Alguns Poemas

DIA III

É o início da noite do terceiro dia, o qual, já deveríamos ter chegado a pirâmide, mas acho que perdemos muito tempo parando para que a senhorita descansasse. Embora estejamos atrasados, não foi uma perda total. Mas as coisas estranhas parecem que nunca acabam por aqui: já nas últimas horas da tarde, as areias sob nossos pés subitamente me pareceram mais quentes e densas do que antes, ou talvez fosse pelo fato de estarmos escalando grandes dunas, como se o deserto estivesse se transformando numa grande cadeia de montanhas que se deslocam com o vento. Subimos morros de areia, descemos morros, e a cada um deles, o pensamento de proteger a senhorita e de jogar Alighieri lá do alto me via a cabeça, mas isso de nada adiantaria pois, a menos que ele queimasse seus olhos ao afundar na areia quente, uma queda naquele ouro tão macio não poria fim a sua vida. Antes disso, eu precisaria dar um jeito de lhe tomar a arma que carrega na cintura. Ele, por sua vez, apertava seus olhos olhando em direção da senhorita, a cada pensamento destrutivo que me aparecia, era como se alguma força sobrenatural lhe dissesse quais eram minhas intenções e, por isso, o homem ameaçava a dama com seu olhar, maldito seja, como pode saber o que estive pensando?

 Enquanto escalávamos, mais procurei aumentar a distância entre ele e Aura e eu, mesmo com os pedidos da dama para que não o deixássemos seguir em frente sozinho, pois, poderia ser perigoso; tamanha era sua bondade e preocupação que, pelo resto do dia, me esqueci de minhas desconfianças (justificadas) quanto a Alighieri; mas o Sol ainda era tremendamente insuportável, não era nossa imaginação, realmente estava mais quente do que ontem, até o vento parecia queimar nossos rostos enquanto passava e, devido ao calor, acho que todos nós, nos pusemos a alucinar descontroladamente, por um instante tudo me pareceu escurecer, e eu teria desmaiado se Aura não tivesse chamado por mim e posto sua mão sobre meu ombro.

– Eu estou bem senhorita, é apenas o calor que me fez sentir um pouco de tontura – falei.

– Tome mais cuidado, doutor – respondeu ela – agora vamos, precisamo alcançar Alighieri, ele poderia cair também a qualquer momento.

 Sem dúvida sua bondade não tinha limites, então, num esforço para atender imediatamente seu desejo, voltei meus olhos em direção a Alighieri, apenas para me espantar com o que veria, ele estava ajoelhado, como se estivesse orando, bem no alto de uma duna; em instantes, sua voz nos alcançou, e o ouvimos chamando por uma deusa, mas era estranho, se, de fato, falava de Aura, então por que ele não lhe virava o rosto, por que, em vez disso, Alighieri olhava em direção ao coração do deserto?

 A voz de seu clamor, amplificada pelas formas côncavas das dunas, pareceu evocar as lembranças de minha primeira alucinação, e novamente, o ar se encheu de um clamor agourento e uma voz de mulher, fria e sem vida, me pareceu responder ao chamado daquele que se ajoelhara no alto da duna; mas Aura, parecia não ouvir nada, não, ela também estava presa em sua própria fantasia, pois, subitamente seu olhar me pareceu como que, cheia de orgulho de si mesma ao ver que dois pretendentes a disputavam:

– Vi como vocês têm se encarado, estão brigando por minha causa professor?

– É claro que não senhorita, não é nada disso – tentei argumentar – apenas estou preocupado com o que ele possa fazer, o sujeito é um mal caráter, seria bom que nos perdêssemos dele o quanto antes…

– Não precisa acusá-lo, eu os ouvi ontem a noite, ouvi o que ele disse, mas de forma alguma me interessaria um homem tão carrancudo e marcado pelo Sol como ele, quando chegarmos lá, ele não terá mais utilidade, por outro lado, é em você que devo prestar atenção…

– Fico lisonjeado, sei que a senhorita vem da mais alta classe, e é por isso que se mostra desacostumada a caminhar grandes distâncias sob o Sol, mas o que ocorreu entre nós foi um erro…

 Alighieri parou de rezar e, tão rápido como as alucinações viera, se foram, dando lugar a uma senhorita absolutamente transtornada a minha frente que me perguntava:

– Como assim um erro?

