AurelioAquino

AurelioAquino

Deixo-me estar nos verbos que consinto, os que me inventam, os que sempre sinto.

1952-01-29 Parahyba
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31

De Olinda em carnaval de tudo

até parece que o frevo
inventando a emoção
escreve assim
 pelas pernas
um infinito no chão
 
e assim descendo a Ribeira,
ladeiras no coração,

Olinda toda me chama

em cada ângulo de casa
em cada palma de mão
 
as pernas fogem pro peito
ensaiam a rebelião

dos sons que o ouvido engole
com a exata compreensão
de que olinda não é cidade
é apenas uma saudade
misturada com a razão
 
e todos pulam seus jeitos
com a mesma sofreguidão
com que o sol esperneia
nas faces de uma canção
 
até parece
 que o frevo
espreguiçando-se em vão
adormece já sonhando
as coisas da ilusão
 
e assim fingindo ser tarde
a noite mal principia

e monta toda a manhã
que meu peito consentia
 
e a hora nem se apercebe

de que o tempo é relativo

e esconde seus minutos

nas curvas dos meus sentidos
 
Olinda é quase uma guerra
de generais consentidos
soldados que sejam tantos
nas marcas de seus sorrisos
 
até parece que o frevo
despenca já lá do alto

e cai no peito da povo

com a mesma simplicidade
com que os neurônios inventam
as máscaras em que se cabe
 
Olinda assim já é tarde
pra essas coisas de cidade
antes é um grito tão tanto
barganha da liberdade
 
e ainda assim o perigo

de esquecer a própria vida
e nem pensar que amanhã
atravessado na avenida

o homem passeará sua dor
nos frevos
 que lhe consintam
 
II
 
Olinda então já chorava
Olinda enfim já sorria

e sem caber no meu peito
em carnaval se explodia
como uma nave desfeita
em mares que eu nem sabia
 
o frevo assim parecia

uma alegre matemática

que dividia todo meu medo
nas contas que eu não usava
 
e urdia nos cabelos

uma ventania inexata

que deslocava meus sonhos
no rumo infante da praça
 
Olinda então consentia
arrumar esses viventes
num jeito de alegria

a que às vezes se consente
sem perceber que a vida
é muita menos verdade
e muito mais de repente
 
o frevo descendo a praça
é quase uma liberdade

é um jeito desajeitado
de inventar a cidade
na ponta palma dos pés
na pronta face da tarde
 
o frevo medra
 solene
nos ombros na multidão
peso que nem seja tanto
tomado em comparação
aos pesos tantos da vida
que se carrega em vão  
 
III
 
a nota 
clara do frevo
não é música, é uso,
apenas publica o povo
na pauta do seu susto
 
o frevo não é tudo

mas abarca um jeito de inteiro
no prazer incontrolável
de se dizer brasileiro
 
cai pela face do povo
assim misturado à tristeza

que desce rindo nas pernas
de quem lhe cobra a certeza
o bloco é um sanguessuga

que ferve o peito de Olinda
e invade suas carnes

com a sanha
 de uma sina
 
IV
 
Olinda, morena, moreno,

senzala da liberdade
revolves no passo do frevo
um futuro
 que nem se sabe
 
e denuncias no canto

das pedras em que te cabes
os infinitos que jogas

nos ombros de tuas tardes
 
Olinda sabe a desejo

como uma força que invade
a franja incauta do peito

de quem do frevo nem há de
 
e a Sé
 repousa sem jeito

numa contrição desmedida
que arruma o canto da gente
no frevo exato da vida
 
coqueiros balançam a tarde
numa preguiça infinita

e ventam todos os barcos
com os frevos à deriva
 
como uma tristeza 
escondida,
Olinda,
nua assim na alegria,
drapeja bandeiras tantas
que nem sabe que sabia
 
Olinda, assim bailarina

de palcos e de coxias

joga o frevo no peito
com a mesma melancolia
com que arrasta o sonho
em passos que não havia
e nem se importa que a vida
contivesse o que se sentia
e que explodisse na sem razão
do que cada corpo pedia
 
Olinda, assim transeunte

de ruas que não devia
pesava em vão pelos passos
dos caminhos da alegria

ornada em mágoas e mágicas
de intransitiva serventia
e completava as curvas da dança
com a certeza da esperança

e um certo quê de agonia
 
Olinda, assim tão seu povo
cerzida às costas do frevo
inventa um carnaval
dentro de todo o medo

e nem sobra nas ladeiras
qualquer ângulo mais exato
em que não se visse da vida
uma vida em sobressalto
 
pulando assim na Ribeira
nos quatro cantos de tudo
Olinda cria  a razão
um sentimento profundo
e constrói nas suas mãos
nas pernas do coração

o sentimento e o rumo

de montar uma esperança
nos descampados do mundo
 
Olinda inventa um jeito de nave
em cosmos que nem habita

e trai um jeito de infinda
apesar de tão contida
 
Olinda contraria a tristeza
com a mesma euforia
com que o mar lhe inventa
pelos navios dos dias
 
