MARIA DE FATIMA FERREIRA RODRIGUES

MARIA DE FATIMA FERREIRA RODRIGUES

Sou um ser humano em constante construção. Me sinto parte da natureza e a ela vinculada no sentido material e imaterial. Gosto de lidar com as palavras construindo e desconstruindo castelos. Portanto, escrevo como um exercício de compreensão de mim e do mundo.

1957-12-21 Farias Brito - Ceará
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Alguns Poemas

Lições de um cajueiro, lições de vida (crônica)

Olhei para ele demoradamente e lembrei-me de quantas vezes estive sob a sua sombra e do quanto saboreei os seus frutos, senti o seu aroma, aparei no ar as suas folhas secas e admirei os seus frutos.
Sob o seu olhar atravessei desertos, transpus continentes, admirei mares e lugares. Por ali viajei, viajei, viajei.
Agora, as lembranças do seu aconchego acionam meus sentidos.
Ah! Que saudades daquele cheiro gostoso de fruta, misturado com o da terra molhada! Os dois juntos me aguçam por demais os sentidos!
Mas não são só os cheiros e os sabores que fortalecem os nossos laços, a sua simples presença nos instiga, pois muitos lugares em nossas vidas ele ocupa. Em minha memória ainda ecoam gritos infantis que em períodos recentes, à sua sombra, me traziam de volta à realidade.
- Mainha, Mainha, cadê tu?
Saía da sombra do cajueiro para receber abraços suados, e acolher alegrias, brincadeiras e traquinagens das minhas crianças e, as vezes, de seus amiguinhos.
Nesses momentos havia sempre alguém a "enredar" do outro, a contar uma descoberta, uma novidade, a querer ensinar um jogo, ou a cantar uma canção. Gostávamos muito de ouvir as músicas do álbum Os Saltimbancos, e quando me pediam música, e as minhas cordas vocais não ajudavam, recorríamos ao nosso acervo musical infantil. Os saltimbancos vinham à escuta em primeira mão:"Jumento não é. Jumento não é o grande malandro da praça. Trabalha, trabalha de graça..." .  E se após tantos folguedos ainda sobrassem energias, nos lançávamos às brincadeiras de esconde-esconde.
O cajueiro tudo testemunhava silencioso, e acolhedor e, quando chegava dezembro a sua safra de frutos era enorme, o que atraia a si os passantes da rua escritor José Vieira. Às vezes doávamos frutos, outras nem isso era necessário, pois eram retirados com ou sem a nossa permissão.
E nos períodos de safra quando a vovó Terezinha chegava para passar uns dias conosco, era certo que teríamos os deliciosos doces de caju nas modalidades compota e geléia. Que delícia!
Assim seguia a vida; a nossa e a do Cajueiro. O tempo transcorria a seu sabor e com ele se passaram as festas do ABC, a conclusão do Ensino Fundamental, as viagens pelo Brasil e pelo exterior, e o ingresso na universidade daqueles adolescentes em busca de seus sonhos.
As crianças travessas cresceram, voaram: Fortaleza, São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Salvador, Paris, etc.
Os tempos são outros.
Hoje ao observar o cajueiro vi as suas folhas amareladas, os seus galhos retorcidos e o seu tronco envelhecido, e isso me fez ficar atenta ao seu destino.
Onde anda o seu vigor? E aquela alegria que o mantinha sempre a brincar ao vento ?!
Com a nossa semi-ausência, vida de adultos, viagens, trabalho em demasia, idas e vindas ele deixou de produzir frutos. Faltam-lhe afagos? Sentirá falta dos ruídos infantis a sua volta?
Em sua aparência revela-se adoecido, cansado. E aí veio o veredicto do jardineiro:
- É melhor plantar outro cajueiro. Já expurguei seus galhos com defensivos naturais, já fiz podas e ele não melhora. Não vamos conseguir curar essas pragas.
Fiquei triste e pasma com essa observação.
De imediato descartei aquela ideia. Tirá-lo dali seria como se parte de nós fosse embora com ele. Pensava:
- E as nossas histórias que outrora ele tão bem testemunhara?
Precisaria de muitos dias e noites para registrar uma pequena fatia do que ele sabe.
Lembrei dos meus medos quando, o portão da garagem não era ainda automatizado, ao chegar em casa a noite, do trabalho, e ter que descer do carro para abri-lo manualmente.
Ele sempre estava lá corajoso e forte a amparar-me.
Aquela conversa com o jardineiro caiu nos seus ouvidos. Ao olhar para o seu tronco avistei seus olhos a marejarem, assim como nadavam em lágrimas os meus.
Abraçamo-nos e choramos esse nosso reencontro inusitado, que só o amor faz acontecer, e  ali mesmo selamos um acordo  em defesa da vida.