– O que pensa que ocorreu entre nó…

 Suas palavras porém, se perderam sem serem ditas, Aura apontou boquiaberta para o horizonte e me pareceu que agora haviam dois sois no céu, um bem atrás de nós, se pondo, mas ainda irradiando um calor mortal, e outro brilhando fracamente por trás das grandes dunas, certamente este era o reflexo da Pirâmide Dourada, finalmente ela estava a poucos momentos de caminhada de nós mas, infelizmente, o Sol se poria em instantes. Só o que pudemos fazer foi observar seu brilho desaparecer quase instantaneamente e, em seguida, na verdade, imediatamente após, sentir a súbita queda de temperatura, a qual, nos permitiu pensar com mais clareza e procurar Alighiere pela escuridão mas, felizmente, procuramos em vão, tomara que tenha caído de uma duna e quebrado o pescoço!

 Confesso que, ascender uma fogueira é mais difícil do que parece, como aquele homem conseguia fazer tão rápido?

 Perdi mais uma hora combatendo contra aquela pederneira para ascender o fogo para as batatas, então apanhei meu diário novamente e me pus a registrar estas palavras. Mas preciso pensar no que fazer, se ainda estiver vivo, amanhã será minha última chance de detê-lo, terei poucas horas antes de chegarmos a pirâmide para encontrá-lo!

