo sons muito incomuns; Aura e eu ficamos muito confusos, porque simplesmente ouvíamos passos nas dunas, como que, pisando pesadamente e se enterrando no meio da areia, a princípio julgamos ser nosso carregador, mas a medida que o vento aumentava, mais e mais sons de passos apareciam em todas as direções, quantas pessoas caminhavam no deserto além de nós?
Será que aquele piloto estaria certo em dizer que o local era assombrado, ou eram apenas os outros carregadores que mudaram de ideia e nos seguiram empurrados pelo remorso?
– Só podem ser eles mesmos, aqueles inúteis sentiram saudades de sua bela senhora, afinal de contas, estou lhes pagando um bom dinheiro!
Aura ficou indignada e com razão, quem abandonaria tão doce senhorita em meio a um lugar inóspito como este?
Ela já havia aberto metade do zíper da tenda, quando se ergueu, junto aos sons de passos, o choro de uma mulher, um som simplesmente ensurdecedor; Aura paralisou imediatamente, como se houvesse sido congelada no tempo, e, mesmo igualmente apavorado, precisei intervir e fechar novamente a barraca. A garota então, se encolheu e estremeceu diante dos lamentos que, hora pareciam chorar em pura agonia, hora pareciam rir com maldade; a senhorita ficou tão transtornada que, de forma alguma, me permitiu sair da barraca, nem sequer espiar o que sucedia do lado de fora, ela se agarrou a mim em todas as vezes que fiz menção de tentar novamente averiguar aquela situação, de modo que, permanecemos atormentados por toda uma noite de incertezas…
A madrugada custou a passar, finalmente veio o sono, mas apenas a senhorita Aura dorme enquanto escrevo estas palavras; tudo está silencioso, e certamente, esperaremos até sermos atingidos pela luz do Sol antes de pensar em sair daqui e procurar pelo corpo de Aleguero…
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