Adroaldo

Adroaldo

Ex-vocalista da banda de Rock underground dos anos 90, Queima de Arquivo, é Autor de 5 livros publicados. Sua produção literária abrange todo o território nacional e está sendo vendido em mais de 100 países.

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MINHA TERRA DESOLADA (trecho)

"O que nasce dessa terra?

Nada nasce,

Nada cresce

Nessa desolada terra.

EU quero acordar a vizinhança

Para ouvir meus berros pela madrugada

Mas, eles não escutam nada,

Não escutam nada que acontece na madrugada.

Eu jogo nas ruas minha música,

Toda minha poesia e frases feitas

Mas eles não entendem nada,

Ninguém entende o que acontece na madrugada.

Eu ando pelas ruas vendo vitrines,

Crianças sujas em seus trapos podres

E choro junto pelos que têm fome,

Não sei por quem choro nem bem quem amo.

Eu abraço os pobres de espírito

E escuto todas suas pobres histórias,

Esses pobres e patéticos de alma pobre

É meu encontro certo nessa madrugada.

Eu passo por ruas e vielas úmidas e escuras

E escuto um choro de criança,

Um repetitivo e desgraçado choro de criança

Que é o pior de todos os refrãos.

Eu vejo as pessoas e seus passos apressados

Em todos os cantos, todos os lugares,

E temo que sigam meus rastros

E apresso meus passos por essa cidade.

Eu ouço as sirenes berrando nas avenidas

Se misturando ao som das discotecas lotadas

E o barulho do metal retorcido

Criando um novo contraste, outro tipo de grito.

Eu canto com você quase todas as noites

E, algumas vezes, me pergunto: cadê você

Que partiu tão cedo e me deixou aqui...

E agora acordo sozinho!

Deus, eu tento e não consigo entender

Razão que justifique esse viver.

Sou peão em jogo que não se vê

Toda a madrugada até o amanhecer.

Algo comove todo o meu ser,

Algo que não compreendo e nem tento entender,

Algo que surge todos os dias quando acordo

E me persegue até o anoitecer.

Algo acontece,

Algo comove,

Algo incompreensível,

Um novo amigo?

Dizem que estar é quase que viver

E viver é o limite do que se pode querer.

De fato, algo acontece que se queira aqui estar,

Porém, nem de todo esse desejo almejo.

Nada mais é suficiente

Quando não se sente mais o aroma das flores,

Quando as cores já não mais emocionam

E não podem ser vendidas ao olhar.

Destes-me tão raros momentos

Que alimentam o futuro ainda que no Presente,

Mas, a vigília que fazes em todos os meus passos

Tira-me o sabor das coisas mesmo em pensamento.

Na minha nobre e pobre terra eu vago

E me alimento das lembranças dos mentirosos,

Embebedo-me com alegria e gozo

E caminho insistente na terra dos leprosos.

Na minha humilde terra vago,

Hora sou soberbo, hora ignorante.

A fome que me cerca é desmedida,

A carne é fraca e a alma idem.

Peco tanto quanto o pior dos pecadores,

Desperdiço um tempo que não mais tenho,

Não diferencio o certo do errado,

Compartilho a ceia com meus detratores.

Não sinto mais o gosto do vinho,

Não reconheço um sorriso,

Não me recordo dos abraços,

Finalmente estou só!

Peso minha consciência na balança de um açougue

E o açougueiro me fita com olhos de rapina,

Não há acordo algum sobre o preço dessa carne,

Nem se é de primeiro ou de segunda.

Deus, tu que és dono das idades,

Conceda-me das horas o seu minuto final

E faça com que o mundo inteiro saiba

Que o miserável partiu, afinal.

Conceda logo esse desejo

E termine de vez com essa obra,

Livre das cidades esse infeliz

Que insiste em saber o que ninguém sabe.

Quando há febre, não faz mais diferença,

Há tempos o sangue é veneno.

O vermelho é a cor da cólera e do pecado:

O poeta sabe quando está condenado.