DIA II

Já é noite novamente, gastamos quase toda a nossa água já no início da viagem devido ao calor e ainda precisamos cozinhar as batatas que trouxemos para o jantar. Ainda nos resta mais um dia inteiro de caminhada, penso que teremos de reutilizar a água das batatas amanhã. Ao menos, diferente de ontem, uma brisa fria, porém agradável, sopra ao nosso redor, não há nenhum som de passos, nenhum grito cortando o ar, há apenas areia, pra onde quer que se olhe um oceano dourado reluz. Quisera eu que fosse realmente ouro, se assim fosse, encheria meus bolsos dele e iria embora imediatamente.
 Embora tenha me perguntado durante todo o dia, se a noite passada realmente aconteceu ou se fora um efeito alucinógeno causado pela insolação que devo ter pegado neste deserto, ainda mais estranho do que os lamentos que ouvimos à noite, foi a manhã: ainda tremendo de espanto, Aura e eu abrimos o zíper da barraca, na verdade, levamos mais de quinze minutos só pra abri-la completamente, depois mais algum tempo se passou antes que tivéssemos coragem de dar uma breve espiada no que poderia haver do lado de fora, e para nossa imensa surpresa, não havia nada!
 Apenas demos de cara com Aleguero, que estava dormindo aos roncos com suas roupas meio amassadas e cobertas “com toneladas” de areia, bem do lado de um punhado de gravetos parcialmente queimados, o que nos deixou chocados, afinal de contas, como em nome de Deus aquele homem conseguiu manter o fogo aceso com tamanha tempestade, com tamanha loucura do além a sua volta?
 Será que não ouvira o mesmo que nós, será que imaginamos tudo aquilo?
 Será que EU imaginei ou sonhei com os acontecimentos?
 Assim que pisamos para fora da barraca, o homem acordou com um sobressalto, mas levou ainda uns segundos para se levantar; ao fazê-lo, Aleguero contemplou a cena, em que via Aura e a mim saindo de uma barraca tão pequena e quase agarrados um ao outro e isso, somado aos olhares desconfiados dela, também não ajudaram em nada para contradizer os pensamentos do rapaz que, logo exibiu um rosto simplesmente malicioso. Ele não disse nada a princípio, apenas quando questionei se havia ouvido também os lamentos agourentos da noite, é que começou a rir descontroladamente antes de comentar:
– Lamentos agourentos?
– Achei que a madame gritava por outra coisa!
 Em seguida se virou para Aura e falou em alto e bom som:
– Hei senhorita, ele é tão ruim assim de cama a ponto de fazê-la chorar?
– Por que não me deixa cuidar de ti esta noite?
– Garanto que a satisfarei muito melhor do que este doutor almofadinha aqui, olhe pra ele, de terno em pleno Deserto Amazônico!
– Como ousa falar assim de uma dama tão digna – vociferei – ela jamais se sujeitaria a este tipo de coisa!
 Indignado, me virei e me afastei imediatamente, fui em direção a senhorita Aura, como que para dizer que não desse ouvidos a aquele homem, mas a vi me olhando com desconfiança pelo canto dos olhos, com o rosto baixo e a mão esquerda sobre a testa. A moça se afastou de mim em seguida. Alguns minutos depois, enquanto recolhíamos as coisas para iniciar a caminhada novamente, a intimei a falar sobre os gritos que ouvimos a noite mas, por um instante, ela pareceu meio que fora do ar, até que caiu em si novamente se pôs a murmurar enquanto corava:
– Foi um erro… foi um erro… um terrível erro!
 Depois saiu correndo para longe, carregando apenas seu chapéu e um cantil com água de batatas. Ainda muito confuso com a cena, acompanhei apreensivo Aleguero, recolhendo as coisas, depois seguimos a caminhada.
 Observei a bela Aura mais uns instantes, era como se nada de estranho tivesse ocorrido, pelo contrário, parecia que a moça estava terrivelmente envergonhada, como se houvesse feito algo que não devia… diante disto, volto a me questionar: será que tudo aquilo, todos aqueles gritos e “fantasmas”, tudo foi apenas um sonho?
 Deixe-me ver: estive por toda a noite numa barraca com a gentil senhorita Aura e, em todas as vezes que falamos, ela mal me olhou nos olhos. Está me parecendo muito envergonhada com algo, isso somado as constantes piadas sujas feitas por nosso carregador, o que posso concluir de tudo isso?
 Sou um homem casado e amo minha esposa mas, será que fizemos algo pelo qual me arrependi, em seguida construí toda uma fantasia repleta de temores e maldições ao redor do fato?
 Sem dúvida alguma, esta é a explicação, tem que ser!
 Me parece mesmo com algo que aquele famoso psiquiatra que as vezes sai nos jornais, o tal Sigmund Freud, concordaria, segundo ele, tudo se resume a sexo e, é claro, que a culpa pelo que fizemos mexeu também com minha sanidade!
 Minhas palavras estão fazendo algum sentido?
 Nem sei mais por que continuo escrevendo isto, acho que apenas preciso me focar em algo, então, por hora, me concentrarei na busca que há a frente, me esforçarei para chegar até a pirâmide sem nenhuma distração, não mais compartilharei a barraca com a senhorita, para que não venha a cometer o mesmo e terrível engano!

 A tarde a seguir, foi tão normal quanto se podia ser, isto é, levando-se em conta que estávamos caminhando para dentro de um infernal deserto. Vez ou outra, precisamos parar para que a delicada Aura descansasse por algum tempo e, foi num destes descansos, em que o rapaz havia se deslocado para o alto de uma das grandes dunas que começavam a aparecer, para buscar uma visão mais ampla do lugar, que perguntei a moça, de maneira absolutamente profissional e educada, sem sequer me aproximar muito:

– O que sabe sobre este homem senhorita?

– Aleguero, acho que este é o nome dele.

 Ela riu em voz baixa, e fez menção de se aproximar, mas, vendo meu desconforto – pelo que lamento tê-la feito sentir – apenas colocou sua mão esquerda ao lado da boca, como se tivesse a intenção de amplificar seus sussurros:

– Não sei mais do que sua nacionalidade: ele é florentino, foi indicado pelo meu avô como um guarda-costas para esta expedição e eu aceitei.

