Sobre um certo vizinho...
Era uma manhã qualquer quando um novo vizinho chegou, com sorrisos tímidos e uma bagagem cheia de livros. Em um cochicho rápido, a outra vizinha me confidenciou que ele era um contador de histórias – o mesmo ofício que um dia já foi o meu. Da minha casa, a janela virou palco, e a dele, plateia silenciosa. Eu recitava meus versos em voz alta, enquanto ele, do jardim, se perdia na contemplação das flores.
Ao início da tarde, um simples aceno do meu jardim, e lá de longe, eu lhe mostrava os versos que habitavam minha casa: as rimas nos telhados, a poesia que se escondia nas sombras. Você olhou, viu de leve, mas logo voltou para dentro. No entardecer, sua casa permanecia fechada. Do meu quarto, peguei um espelho, lancei feixes de luz e criei uma constelação de metáforas, naquele crepúsculo que se despedia. Nenhuma porta se abriu. Nenhuma janela. Minha poesia, aquela que mora nas sombras do meu lar, não o alcançou.
Ele, que não ouve os ecos da minha prosa, parece não perceber. Onde estava você naquela noite? Pergunto em silêncio. E, aqui, sigo escrevendo.
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