Olinda é quase um tempo
é continente e conteúdo
e mesmo assim relativa
deixa-se estar absoluta
o coração de quem lhe vê
no frevo intenso da luta
é somente um continente
da ilha de quem lhe usa
um jeito incauto de ser nada
mesmo sabendo tudo
 
destempo e minuto,

hora desapercebida,

que flui no vão do cérebro 

nos sentidos pela avenida
 
e se vê Olinda

na textura do tato

na carência dos dedos

na sola dos meus sapatos

na timidez do medo

na intrepidez do enredo

que a gente ensaia sem palco
 
e tem-se assim Olinda

enquanto te despossuem

e ao mesmo tempo que te fazem
desfazem tanto teu uso
num carnaval diferente

que trava o peito da gente
num frevo que nem se escuta
 
descendo Olinda e ladeira
descamba a cidade avulsa
presa de passos e pesos
prenha de segredos e sustos
 
no Carmo 
chego sem medo
Olinda ainda é alegre
tarde que já é cedo

noite que é quase um dia

num tempo que é só começo
 
Olinda flutua

na mansidão dessas águas
que se dizem suor e sangue
ou mesmo baldias lágrimas
choradas pelo vão riso
como senões imatemáticos
 
Olinda não se conta

pelas casas que possua

mas pelo jeito que engendra
no íntimo de suas ruas
 
 
Olinda não descansa
de ser vária e avulsa

e pesa os tempos que alinha
na cara de todos os sustos
 
cidade nem se apercebe
que a história continua
entrançada em suas pedras
nos passos de quem lhe usa
morena, nem se acalma

com a graça de seus viventes
e se deixa desesquecida

no coração de quem sente
 
 
V
 
 
Olinda não é porto é parto
e nem é perto, quando em barco
se escreve no mar como um salto
e nem é longe mesmo
 ao largo

quando constrange a praia
com jeito de ancoradouro
de tudo que é exato
 
Olinda não é tanta 
é toda

e nem é limitada

pois existe um jeito de Olinda
nos palmos da madrugada 
em todo raio de lua
que no seu colo deságua
 
VI
 
 
nos Bultrins, quem sabe?

não se conte a alegria

que se desce assim do Amparo
rompendo o ventre do dia

pois se lhe ajeita um modo

de viver a serventia

que tem o cartório geral

dos sentimentos que alinha
 
nos Bultrins, quem sabe?
permaneça uma agonia

um tanto ou quê de provisória
que seus viventes presenciam
mas que traz uma nesga de riso
nas dobras urgentes do pranto
que escorre assim pelas ruas

com um jeito intenso de canto
 
nos Bultrins, a fantasia

é um sentimento inato
que recolhe no coração

a simplicidade do fato

de que o povo leva no peito
a a paciência e o trato
da força bruta das pedras
que lhe põem pelos sapatos
 
Nos Bultrins,

o tempo nem se apercebe
que bebe o peito do povo
numa proporção imatura

que faz um segundo ser tanto
no riso de quem lhe usa
 
nos Bultrins,

constantemente,

a vida se planta sem sementes
e sem orgulho

o povo se afirma
 no seu pulo
 
nos Bultrins

há um cheiro de cidade

que se pretende desurbana
campo que nem lhe cabe

pois trai um gesto cosmopolita
na sua ruralidade

fazenda de homens e meninos
trânsito da felicidade
 
nos Bultrins

a alegria se anuncia

nas letras do estandarte

que balança a vida do povo
numa tal intensidade

que chega a querer ser tanto
apesar do pouco que lhe cabe
 
Nos Bultrins,

há reis que nem sabem

dos reinos que ainda sentem
embutidos nas camisas

como uma máquina urgente
que pulsa o tempo e o homem
com a força do presente
 
nos Bultrins, quem sabe?
ainda existe a compreensão
da liberdade
 
 
VII
 
 
no Amparo

tudo desce

o tempo e a cidade

e a gente que lhe preenche
as veias lúdicas de pedra
que tapetes são do tempo
de quem ainda há de
 
no Amparo
a alegria se permite

habitar cada garganta

como um frevo ou uma frase
que contivesse palavras

futuros e lembranças
 
e nessa mistura

de verbos e sentimentos

o amparo se permite

afirmar o que se segue:

o Amparo é um estado

de insensatez da matéria

mas é dessa sem razão

que contém a simetria

dos gritos que a vida engendra
no cartório da alegria
 
no Amparo,

havido o carnaval,

o tempo não se conta
como um coisa precisa
é uma fração que se traz
no bolso da camisa

e que se espalha na rua
à medida que o frevo atua
e espalha o resto da vida.
 
no Amparo,

finalmente,

nunca se acaba uma alegria  
Impunemente

pois o riso é interno

ao frevo que se sente.
 
VIII
 
Ouro Preto que lhe diga

os versos que desalinha

na pauta ingente dessas ruas
por que o povo caminha.
porque de ser desmedido
caiba-lhe a contrafação

de remar contra a corrente
nos rios do coração
 
Ouro Preto nem se ilude

com a textura do som

um frevo que inventa um povo
com um jeito de ser de novo
o inventor da manhã
 
Ouro Preto nem se apercebe
nas manhãs de carnaval

que a vida tornou-se um palco
de um teatro informal
que joga os medos da vida
no meio da avenida

nos passos de um frevo tal
 
que desmente até a cidade
naquilo que não contém

pois traz uma felicidade

que não pertence a ninguém
pertence ao passo do frevo
e àquilo que lhe convém.
 
IX
 
Até parece que o frevo
tricotando a solidão
inventa assim pelas pernas
as urgências da multidão.
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