Se há mesmo poesia nessas avenidas

Tão iguais em diferentes cidades,

Que seja reconhecida

Em prol dos que perseguem a vida.

Enterro na memória mais profunda

As gigantescas torres de concreto,

As grotescas estruturas de vidro

Que imitam uma nova artéria.

Uma nova artéria,

Um novo estilo de vida,

Uma nova companhia

E uma precoce parada cardíaca.

Como os carros que se beijam nas avenidas

Encontro a companheira perfeita

Que me fala ao pé do ouvido:

"_Me aceite como a definitiva!"

Finalmente, o medo percorre minhas veias

E alimenta um sentimento esquecido,

Uma vontade absurda de ver o próximo dia

E tentar outra saída.

Todas as ruas estão congestionadas.

Uma favela inteira acaba de ser incendiada

Enquanto alguns moradores tentam salvar

O que resta de uma vida inteiramente falida.

Há uma reviravolta

Em torno desse humilde coração,

Um carnaval,

Quase que uma provocação.

Todas as veias são velhas e fracas,

Há melancolia em tudo.

Mesmo sem haver poesia,

E vice-versa, há vida em tudo.

Essa cidade é apenas tijolo,

Metal, suor, concreto e vidro,

Cimento preso a sentimento

Muitas vezes belo e muitas vezes feio.

Essa cidade é areia,

Concreto e sentimento,

Tristezas e alegrias,

Poesias jogadas ao vento.

Tem gente que aprende cedo, outras não -

Vivem a vida dia sim e dia não.

Alguns dançam conforme a canção,

Outros se perdem antes do refrão.

Alguns sempre têm razão, outros não -

Muitos se perdem em ilusão.

Enquanto alguns correm, outros dormem

E todos buscam alguma direção.

Alguns sonham o fundo do poço,

Outros sonham com o fundo do rio.

Alguns buscam independência,

Outros são a exceção.

Tem gente que ganha,

Tem gente que se perde,

Tem gente que se torna o problema

E outros pensam ser solução.

Divago sobre o tempo

E sobre os "tipos" que encontro nessa vida.

Perco uns segundos nesse tempo perdido

E, mesmo com tão pouco sentido, quão raro é o momento!

Se você não faz ideia, tampouco eu sei.

Talvez a fome que me consome consuma a você também.

Talvez o vício que afeta os iguais

Seja algo que surja somente entre anormais.

Eu me vicio com os seus tapas

E em cada gole de sua taça,

Cada carinho exagerado oferecido

Em troca de alguns trocados.

Eu me sujo com as tuas mentiras

E assimilo a água das suas sarjetas,

Aprendo atalhos novos em cada caminho

E apago os rastros dos meus próprios passos.

Eu te persigo em cada Igreja e cada casa

E me abasteço da tua ironia,

Visito cada idoso

E faço amizade com os internos do hospício.

Até onde chega a tua maldade

E a quantos abraça a tristeza alheia?

Pode a maldade ser tão inspirada

A ponto de a própria surpresa ser esperada?

Vida que deixa sangrar do lado esquerdo do peito

Os filhos do mundo que o mundo não quer,

Espalhe a novidade que a tristeza tem cabelos

E olhos castanhos mais castanhos que os meus.

Percebo requintes de crueldade

Nesse masoquismo urbano

Onde a pobreza não tem mais idade

E a mentira tornou-se apenas uma vaidade.

Eu me transformo

Em tudo que mais abomino,

Eu surjo no espelho

Como meu próprio assassino.

Eu sufoco e amarro no escuro do meu quarto

Almas pequenas ameaçadas de extinção

E atiro no lixo os sonhos de quem

Acreditou piamente um dia fazer parte da realidade.

Eu ainda sinto na pele marcada por fogo

A marca que machuca, a marca da verdade

E peço que um dia cessem as buscas

E que tudo se torne uma futilidade.

O combustível da felicidade

Corrói e esvai-se aos poucos

E aos poucos me contento

Com o equilíbrio que me sustenta.