– Mas, ao vê-lo, um dos carregadores me contou que se tratava de um homem de fama perturbadora, me contou uma história tão absurda que julguei ser uma mera artimanha para diminuir o número de pessoas nesta viagem, afinal de contas, parte do pagamento que prometemos, seria 0,1% dos lucros da expedição divididos para todos da equipe, com menos integrantes, maior seria sua parcela, foi isso o que pensei.

 Então lhe questionei sobre a tal história que havia ouvido sobre nosso companheiro e foi isso o que ela disse:

– O rapaz me falou sobre uma expedição, a um antigo templo asteca, no México, onde um burguês estava interessado numa estátua de uma deusa, ou uma virgem, ou o que quer que fosse, não me lembro ao certo agora mas, este homem era o encarregado da segurança da equipe, já que na região haviam muitos contrabandistas.

– Eles realmente chegaram ao templo, pelo que parece, ao todo eram quinze pessoas, mas ninguém voltou de lá!

– Foram todos mortos de uma maneira tão absurdamente brutal que ninguém soube explicar o fato, este homem, o nosso carregador, foi o único sobrevivente, logo depois foi apelidado de Alighieri, devido aos relatos de demônios e monstros que trouxe a tona, isso ocorreu mais ou menos a sete anos…

 Passei o resto do dia ainda mais perdido do que a manhã, estive pensando nesta história até agora, quando escrevo estas palavras. Ainda assim, tão perturbadora quanto possa ter sido a história que a senhorita contou, meus próprios devaneios ainda se sobressaem em minha mente: será mesmo que sonhei com todos aqueles gritos agourentos devido a culpa pelo meu pecado, ou foi o próprio Alighiere que trouxe a tona todas as maldições dos nove círculos do inferno, tal qual os bêbados temem?

 Me pergunto se ele planeja fazer o mesmo que fez naquela vez conosco, isto é, com Aura e comigo. Aquela conversa não adiantou de nada, senão para atiçar ainda mais minha loucura. Mas foi então que pus meus olhos firmemente naquele homem, seu olhar, desde o início me pareceu frio, como alguém que passou por muito sofrimento e, mesmo no escuro da noite e a luz de uma fraca fogueira, percebi, com receio, que ele levava as mãos ao cinturão pelo menos uma vez a cada minuto, conferindo se sua arma ainda estava no lugar e se estaria também pronta a ser usada.





 É estranho, ainda é madrugada e já não tenho sono, creio ter sido aquele sonho que me despertou: sonhei com uma linda mulher, quase tão linda quanto a senhorita, seus cabelos eram negros como a noite e seus olhos brilhantes como o Sol, sua pele era tão suave como a primavera e tinha um jeito arrebatador de caminhar. No sonho, ela vinha em minha direção vestida toda de cetim branco, desde o alto de uma Pirâmide Dourada, até a relva verde em que estive caminhando sob grandes árvores. Então ela falou comigo, me chamou pelo nome com a mais doce voz que já ouvi, e, ainda agora, enquanto escrevo, a ouço, me contando sobre o lugar de onde vinha, e que também me mostraria coisas incríveis, segredos escondidos além da realidade humana, num lugar chamado Abaddon.

 Mas isto não foi o mais estranho, o que realmente me assustou foi o que me disse Alighiere, quase imediatamente ao momento em que saí para respirar, após ter acordado:

– Esqueça isso doutor, você já teve sua chance noite passada, mas o que fez com ela?

– Ficou assustado como um gatinho, você não é homem suficiente, mas eu sim, não me deixo levar por alucinações de um deserto apenas por falar com a mais bela das deusas!

 Então seu olhar me pareceu tão absurdamente maligno e, ao mesmo tempo, suplicante, que temi lhe responder, apenas fingi não saber do que falava, o que não adiantou de muito, pois o homem ainda sussurrou:

– Amanhã, não fique entre nós ou o matarei, ela será minha!

 Eu soube imediatamente o que ele pretendia fazer com a senhorita, mas naquele momento, nada fiz, pois, percebi sua mão pousada sobre a cintura, tateando a arma novamente. Não posso deixar que sua intenção se concretize, antes de chegarmos a pirâmide terei de fazer alguma coisa, nem que seja matá-lo, preciso cuidar de Aura!

