Kantaris

Kantaris

Um cientista se descobrindo na literatura. Escrevo contos, poesias e artigos.

15/03/1990
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Alguns Poemas

Fevereiro

Fevereiro

Fevereiro desponta no horizonte, trazendo a promessa de renovação para as áridas terras da caatinga. As árvores, outrora despidas, começam a se revestir de um verde brilhoso e vivo, como se escolhessem roupas de gala. As primeiras folhas que brotam criam um espetáculo de resistência diante da seca persistente. É o renascimento da flora, um sinal claro de que a fartura está prestes a retornar para essas cercanias. As borboletas também retornam, deixam o conforto de seus casulos para se aventurar por entre as flores, rumando em direção ao leste.

Nessas épocas, as caatingas se tornam palcos de sinfonias, anunciando o início da fase de bonança. Os brejos, antes secos, despontam em cores e texturas, deixando o marrom da terra seca para se lambuzarem de água, sustentando flores de diversas cores. Tornam-se locais de encontros românticos, logo se transformando no berço de incontáveis seres anfíbios. A melodia do coro dos sapos é como um prelúdio para o espetáculo que a natureza nos apresenta ao despir-se nas caatingas.

Nesse período, os lajedos são lavados pelas chuvas, carregando para longe as mazelas deixadas pelas secas, em um simbolismo quase religioso, purificando tudo que não lhes pertence. As águas percorrem as rochas como uma mão que percorre uma pele macia, indo e vindo, sem um ponto certo, mas sempre rumando ao desconhecido. Traçam lentamente cada relevo daquela pedra, em uma dança graciosa.

Ao dançar em direção ao desconhecido, as águas beijam as macambiras, enchendo cada folha de vida e devolvendo o verde antes perdido. As paisagens desse período são como belas pinturas feitas pelas mãos delicadas de uma artista. A delicadeza daquelas mãos leves, cheias de cores e respingos de paisagens passadas, revive o espetáculo da natureza. Eu? Penso nela, naquela artista que deixou sua marca nas paisagens pintadas, nos céus estrelados e nas flores vívidas.

Seguindo seu caminho rumo aos baixios, as águas traçam seu caminho, aparentemente desnorteadas, mas sabendo onde vão findar. Descem serpenteando, criando veias, rasgando o chão com sua delicadeza. Penetram solo abaixo, saciando a sede das criaturas ali viventes e devolvendo o verde ao seu lugar. O verde é como o espelho da vida. Nas árvores, representa o despertar para um novo ciclo. Na artista? É como uma janela aberta em um trem em movimento, representando muitas paisagens das quais deseja um dia pisar.

Texturas

O latido noturno dos cães isolados quebra a melodia de acordes melancólicos daquela guitarra que tocava em minha cabeça. As músicas soam como zumbidos em meus ouvidos; apenas uma imagem, sem sons, surge em minha memória. As unhas em tons escuros, as poucas vestes no mesmo tom, e as joias que adornam seu corpo distraem minha atenção. 

Os zumbidos cessam, os cães silenciam, mas aquela imagem permanece fixa em meus pensamentos. Os cabelos escuros e os lábios na cor de seriguela madura concentram todo o desejo em um único compartimento da minha memória. Suas mãos habilidosas, que dominam as telas e as cordas, também serpenteiam pelo meu corpo em pensamento, como a dança das víboras do deserto.

Aquele quarto, nunca antes visitado, soa-me familiar. Relembro, na memória, cada espaço, cada compartimento, cada obra inacabada que ainda aguarda a atenção da artista. Sinto-me como uma de suas telas, esperando pelo toque de suas mãos, seu olhar, seu pensamento. O espelho reflete a imagem dela, mas eu que vejo apegado aos desejos crus da humanidade.

Repasso cada imagem guardada na memória mais longínqua para compor os sons daquela canção. Mesclo os acordes de sua guitarra com os tons suaves e agudos de sua voz. O arrepio na pele traz à tona os sussurros propositadamente ditos próximos ao ouvido. As luzes melancólicas tingem de vida a cena, enquanto os realces da pele macia e desnuda, marcados pelas cicatrizes que conferem humanidade, completam o que componho.

As memórias antes dispersas se sobrepõem em camadas, e a obra vai sendo criada. Nela, a artista escreve suas letras, esculpidas nos detalhes conexos, dispostos em posições antagônicas, tocadas sobre as feridas que ainda cicatrizam em nossas peles.

Miragens

Miragens

O latido noturno dos cães isolados quebra a melodia de acordes melancólicos daquela guitarra que tocava em minha cabeça. As músicas soam como zumbidos em meus ouvidos; apenas uma imagem, sem sons, surge em minha memória. As unhas em tons escuros, as poucas vestes no mesmo tom e as joias que adornam seu corpo distraem minha atenção.

Os zumbidos cessam, os cães silenciam, mas aquela imagem permanece fixa em meus pensamentos. Os cabelos escuros e os lábios na cor de seriguela madura concentram todo o desejo em um único compartimento da minha memória. Suas mãos habilidosas, que dominam as telas e as cordas, também serpenteiam pelo meu corpo em pensamento, como a dança das víboras do deserto.

Aquele quarto, nunca antes visitado, soa-me familiar. Relembro, na memória, cada espaço, cada compartimento, cada obra inacabada que ainda aguarda a atenção da artista. Sinto-me como uma de suas telas, esperando pelo toque de suas mãos, seu olhar, seu pensamento.

O espelho reflete a imagem dela, mas eu que me vejo apegado aos desejos crus da humanidade.

Repasso cada imagem guardada na memória mais longínqua para compor os sons daquela canção. Mesclo os acordes de sua guitarra com os tons suaves e agudos de sua voz. O arrepio na pele traz à tona os sussurros propositadamente ditos próximos ao ouvido. As luzes melancólicas tingem de vida a cena, enquanto os realces da pele macia e desnuda, marcados pelas cicatrizes que lhes conferem humanidade, completam o que componho.

As memórias antes dispersas se sobrepõem em camadas, e a obra vai sendo criada. Nela, a artista escreve suas letras, esculpidas nos detalhes conexos, dispostos em posições antagônicas, tocadas sobre as feridas que ainda cicatrizam em nossas peles.

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