Quando olho para meu próprio rosto, dói.

Eu exalo do corpo o resto do medo

E tento não ver como é estranha a linha da verdade.

Procuro o caminho que leva à liberdade.

Disfarço os meus desejos

E reprimo meus absurdos,

Abraço cada pesadelo

E mascaro meu lado mais obscuro.

Eu tento ver algo além do abismo,

Encontrar algo a mais além dos muros,

Transcrever todos os anseios

Escondidos por detrás de cada sonho.

Eu sou eterno,

Sinistro,

Terreno e fraterno

Enquanto dure o mundo.

Há nesse peito um coração dividido

Criado praticamente entre dois mundos,

O mundo que há dentro do abismo

E o que se vislumbra por detrás dos muros.

O meu canto está perplexo

Como também a voz pequena e incerta

Do pequeno que se esconde do outro lado,

Meu outro lado desse mesmo muro.

O que contam em outros cantos

Também contam nesses lados

Mas, o que vale nesses cantos

Também rima em outros vales.

Luzes fortes incomodam muita gente.

A escuridão alimenta o inconseqüente.

Muros altos com grades de bronze reluzentes

São contrastes em pintura de uma tela sem cor.

Flores urbanas são tão surpreendentes

E essa depressão é tão estimulante.

Os sorrisos são amargos e carentes

E a dor casada com juras de amor.

Esses edifícios são tão interessantes,

Onde as ruas molhadas na noite reluzem como diamantes,

Onde transitam os justos e honestos

Que mastigam vaidade e rancor.

Os carros passam e iluminam tanta gente,

Brancos, negros e crianças sem cor.

Poetas são tão metidos a irreverentes

Que assimilam a dor e tudo o que for.

Vejo vidas que traçam um mesmo plano,

Gerações de alegria por engano,

Marcas de época que são puro desespero

Traçando juntos um futuro incolor.

Vejo rostos repletos de esperança

Queimar em público por causa de sua cor,

Os que vivem sem nem mesmo perceber,

Uma pintura fria que escorre sem por que.

Corpos que dançam de altos parapeitos

Quase sempre se vão tão cedo

Desafiando teorias e conceitos

E ignorando todo tipo de amor.

Meus passos são tão lentos

E os movimentos tão intensos,

Os rostos são sempre os mesmos

E espero novamente o sol se pôr.

A justiça que se encarregue de dar clemência

Aos supostos inocentes

Que transitam nas ruas

Espalhando esperança e amor.

Eu quero ter a chance de ver o nascimento de Vênus

E a anunciação em plena primavera,

Quero ser como Santo Agostinho

E ler as sagradas escrituras à luz de velas.

Quero ser como Van Gogh e pintar girassóis

Mesmo que em dezembro a tinta seja vermelha.

Quero ter de novo jardim florido no quintal

E que o beijo que sai de meus lábios não seja nunca mais acidental.

Basta querer algo apaixonadamente

Mesmo estando tão cego e só?

Que o adeus seja digno

E que tudo retorne, finalmente, ao pó.

Surge a idéia de repente

De festejar como um analfabeto,

Aprontar uma mesa e convidar

Apenas os que passam fome.

Todo esse tumulto,

Todo esse protesto,

Todos os roubos

Dessa legião dentro de mim...

Melancolia sempre teve seu espaço,

Amor, tristeza e regressos amargos,

Sentir-se só e ser como sombra na multidão

E abraçar a própria escuridão.

Achar que é romântico sofrer

Por dor que reconhece, dor que sempre se vê

É mais que uma doença, é um caso de amor

Por tudo que machuca e o que causa dor.

Eu deixo que pensem que fui derrotado

Com os ataques inesperados

Dos que bradam gritos de vitória

E esqueceram-se de ser enterrados.

Eu deixo que joguem em minhas costas

A culpa de todos os culpados,

Deixo que queimem toda minha história,

Não importa tanto assim.

Meus lábios correm em busca de palavras

E meus olhos correm em busca de beleza,

Desenho sentimentos mentirosos

Que calam todos os sinos ao redor.