A palavra e as descobertas do mundo



Severino seguia a pisar em sua própria sombra, circunstância que o projetava em direção ao zênite, palavra que ele acresceu ao seu vocabulário no dia anterior na escola onde estuda, num lugarejo denominado Jericó que segundo sua avó é nome bíblico. Sabia que ninguém acreditaria na coincidência de estar ele no dia seguinte a seguir sua sombra e sua sombra a segui-lo ou ao emparelhar-se a dita com ele, ainda que zênite tenha sido um assunto trabalhado, como já dito, por sua professora que chama também zênite de conteúdo junto com outras palavras que não entraram na cabeça de Severino por conta daquela estranheza vocabular tão distante do seu lugar, aonde se aprende mais com a vida do que com os livros.

Agora mesmo descobriu o zênite propriamente, horizonte bem distante que se desenha à sua frente. Caminha a esmo e ao seu lado uma sombra o segue lado a lado. A depender do horário essa sombra poderia estar em outra posição, entendimento que brotou em si por conta de uma ajuda que lhe deu o seu colega João Sem Medo quando falou das sombras que os acompanhavam na pelada, que não significa mulher nua, significa jogo de futebol sem juiz com regras frouxas, mais que isso diz-se de movimentos produzidos ao sabor da ginga do corpo, com no mínimo duas pessoas a improvisar e a divertir-se com a bola.

Lembrar-se da pelada o fez recordar-se das brincadeiras com a própria sombra quando jogava futebol de improviso com os amigos no tempo próprio do acontecer azimutal, expressão que criou com o uso do dicionário para no dia seguinte causar boa impressão à sua professora, atitude reprovada por terraplanistas, palavra que não tem nada a ver com trabalhadores que manejam máquinas ou instrumentos aplainando a terra para o plantio ou para outros fins práticos, diz respeito a ignorância de quem não estudou noções mínimas de Geografia e Astronomia e odeiam os que sabem situar-se num país imaginário e que em pleno século XXI acreditam que a terra é redonda porque na fotografia de certas paisagens do filme “O Céu de Suely” tem-se a impressão da existência de uma terra redonda e muito clara.

 Lembrava agora Severino Silva dos Três Reis Magos que ele nem sabe porque são assim chamados, pois sendo eles reis deviam comer bem, o que não explica de modo algum a magreza de ninguém, mas o que interessa agora é que eles seguiam a Estrela- Guia, no que ele mesmo os imitava, não que siga a Estrela Guia, evento singular que deu origem ao Natal e ao nascimento de Cristo. Fala o adolescente de sua experiência ao seguir a lua, especialmente quando ilumina a terra nas tão famosas noites do sertão, e ao vagar acompanhando-a ou mesmo ao acompanhar o Cruzeiro do Sul, constelação que nos instiga “pelo sul” a indagar sobre a nossa latinidade em sua parca emergência.

E por falar em Cruzeiro do Sul como não citar Tonho Cavalcanti, um doido que residia nas redondezas, parente de Severino e de seus outros parentes que também seguia a lua, mas ninguém achava aquilo normal, todos achavam doidice, por isso ele, Severino, fazia às escondidas as suas caminhadas com a lua para evitar ser confundido com Tonho Cavalcanti. Não sabe ele se caminhar seguindo a lua ou o Cruzeiro do Sul é loucura ou não, de todo modo previne-se das más línguas, só não se previne é da sua consciência

O estranho dessa estória é que a gente de Jericó acha normal um camponês trabalhar o ano todo na terra do patrão e ser obrigado a pagar metade de tudo que colhe. Isso acontece naquele fim de mundo, mas acontecem também coisas semelhantes e até piores em outros lugares distantes, pois se até em Jerusalém há genocídio e conflitos por terra, imagina naquele mundinho onde quem manda até no delegado é o coronel. E isso a professora afirma que nada tem de errado uma vez que o coronel é também médico e o pai é procurador, a prima vice-prefeita e sua mulher é a prefeita e todas as ruas da cidade são nomeadas com três sobrenomes, os sobrenomes de três coronéis cuja trama familiar envolve matrimônios comuns. E por aí vai o elo inquebrantável.

