Olho de Hórus
Vejo-te, olho direito
Enorme do tamanho de um navio de alto mar
Estou no teu cantinho de fora
Começo a subir os degraus das tuas pestanas
Uma a uma, lentamente
Olho egípcio, olho de cristal
Olho mortiço, olho em pedestal
Olho de vincos negros de carvão
Que nascem numa mão e terminam
No coração
Vou subindo lentamente
Uma a uma
Por ti acima, olho direito
Agarro a pestana de cima
Anelar nas minhas mãos de impressões digitais
Sou pequeno, tão pequeno, na escadaria das tuas pestanas
olho direito...
Estou na oitava pestana, e paro um pouco para observar
O panorama
Vejo ao longe um pássaro
Voando pelo ar
Um pássaro arcaico feito de penas
Que pousa numa pedra armilar
Olho para ele e segredo-lhe um pensamento:
Pássaro amigo, como estás?
Voas tão bem, e és tão bonito
Que fazes tu aí aonde estás?
Para onde vais meu amigo de nunca mais ?
E o pássaro com a sua telepatia milionar
Observa e ouve os meus pensamentos
E me responde voando pelo ar
Meu amigo humano
Há tanto tempo que não via
Alguém como tu
Inteligente e sábio
Capaz de destrinçar em nós
O silêncio dos voos rasos
E os gritos nos olhos lassos...
Vou por aí
Voando o mínimo possível porque voar
Consome muita energia e no teu mundo urbano
Os edifícios tapam o caminho do vento
E as nossas asas têm de fazer um grande esforço para vencer
A inércia do ar suspenso e esconso
Voas bem, meu amigo pássaro
Sê feliz para onde vais.
Adeus, meu amigo humano
Que a vida te traga momentos doces e azuis de felicidade
E de novo continuo a subir os degraus das pestanas do olho egípcio
Olho enorme, gigantesco
do tamanho de um palácio enorme e arabesco
Do olho observo agora as planícies de pedra e de areia do deserto
As colunas de rocha empedernida e as colinas de areia fervente
As dunas de pirâmides e triângulos
As lagoas dos oásis de palmeiras ressequidas.
Olho, meu olho egípcio de Cleópatra
Olho côncavo e convexo a crescer
Dilatas a côr e o canto do pássaro
Nesta manhã de vento sibilante
Que traz consigo a voz do mar
A tortura da água ondulante...
Olho egípcio, olho egípcio
Não te feches, por favor
Nunca mais
Deixa-te ficar assim aberto
Sem pestanejar
Para que eu possa subir
Os teus degraus
Até lá acima
Onde o céu começa
E não acaba mais.
Olho egípcio
Meu olho lindo
És tão bonito de mirar
Ainda estou na tua pestana
Número dezasseis
E dela já vejo, ao longe
O lento estremecer branco
Da espuma das ondas do mar.
Olho egípcio
Deito-me nas tuas pestanas
E olho para baixo
E noto que cresceste
Tanto tanto
Que já não sei
Se o que vejo lá em baixo
São montes ou montanhas cobertas
De neve ou de flores de jasmim...
Olho egípcio meu amor
Deixa-me ficar assim
Envolto na tua aura
Inebriado de langor
Hipnotizado pelo brilho
Infinito da tua íris
Inebriado pela clareza
Da tua pupila
Estonteado pela beleza
Do curvo plano branco
Alvo da tua íris
Olho egípcio
Cleopátrico
Acompanho os vincos
Negros nos dois traços curvilíneos
Da tua pálpebra superior
E vou rastejando agora
sobre as tuas pestanas
curvilíneas
Com cuidado acrescido
Para não cair.
Olho egípcio
Meu amor
Olho egípcio
A quem me quero agarrar
Deixa-me ficar aqui assim
Para sempre
Enlevado no teu langor
Dormente e extasiado
Cheio de sol e de lua
E de torpor
Meu olho egípcio
Cresces demais
Abarcas agora as montanhas
Dos Himalaias
Estou abismado
Deitado
Nas tuas pestanas
Vejo lá em baixo
O rio Ganges
O Rio Amarelo
O Rio Yang Tsé
O rio Mekong
O rio Bramaputra
O rio Indus
E vejo-te a crescer
Deitado nas tuas pestanas
Vejo-te a crescer, crescer crescer
Do tamanho do sistema solar
Do tamanho da Via Láctea
Do tamanho do Universo
Do tamanho do Criador
Do tamanho do Céu
Do mundo onde vive o Criador
Do tamanho das montanhas
do mundo onde vive o Criador
Do tamanho do sistema solar
Do mundo onde vive o Criador
Do tamanho da nebulosa galáxia
Do mundo onde vive o Criador
Do tamanho do Universo
Do mundo onde vive o Criador
E vejo-te a crescer
Até ficares
Do teu tamanho infinito
olho egípcio
Cleopátrico
Onde não há tempo
Nem dor
Nem ódio
Nem amor
Nem Criador...
Onde só há um
Mórbido langor
Um sono cheio de torpor
Um êxtase vazio de tudo
Preenchido pelo nada
E pleno de um vinco negro
De outro vinco negro
Em tuas pálpebras
meu olho egípcio
Que adoro e amo
Que me faz feliz
E me extasia
Num orgasmo infinito
De langoroso torpor...
Meu olho egípcio
Meu olho
Meu olho egípcio
Meu olho
Meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu Olho Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meumeu olho meu olho meu Olho meu olho meu Olho olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olhomeu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho Olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu olho meu olho meu Olho olho Olho Olho meu olho meu olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu Olho Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho meu olho meu Olho meu olho meu olho
meu Olho egípcio de Hórus.
03.03.2014
Poema extraído do livro
A Realidade e a Estrela Perdida
publicado em Mar Azul
www.josesilveirinha.com