DIA I

Pousamos ontem ao sul do Deserto Amazônico, mais precisamente, na fronteira entre catinga e a areia, onde os índios ainda habitam. É um lugar simplesmente surreal, onde parece haver uma constante luta entre as areias e uma terra escura em que cresce uma fraca vegetação rasteira fustigada pelo Sol. Me pus de pé bem na divisa do combate e olhei primeiro para a direita, depois para a esquerda, e para qualquer lado que se olhe a divisão se estende por quilômetros. Minha equipe para a presente expedição arqueológica fora financiada pela senhorita Aura, uma linda mulher britânica que entrou em contato diretamente com a curadoria do museu em que trabalho para nos financiar. Mas, pensando bem, seu nome, Aura, me parece estranho, não sei se é mesmo um nome britânico, tem muito mais uma pronuncia românica ou até oriental; é, acho que deve ser isso mesmo, até seus olhos têm o mesmo ar asiático, sendo levemente puxados mas, seu cabelo castanho claro, quase louro, também me lembra alguém de ascendência europeia. Realmente, é uma mulher incomum. Mas qual é o nosso objetivo?

 Ora, não seria outro senão explorar a suposta Pirâmide de Ouro que muitos dizem se erguer imponente em meio a areia, no centro do Deserto Amazônico!

 Mesmo ainda estando apenas as portas e não dentro do deserto em si, o calor era avassalador, o simples ato de pisar na areia a frente era o suficiente para se afundar até as canelas, imagine então caminhar por três dias, deserto a dentro tendo de se suportar os pés afundando neste inferno. Quisera eu ter camelos para nos levarem, mas não estamos no oriente. Havia também um vento cortante que castigava a pele, além da própria luz mortal do Sol que queima tudo o que se banha nela. Mas nenhum destes foram motivos, segundo o piloto (um homem velho e barrigudo que cheirava a álcool), de não nos deixar mais para dentro do deserto, em suas palavras:

– Esta área tem sido palco de coisas muito estranhas, todos os zepelins que o sobrevoam jamais retornam.

 O velho também disse que há algum tipo de demônio sob as areias, pobre tolo supersticioso!

 Mas agora vejo que ele não está sozinho em sua loucura, nossa patrocinadora, a linda mulher de vermelho e cabelos claros que nos acompanha trouxe consigo cinco empregados, todos de boa aparência e braços fortes para carregarem nossas malas, porém, quando se viram as portas do deserto, os incompetentes simplesmente levantaram acampamento, isto é, armaram NOSSAS barracas, quatro das cinco que trouxemos para acampar do lado de fora da pirâmide quando a encontrássemos e depois de fazê-lo, se recusaram a seguir viagem. Nunca fui suficientemente esclarecido no idioma inglês, fora o fato de que a senhorita Aura também se recusou a traduzir o que diziam os homens apavorados, mas pude entender claramente duas palavras:

– “She-devil”.

 Repetidas várias e várias vezes freneticamente. Para nosso alívio naquele momento, mas também para nossa futura desgraça, um homem de aspecto ainda mais carrancudo e botas de couro, o segurança de minha empregadora, se prontificou a recolher alguns equipamentos e nos acompanhar mesmo assim, mas olhando bem, visivelmente era diferente dos outros, parecia ainda mais rude e, ao mesmo tempo, mais culto, mas com isso quero dizer que não parecia em nada supersticioso. Quando perguntei, o rapaz me respondeu como se chamava, mas não pude compreender suas palavras, além do mais, sua expressão de poucos amigos me fez desistir de questioná-lo novamente, fiquei apenas com o que pude entender vagamente, algo como Aleguero... resolvi que não me dirigiria a ele outra vez até que ouvisse a senhorita chamá-lo pelo nome.

 Deixamos quase todos os equipamentos para trás e, sob as estridentes, porém gentis, ordens de Aura, o outro e eu nos ocupamos de apanhar tantos cantis de água quanto pudemos. Enquanto trabalhávamos algo chamou minha atenção: não posso dizer com certeza, porém, creio que vi aquele homem apanhar, de dentro de uma das caixas, um objeto que possuía a silhueta de uma arma de fogo, será que ele espera enfrentar realmente algum demônio no coração do deserto?