Ao dar essa explicação a professora ficou sem fôlego, a palpitar e a suar assim como ficou quem aqui narrou num fôlego só essa história tão singular e cheia de delicadezas às vésperas do domingo, quando se recomenda fazer orações e não blasfêmias.

Desconfio que do outro lado do mundo, lugar que se amalgamou ao nosso país via navios negreiros, que chamam assim porque vinham repletos de negros e negras, também chamados negroides, mas que são na verdade pretos e pretas, e que essa é somente a cor de uma etnia, cor diferente do branco e do amarelo, cor como qualquer outra visto que não existe uma só cor de pele no mundo, lá também o zênite, assim como a história de reis e de rainhas são marcadas por incompreensões nos conteúdos escolares, mas são explicadas às crianças e aos jovens de outro jeito, como histórias de sombras, de assombração e de opressão que acompanharam certos cristãos-mercadores que ao chegarem naquele continente, levando também o terror, reinventarm a mercância da vida.

Severino seguiu caminhando e pensando...  ou achava  que estavano mínimo a pensar sobre a vida. Seu olhar mirava o horizonte que o fez lembrar-se de utopia, palavra que merece uma conversa na borda da calçada,  olhando o mar ou mesmo seguindo o luar do sertão em noites de lua cheia.

Fátima Rodrigues – Expedicionários, João Pessoa, Paraíba, Brasil.

Carta aos desafetos

Soube por terceiros que me vês de um jeito obtuso. Sobre isso nada tenho a dizer. O olhar é teu. Eu também tenho o meu sobre as pessoas e o mundo.
Sou um ser humano como tantos outros à deriva de olhares generosos, críticos e, por vezes, tolos assim como o teu.
Em mim não há qualquer esforço em parecer a ti nem a ninguém diferente do que sou. O teu jeito de me ver não tem qualquer importância, pois, em razão das nossas incompatibilidades, julgo melhor mantermos o distanciamento. Contudo te asseguro que ao tomar distância de pessoas inconvenientes o faço em respeito ao  que sou, e nesse gesto  existe um egoísmo que é guiado por uma espécie de intuição, que me sopra aos ouvidos, clamando por  precaução e paz.
A vida, como a entendo e aprecio, exige partilha. Desconheces esse valor.  Demanda também respeito, fraternidade e lealdade, e isso não faz parte do teu cabedal de valores.
Não consegues enxergar o essencial, no sentido posto por Saint-Exupéry. Esse atributo é invisível aos olhos das aves de rapina, visto que dirigem o olhar a um só objetivo, a sua satisfação imediata, e para isso guardam toda a sua acuidez visual e auditiva.
O essencial exige uma ausculta  ao coração. Sem ética não é possível ter essa sensibilidade para o essencial.
Sigamos nossas estradas. Elas nos levarão ao nosso próprio encontro, e a constatação do que somos, disso não há como fugirmos. Como bem disse Hamlet: "ser ou não ser, eis a questão".
Ficas com teu fardo que dos meus eu já me livrei.

Fátima Rodrigues
Em julho de 2014

A Terceira Via “à direita”


A Terceira Via sentada em berço esplêndido, combina submissão e alienação à direita de todas as situações;

A Terceira Via ignora as veias abertas e sangrentas do Brasil na pandemia;

A Terceira Via ignora até mesmo cenas que no carnaval promovem os cortes-reais, quando vidas negras são negligenciadas nas alturas de modernos edifícios, expressão e ápice do racismo estrutural;

A Terceira Via esconde de si as mulheres e nega-lhes a política, deixando ao seu encargo o sangue escorrendo por suas virilhas, enquanto o presidente veta a lei e vocifera: segurem suas veias, estômagos e ventres!

A Terceira Via ignora os inocentes ardendo em febre e fome,  enquanto esses famélicos esperam os céus dos evangélicos e concordam com os católicos negacionistas;

A Terceira Via desconhece as famílias unidas nos cruzamentos urbanos, com suas placas encardidas, a nos lembrarem da crua miséria humana;

A Terceira Via é o leite e o pão de cada dia entregues em fartas cotas ao agro pop no Congresso Nacional, e se “à direita” em todas as estações e dias do ano;

A Terceira Via agrega bilionários arrumadinhos que sonham em colonizar Marte, para não ouvir os ecos dos tiros das favelas, e às escondidas higienizam suas mãos sujas de sangue;

