Inês Reis

Inês Reis

inesreisx

1997-01-13 Portugal
--
1327
2
2


Alguns Poemas

Sem Título.

A verdade é que não éramos inocentes. Naquela noite de meio luar, nossos corpos haviam  tecido a trama que a nossa mente se havia esforçado para evitar. 

Aquele tique-taque estrondoso do relógio que tanto te irritava tinha parado. Assim como as  buzinas histéricas que lá fora gritavam por movimento. E as vizinhas, que nada discretas e  frenéticas se punham à janela, estavam hoje resguardadas num inabalável transe do cheiro  de nossas velas. 

Os últimos raios quentes de sol, atravessavam os vidros e iluminavam teu rosto num  particular tom de laranja que não poderia ser descrito senão pela visão. Foi então que  nossas mãos se apertaram enquanto lado a lado apreciávamos aquele pôr-do-sol no colchão  velho que recusavas trocar. Essa foi uma das coisas que sempre em ti admirei, a  despreocupação com a vida, uma viagem sem volta, apenas uma ida. 

Posso sentir tua respiração embalada em meu ombro. Tão leve quanto uma folha que se  desprende do ramo e segue o vento no seu novo rumo. Teu toque lembra-me a chuva que  resfria uma carne que se sente em chamas e teu cheiro é mais forte que o dos malmequeres  que enfeitam nossa mesa de jantar.  

Talvez nos chamem de loucos ou mundanos sem razão. Irracionais... A verdade é que não  éramos inocentes. Foi naquele final de tarde que dois corpos entrelaçados se fundiram e  mergulharam ao mais fundo oceano da emoção. Foi ali que me embriaguei da tua alma e  provei o teu mais ríspido e sincero tu. Foi ali que crua e simplesmente, te doei meu coração. 


Inês Reis

À vontade.

As janelas não tinham cortinas.  

Naquele parapeito, três filas empanturradas de livros (já lidos e muito relidos, suponho,  pelo tom amarelado das folhas - ou apenas velhos do Tempo) se alinhavam numa geometria  estética.  

Em cima, um daqueles manequins de madeira que articuladamente nos ensinam as  proporções humanas, se dispunha virado para o candeeiro adjacente às molduras. 

De fora, conseguia ver as suas paredes brancas com pinturas marítimas lá penduradas.  Suponho que seja pintor. Ou alguém ligado às Artes. Quiçá, estude Humanidades.  

As janelas espreitavam para a plataforma que se enchia de gente às horas de ponta. Ou  quem sabe, eram os passageiros, os curiosos, os que numa viagem pelos pensamentos se  entretinham a magicar novelas do que além delas se passaria, talvez vivas num outro  universo paralelo. Eu. 

Mas como raio alguém se conseguia concentrar assistindo aos atropelos nervosos e ouvindo  aquele turbilhão de motores e vapores que saiam pela gigantesca máquina que  revolucionara todo o percurso de uma História?! 

Quem sabe, fosse tal proximidade necessária à inspiração do artista que inquieto se movia  naquele apartamento de prédio redondo. 

O mais provável é nunca chegar a saber...então deixo aqui neste papel a fortuita visão que  hoje me faz escrever. 

Mas sabes, aquela alma andava seminua pelo seu espaço. Por vezes captada por olhares  imprudentes. Alguns a isso chamam de promiscuidade, mas que outro nome pode ter a livre  expressão do ser senão que a Liberdade.


Inês Reis

Uma reles crónica

Vejo corpos flácidos,  

E corpos de um Inverno trabalhados.  

Um casal de namorados que se abraça na água. Um corpo que ao sol adormece e queima a mágoa. As crianças procuram aventura e da vista de seus  progenitores se afastam. 

Sacudiram toalhas e meus olhos de areia se recolheram.  Decidi escrever. 

Está sol, vento e cheiro a maresia. 

Outro adequado local à escrita, porém, não haveria. Do outro lado avisto o palácio. 

Abrigou Jacqueline Kennedy e hoje um tanto de graffiti e  curiosos o invadem. Está em degrado. 

Mas não posso reclamar, já o invadi e saboreei a exclusiva  vista para o mar. 

Atrás está minha avó, sentada numa daquelas típicas  cadeiras de praia enquanto faz palavras cruzadas. Já eu e  minha mãe, nos encontramos do sol, mais que torradas. Nota-se que os tempos são outros. 

Telemóveis ocupam as mãos outrora ansiosas pela próxima  cartada. 

Mas as pessoas são as mesmas. 

Estão um pouco melhores, verdade. 

Mas incutida está ainda a portuguesa vaidade. Privados e luxuosos barcos navegam no rio, 

Estamos perto de uma marina 

Construída depois que o capitalismo, a Natureza invadiu. Ainda não fui à água. Nenhuma de nós, aliás. O vento não pára e de tal, ainda não fomos capaz. Talvez apenas fiquemos a apreciar o momento. Acho que neste mundo, é esse o melhor contento. Por isso observo e continuo a observar. 

Tenho o lápis na mão que do papel não se faz desapegar. Gosto de pássaros e de os alimentar. 

Ontem parti uns bocados perdidos de pão que uma  senhora não fez questão de esmigalhar. Que agonia de ver  os pombos os desesperadamente picar! 

O vento levanta os chapéus de sol.  

 Tenho medo que algum me acerte e por isso  mantenho-me alerta. 

 Já ouvi espanhol, inglês e francês. 