Palavras saem como lâminas

Na voz rouca que sai de minha boca

Desse outro eu que me aborrece tanto

E desafia tudo à primeira vista.

Nas manhãs de primavera as folhas dançam

Ensaiando seus balés desde o nascer do dia,

Será isso vida?

_Será isso o que chamam vida?

Eu quero encontrar a palavra perdida

Entre os afazeres do dia a dia

Que seja tão profana

Quanto proibida.

Quero ir de encontro a uma nova estação

Que me traga uma sensação de alívio,

Procurar o que chamam felicidade

E talvez aprender o que seja isso.

Uma epidemia,

Uma leucemia,

Rimas que ilustram

Um eterno melodrama.

Não se pode ter tudo!

Nem sempre belos são os nossos dias

E continuamos acordando.

As rosas não falam, mas, também estão vivas.

Há fome de amor!

Há fome e o que será?

Há fome nesse lar?

Se há fome, então, há.

Há tempo para tudo!

Há tempo pra sorrir,

Há tempo pra chorar,

Há tempo pra partir.

Eu quero fugir de casa sem deixar aviso,

Correr entre os campos de trigo

E deixar todos aflitos

Tentando entender o que teria acontecido.

Eu quero causar confusão,

O mesmo tipo que trago em meu coração.

Quero molhar todos em volta

Com a tempestade dentro de mim.

Eu quero acordar os que dormem

E os que nunca acordaram,

Quero descobrir quem são eles

E espalhar quem somos.

Amantes dessa dor,

Sedentos sem saber

Onde mais se ter prazer,

Onde mais chamar de "lar".

Eu desvio o meu olhar

Com todo o ódio desse mundo

De todos os maltrapilhos e vagabundos

Que me reconhecem em um segundo.

Eu quero quebrar essas correntes,

Riscar paredes,

Promover a anarquia

E aprisionar o meio-dia.

Eu quero que chova canivetes

Enquanto rasgo minhas roupas,

Corto meus pulsos

E conto todas as gotas.

Um dia pode ser

Que algo aconteça

E faça que cesse essa tristeza sem fim

E tudo mude, enfim.

Então perco a ingenuidade

Do que ainda resta dessa madrugada

Vislumbro o absurdo de que tudo o que vejo

Ainda seja algo a ser lembrado.

Quem sabe um dia

A poesia se faça cantar

E a brisa leve o canto

A todo lugar.

Eu quero buscar um mundo perfeito,

Eu quero amar o que tem defeito,

Eu quero explorar meu próprio quarto,

Fazer contigo outro trato.

Eu quero te sacudir com violência nesse caixão

E mostrar onde estão todos os ratos,

Incendiar cobertores velhos

Que ora foram belos.

Eu quero te mostrar que te amo

E também te odeio,

Que posso viver só,

Mas, não também não vivo sem você.

A minha loucura é produtiva

E ao mesmo tempo, destrutiva:

Machuca uma multidão

E satisfaz a multidão dentro de mim.

Eu me recuso a fazer parte da matilha

Que passeia em supermercados,

Fingindo uma paciência tão desmedida

Quanto sofrida.

Eu como restos,

Coleciono poeira,

Faço inimigos,

Cultivo sonhos.

Eu troco constantemente de identidade

E perco a noção de realidade,

O meu estado é doente

E eu sou terminal e descartável.

Eu participo desse jogo,

Dessa novela em decadência

Desse repugnante teatro de horrores

Onde somente os cegos são honestos.

Eu sou minuciosamente escravizado

Enquanto me privam do privilégio da escolha,

Enterram nossa vontade

Na cova mais profunda.

O muro que nos separa é baixo

E andamos pulando de um lado para o outro,

Muitas vezes ambos existimos

E, outras, apenas eu existo.

Somos uma freira e uma prostituta

Que traçam uma eterna disputa

Entre os dois lados da moeda

Pra decidir quem foge e quem luta..."

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