A Terceira Via tenta roubar a cena da luta dos trabalhadores contra a mentira, golpes de consciência desfechados por diferentes linguagens nas Ditaduras: ecos do Auto do Frade, o Frei Caneca, executado nos teatros das salas de aula, narrativas como Os Sertões sobre a destruição de Canudos casa a casa, e filmes como Mariguella, enredo de um militante executado em via urbana;

A Terceira Via esmaga - sob o jugo do capataz da vez no Congresso Nacional -, a memória da Guerra dos Bárbaros, enquanto avança em territórios indígenas com toda a sua boiada;

A Terceira Via oculta, com suas potentes mídias, as mãos solidárias das periferias posicionadas em defesa dos que tombaram em prol da Reforma Agrária, e de Mariele Franco, executada no Brasil, e em Paris homenageada;

A Terceira Via legítima a Necropolítica fascista de todos os dias, mantida pelas milícias-militantes-militares do Estado;

Sentados na precária invenção da Terceira Via os ricos dizem-se sem liberdade para respirar ar puro, e reclamam da opressão em seus carros blindados, helicópteros, heliportos, enquanto gravitam assombrados com as hélices giratórias dos seus pesadelos em noites insones;

Estão os ricos acuados pelas imagens de famílias pobres e confinadas em sua horrível miséria, por idosos- fantasmas e suas famílias piedosas, todos a clamarem por justiça em depoimentos na CPI da Covid 19;

Os ricos do Brasil engasgados com a própria comida - que regurgita em suas estreitas gargantas, em seus estômagos azedos, nas suas bocas sedentas de moedas-, são espectros harmonizados por cirurgias sem-fim, e navegam em busca do desfiladeiro da Terceira Via, sua grande esperança de redenção, Via que os manterão no mesmo lugar, no conforto do seus bankers, ressecados e retesados pelos marca-passos dos dólares, e dos paraísos monetários, confinados e alimentados pelos grilhões insanos da miséria humana.

Será mesmo essa a nossa via?
Fàtima Rodrigues,
João Pessoa, 15 de novembro de 2021

Neuroses (conto)