 Aura, por sua vez, era delicada demais para carregar qualquer coisa, então apenas apanhou um enorme chapéu que parecia mexicano, certamente obtido em suas viagens pelo mundo, lamentando o fato de que, se caminhasse por muito tempo no deserto, o Sol certamente tingiria seus cabelos de negro. Não andamos por muito tempo e logo se tornou impossível para a moça nos acompanhar, mas ela não era a única a ter problemas, o vento nos atirava tão violentamente milhares de grãos de areia ao rosto e de tal forma que pareciam muito mais como pedradas, até nossas roupas já haviam se tornado pesadas devido ao acumulo do pó dourado. Sequer víamos com clareza o Sol se escondendo as nossas costas, então Aleguero, se é que se chama mesmo assim, e eu, armamos uma das pequenas barracas com grande dificuldade devido ao forte vento; assim que pronta, Aura entrou e se abrigou, em seguida foi minha vez, então segurei a “porta” para que nosso companheiro entrasse também a fim de fugir dos ventos, mas ele não o fez, ao contrário, sinalizou para que fechássemos a tenda e resmungando algo quanto a condição financeira da moça ter haver com suas capacidades, se dirigiu para longe, se sentando no meio da areia em plena tempestade.

 O barulho do vento era tamanho que, depois de ter se afastado, mesmo que quiséssemos fazê-lo, de modo algum se poderia ouvir o que estava dizendo lá fora. A senhorita Aura, com um rosto gentil e preocupado, questionava-se a todo momento se nosso companheiro estaria bem.

 Apenas uns poucos minutos haviam se passado, e a barraca já ameaçava sair voando, não importando se nós dois estávamos dentro dela ou não; o vento custou a diminuir sua fúria, e foi quando tudo já estava quase passando, mesmo instante em que a aquela delicada dama estava quase adormecendo, já que se encontrava exausta da caminhada, que, subitamente, a brisa voltou a se irritar, mas, desta vez foi bem diferente, pois, trouxe consigo sons muito incomuns; Aura e eu ficamos muito confusos, porque simplesmente ouvíamos passos nas dunas, como que, pisando pesadamente e se enterrando no meio da areia, a princípio julgamos ser nosso carregador, mas a medida que o vento aumentava, mais e mais sons de passos apareciam em todas as direções, quantas pessoas caminhavam no deserto além de nós?

 Será que aquele piloto estaria certo em dizer que o local era assombrado, ou eram apenas os outros carregadores que mudaram de ideia e nos seguiram empurrados pelo remorso?

– Só podem ser eles mesmos, aqueles inúteis sentiram saudades de sua bela senhora, afinal de contas, estou lhes pagando um bom dinheiro!

 Aura ficou indignada e com razão, quem abandonaria tão doce senhorita em meio a um lugar inóspito como este?

 Ela já havia aberto metade do zíper da tenda, quando se ergueu, junto aos sons de passos, o choro de uma mulher, um som simplesmente ensurdecedor; Aura paralisou imediatamente, como se houvesse sido congelada no tempo, e, mesmo igualmente apavorado, precisei intervir e fechar novamente a barraca. A garota então, se encolheu e estremeceu diante dos lamentos que, hora pareciam chorar em pura agonia, hora pareciam rir com maldade; a senhorita ficou tão transtornada que, de forma alguma, me permitiu sair da barraca, nem sequer espiar o que sucedia do lado de fora, ela se agarrou a mim em todas as vezes que fiz menção de tentar novamente averiguar aquela situação, de modo que, permanecemos atormentados por toda uma noite de incertezas…

 A madrugada custou a passar, finalmente veio o sono, mas apenas a senhorita Aura dorme enquanto escrevo estas palavras; tudo está silencioso, e certamente, esperaremos até sermos atingidos pela luz do Sol antes de pensar em sair daqui e procurar pelo corpo de Aleguero…

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