 Imigrantes que a casa hoje regressam, é bom. Incredulamente, nota-se que é nas crianças de hoje  em dia que as nossas esperanças precisamos  depositar. Pelo segundo dia de praia vejo uma  criatura plástico apanhar. De perto de seus pertences  recolhe para o depois reciclar. E os adultos  

incentivam! Acho que às vezes, apenas temos que acreditar. 

Não vi golfinhos, nosso símbolo municipal... 

Limito-me ao meu redor absorver. 

Vejo grávidas, idosos e infelizmente pais com seus  filhos gritar... 

Oh meu deus, um jet-ski acabou de passar! 

Uma das minhas perdições, som e movimento de mil  e uma sensações. A habilitação um dia irei de tirar! Afinal que melhor rima com mar senão por aí  navegar? 

A um metro de frente, está um casal meio velho. Não  conversam mas de igual modo observam. Estão em  perfeita sintonia e as típicas conversas foram  substituídas por uma mútua e muda energia. Quero  isso. 

Quero filhos, quero casar, quero escrever e a Deus  por cada dia agradecer. 

Quero também e agora, parar de escrever... 

Irei na areia meu corpo continuar a repousar. Os sentidos contudo, continuam apurados. 

E se alguém este texto ler, 

Por favor, lembrem-se de viver!



Inês Reis

Memórias de uma velha.

Sinto que timidamente, retorno à escrita como se de ao longe acenasse a uma afastada  amiga de infância. As condições são perfeitas: me sinto inspirada e me encontro só. 

Ontem celebrei mais um ano e me emocionei. Confesso que não planejei chegar onde  estou, ser como sou ou de ter deixado levar a vida o que me levou... memórias. 

Me lembro daquele dia que, enquanto fazia de seu peito almofada, me falou que não  existiam almas gêmeas. Que elas se encontram espalhadas em milhares de corpos que por  aí vagueiam e que por sua vez, continuam nessa incessante e romântica procura sem  enxergarem que se encontram todos os dias.  

Acreditei. E me lembro também que reprimi o choro e de seguida, beijei seus lábios  ferventes ao sabor do chocolate quente que tínhamos tomado lá fora durante mais uma das  diárias partidas de xadrez. 

As pessoas: era esse o nosso tópico de conversa favorito. Afinal, estudar o comportamento  humano é deveras interessante, assim como o seu corpo, que a maioria infelizmente  considera promíscuo. E por isso despendíamos horas entre museus e galerias, a apreciar  cada traço e curva que os artistas haviam esculpido ou pregado na parede. Transcendíamos  a matéria e as pessoas não o entendiam. 

Incrível como após todos este anos ainda sofro de insônias. Ele adormece primeiro e então,  lhe ajeito os cabelos que caem sobre seu rosto que viaja noutra dimensão. A sua pele  insanamente se mantém morena e os seus olhos cinzentos claros continuam a petrificar  quem os fite. Mas eu, estou velha. O peito outrora firme, se tornou mole. O cabelo castanho  loiro à luz do sol, desvaneceu. E a face antes lisa, ganhou expressão através dos milhares de  lágrimas e risos.  

Apago a luz, aconchego-me e agradeço. Escrevo este texto mal engomado só para mim.  Para lhe dizer que de entre todos, é apenas para ele que a minha alma sorri. 



Inês Reis

Acasos

Às vezes penso nas pessoas. Naquelas por que passei, naquelas que nunca virei. Acho  estranho. 

Como será conhecer toda a gente e poder dizer que se conhece todo o mundo?  Literalmente. Talvez fosse chato. A imaginação para ‘o que poderia ser’ estaria limitada pelo  já visto e determinado. Não haveria o ‘e se’. Não haveria pelo que esperar. 

Penso também se elas pensam nisso. Ou se vivem com as mentes tão ocupadas quanto um  copo cheio que transborda ao mais leve balanço. Acredito que sim. 

Todos os dias passo por dezenas, não, centenas de novas caras desconhecidas que de vez  em quando vejo em sonhos. Sinistro. 

Mas e se essas flagrantes pessoas a que chamamos de ‘outras’ forem afinal todas as outras  possibilidades do que no ‘agora’ somos? Tal significaria que falaríamos connosco próprios,  que nos aturávamos a nós próprios, que seríamos os nossos próprios amantes e até os  nossos mais cruéis inimigos? Talvez… O mais provável seria quem sabe, entrarmos num  estado de loucura tão profunda que o dito mundo acabaria. Credo! 

Gosto de observar as pessoas e o modo como se expressam. Como falam, como se  deslocam, como quando te olham te penetram a alma, ou até como alimentam os pombos.  Intriga. Gosto também de observar o modo como são belas e não sabem. Como quando  desprevenidas, se iluminam ao mais pequeno gesto que fazem. É bonito. 

Há pessoas por quem gostava de um dia passar. De sentir o rasto dos seus perfumes  deixados pela correria do andar. De ouvir as suas gargalhadas por coisas sem sentido ou de  consigar ler o seu pensamento mais escondido. De as observar. Talvez também essa  ansiedade do querer me desaponte. Quem sabe… 

Então deixo ao Acaso decidir. Será ele quem colocará as pessoas na minha vida e eu nas  suas. Aquelas que distantes me cruzarei, e as que por aqui perto não reconhecerei. E assim  saberei que tudo o que vem, um dia terá de ir também.

                                                                                                                                             
Inês Reis
-
joaoeuzebio
QUERO VAGAR POR AI ENTRE TANTAS PALAVRAS LINDAS SIGA APENAS SEUS SONHOS POIS ELES JÁ SÃO REALIDADE BELOPOEMA UM ABRAÇO
25/março/2021
-
jrunder
Escreves muito bem. Paixão correspondida.
04/março/2021

Quem Gosta

Seguidores