Irene parou no portão e olhou para trás. Quis voltar para conferir se havia fechado bem a porta dos fundos. Achava que sim, todavia a sua intuição indicava ser necessário confirmar essa desconfiança. Esse era um gesto usual em sua rotina. Voltou e conferiu portas e janelas, foi ao banheiro, lavou as mãos e seguiu.
Sempre que ia sair uma perturbação vinha a sua mente e não a deixava prosseguir sem que esses atos se concretizassem. E mais! Ao voltar para conferir, qualquer que fosse o esquecimento, também ia ao banheiro e depois lavava as mãos...
Agora conseguiu sair! Ah! Que alívio !
Ficou pensativa sobre esses gestos costumeiros, mas prosseguiu. Já estava quase atrasada para o seu compromisso:  iria assistir a um concerto do Coral Todos Nós.
Dirigiu-se ao centro da cidade, entrou no teatro devagarinho, sentou-se e olhou para os lados em busca de conhecidos. Posicionou-se numa fileira em que tinha uma boa visão. Gostava muito daquele teatro: sua forma, sua acústica, suas cores.
Escolheu essa programação em busca de algo diferente, algo que a acalmasse, pois a noite anterior foi de insônia entremeada por pesadelos. Atribuía essa perturbação a um filme de terror que assistiu antes de dormir. Por conta daquelas cenas de execuções ficou a madrugada inteira em desassossego e amanheceu o dia exausta.
Na noite seguinte decidiu viver uma experiência diferente e ver algo bonito que a acalmasse, por isso é que estava ali.
No ponto extremo esquerdo do palco um senhor vestido de preto cruzou o olhar com o dela. Aquele jeito de olhar a constrangeu, manteve-se em alerta e a indagar-se:
- Por que ele  me olha tão incisivamente?
Enquanto pensava sobre isso dava-se início a apresentação cultural do coral Todos Nós, que é reconhecido pela qualidade da sua formação e repertório. O maestro regia com firmeza e atenção e as vozes do coral se alternavam entre os tons graves e agudos, entoando belas melodias. O repertório escolhido era impecável. O homem vestido de preto entrava e saía da coxia e dirigia-lhe um olhar penetrante. Ela sustentava o olhar, mas um arrepio a atravessava inteira. A peça do coral prosseguia, enquanto sentava ao seu lado uma senhora elegantemente vestida e bem maquiada, que a olhou de forma breve, cumprimentou-a e voltou-se para o palco. Conheciam-se de vista e a Irene supunha ser tal conhecimento vinculado às suas presenças nesse tipo de ambiente. Estando agora acompanhada pensou: ficarei livre do olhar invasor daquele assistente de palco. Ficou quieta observando-o, mas ao vê-lo com a atenção voltada para a coxia levantou-se e saiu. Atravessou todo o teatro pela lateral e adentrou a um outro vão bastante iluminado que dava acesso à rua. Sentiu o ar banhar-lhe o rosto, o que a deixou bastante relaxada. Olhou para o céu em busca da sua constelação preferida, mas nada viu: a poluição obscureceu o céu. Lembrou-se de quando deitava-se na calçada em sua casa, em Capim Dourado, e ficava contando as estrelas, coisa que se a sua mãe visse logo reprovava; segundo ela contar as estrelas no céu fazia nascer verrugas no corpo. Prosseguiu a caminhada, mas ao dar uns dez passos na calçada sentiu uma presença próxima e olhou para trás. O que a levou a constatar que o homem de preto, e de olhar penetrante caminhava olhando para o infinito. Era fim-de-ano e uma feirinha de natal composta de objetos artesanais ocupava os passantes. Ele parou numa barraca de enfeites natalinos e ela parou na barraca vizinha, queria demonstrar que não percebia o assédio dele; cruzaram os olhares e ela sentiu-se mais uma vez invadida. Aquele não era um olhar usual e ele continuava a segui-la.
Manteve-se calma. Viu que ele comprava algo e aproveitou para tentar escapar da sua presença. Saiu atravessando a multidão, entrou na Rua Direita, conhecida por seu intenso movimento, e desaguou numa rápida caminhada na praça São Bento. Já descia uma escadinha para dirigir-se ao Vale do Anhangabaú e prosseguir numa rua lateral que daria acesso à Travessa em que morava quando deu de frente com ele. Estava exausta de caminhar e sentou-se num banquinho que estava disponível ao lado de uma banca de jornal. Do outro lado da rua o homem vestido de preto comprava cigarros e olhava-a de esguelha.
Resolveu caminhar rápido. Embrenhou-se na multidão e dirigiu-se a passos rápidos para o Viaduto do Chá. O céu estava escuro anunciando chuvas. Pensou consigo mesma:
- Era só o que faltava!
Não andava com guarda-chuva. Começou a correr e o homem do teatro, que portava agora uma capa preta, ria-se e corria também. A Irene estava prestes a cair de cansaço. Foi então que uma música suave chegou aos seus ouvidos; abriu os olhos e ao sentir um incômodo na coluna aprumou-se na cadeira enquanto a dama sentada ao seu lado, no teatro, dirigiu-lhe um olhar de reprovação. O homem de preto continuava seus afazeres deslocando-se do palco à coxia, enquanto ela bocejava sem entender ao certo em que parte do espetáculo se encontrava, pois adormeceu logo na terceira música.
O maestro agradeceu aos presentes e fez o encerramento com a apresentação da música Asa Branca.
E agora, seguindo de volta para casa, ela se ocupava em buscar explicações para o ocorrido. Firmou o seu olhar no movimento intenso dos passantes, e para a sua surpresa o homem de roupa preta seguia quase ao seu lado e vez por outra olhava para trás. Um arrepio percorreu-lhe a coluna e ela seguiu adiante em busca de uma viela para proteger-se do desconhecido.

Fátima Rodrigues Expedicionários, João Pessoa, Paraíba, Brasil, 21/11/2020.
Sou um ser humano em constante construção. Me sinto parte da natureza e a ela vinculada no sentido material e imaterial. Gosto de lidar com as palavras construindo e desconstruindo castelos. Portanto, escrevo como um exercício de compreensão de mim e do mundo. Além de escrever e ler gosto de cinema, de música e de praticar jardinagem. Sou mãe e essa é uma experiência de vida que me fascina e desafia permanentemente.
https://www.facebook.com/faatimarodrigues
faatimarodrigues@yahoo.com.br
Tatiane Viegas
Parabéns! É muito bonito.
30/dezembro/2020
Helder Roque
Gostei imenso.
16/dezembro/2020
Helder Roque
Belissimo poema.
12/dezembro/2020
-
lagazaz
Belos versos
27/julho/2020
-
jeiancoski
Achei muito lindo!
02/julho/2020

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