Cruz e Sousa
João da Cruz e Sousa foi um poeta brasileiro. Com a alcunha de Dante Negro ou Cisne Negro, foi um dos precursores do simbolismo no Brasil.
1861-11-24 Desterro, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
1898-03-19 Sítio, Brasil
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A ironia dos vermes
Eu imagino que és uma princesa
Morta na flor da castidade branca...
Que teu cortejo sepulcral arranca
Por tanta pompa espasmos de surpresa.
Que tu vais por um coche conduzida,
Por esquadrões flamívomos guardada,
Como carnal e virgem madrugada,
Bela das belas, sem mais sol, sem vida.
Que da Corte os luzidos Dignitários
Com seus aspectos marciais, bizarros,
Seguem-te após nos fagulhantes, carros
E a excelsa cauda dos cortejos vários.
Que a tropa toda forma nos caminhos
Por onde irás passar indiferente;
Que há no semblante vão de toda a gente
Curiosidades que parecem vinhos.
Que os potentes canhões roucos atroam
O espaço claro de uma tarde suave,
E que tu vais, Lírio dos lírios e ave
Do Amor, por entre os sons que te coroam.
Que nas flores, nas sedas, nos veludos,
E nos cristais do féretro radiante
Nos damascos do Oriente, na faiscante
Onda de tudo há longos prantos mudos.
Que do silêncio azul da imensidade,
Do perdão infinito dos Espaços
Tudo te dá os beijos e os abraços
Do seu adeus a tua Majestade.
Que de todas as coisas como Verbo
De saudades sem termo e de amargura,
Sai um adeus a tua formosura,
Num desolado sentimento acerbo
Que o teu corpo de luz, teu corpo amado,
Envolto em finas e cheirosas vestes,
Sob o carinho das Mansões celestes
Ficará pela Morte encarcerado.
Que o teu séquito é tal, tal a coorte,
Tal o sol dos brasões, por toda a parte,
Que em vez da horrenda Morte suplantar-te
Crê-se que és tu que suplantaste a Morte.
Mas dos faustos mortais a regia trompa,
Os grandes ouropéis, a real Quermesse,
Ah! tudo, tudo proclamar parece
Que hás de afinal apodrecer com pompa.
Como que foram feitos de luxúria
E gozo ideal teus funerais luxuosos
Para que os vermes, pouco escrupulosos,
Não te devorem com plebéia fúria.
Para que eles ao menos vendo as belas
Magnificências do teu corpo exausto
Mordam-te com cuidados e cautelas
Para o teu corpo apodrecer com fausto.
Para que possa apodrecer nas frias
Geleiras sepulcrais d'esquecimentos,
Nos mais augustos apodrecimentos,
Entre constelações e pedrarias.
Mas ah! quanta ironia atroz, funérea,
Imaginária e cândida Princesa:
És igual a uma simples camponesa
Nos apodrecimentos da Matéria!
Morta na flor da castidade branca...
Que teu cortejo sepulcral arranca
Por tanta pompa espasmos de surpresa.
Que tu vais por um coche conduzida,
Por esquadrões flamívomos guardada,
Como carnal e virgem madrugada,
Bela das belas, sem mais sol, sem vida.
Que da Corte os luzidos Dignitários
Com seus aspectos marciais, bizarros,
Seguem-te após nos fagulhantes, carros
E a excelsa cauda dos cortejos vários.
Que a tropa toda forma nos caminhos
Por onde irás passar indiferente;
Que há no semblante vão de toda a gente
Curiosidades que parecem vinhos.
Que os potentes canhões roucos atroam
O espaço claro de uma tarde suave,
E que tu vais, Lírio dos lírios e ave
Do Amor, por entre os sons que te coroam.
Que nas flores, nas sedas, nos veludos,
E nos cristais do féretro radiante
Nos damascos do Oriente, na faiscante
Onda de tudo há longos prantos mudos.
Que do silêncio azul da imensidade,
Do perdão infinito dos Espaços
Tudo te dá os beijos e os abraços
Do seu adeus a tua Majestade.
Que de todas as coisas como Verbo
De saudades sem termo e de amargura,
Sai um adeus a tua formosura,
Num desolado sentimento acerbo
Que o teu corpo de luz, teu corpo amado,
Envolto em finas e cheirosas vestes,
Sob o carinho das Mansões celestes
Ficará pela Morte encarcerado.
Que o teu séquito é tal, tal a coorte,
Tal o sol dos brasões, por toda a parte,
Que em vez da horrenda Morte suplantar-te
Crê-se que és tu que suplantaste a Morte.
Mas dos faustos mortais a regia trompa,
Os grandes ouropéis, a real Quermesse,
Ah! tudo, tudo proclamar parece
Que hás de afinal apodrecer com pompa.
Como que foram feitos de luxúria
E gozo ideal teus funerais luxuosos
Para que os vermes, pouco escrupulosos,
Não te devorem com plebéia fúria.
Para que eles ao menos vendo as belas
Magnificências do teu corpo exausto
Mordam-te com cuidados e cautelas
Para o teu corpo apodrecer com fausto.
Para que possa apodrecer nas frias
Geleiras sepulcrais d'esquecimentos,
Nos mais augustos apodrecimentos,
Entre constelações e pedrarias.
Mas ah! quanta ironia atroz, funérea,
Imaginária e cândida Princesa:
És igual a uma simples camponesa
Nos apodrecimentos da Matéria!
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