marloff

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Não sei falar de mim. Só sei tentar ser humano todos os dias.

Tarrafal de Santiago/Ponta Lagoa
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Memórias da madrugada

Por mais que caia chuva na terra e molhe as ilhas, a água que corre nas ladeiras, rochas e entra no mar e invade os oceanos serão sempre uma ajuda vinda do céu a essas terras de ilhas que andam conforme os passos dos homens na terra, ora branca, ora negra. E finalmente mestiça. Estes serão sempre felizes, de calças arregaçadas até pernas e marcas que não são indicações de lugares, mas sim sinal de lida, criação dos filhos, aqueles calos que afloram nas mãos feito mapa das ilhas onde os homens se reinventaram olhando uma cara sem a própria cara porque revoltamos centenas de vezes por dentro por muitas coisas e mantemos sempre salvo, por sermos naturais da terra seca e as vezes verde, se revelássemos todas as nossas ânsias e frustrações em nossos corpos e cara, o que seriamos? Seria aquele que se metamorfoseia porque está acostumada a ser seca por dentro e esperançosa por fora.
Poucas coisas que se formaram e ocuparam a terra passaram a ser certas imagens  de desinteressado olhar de quem é artífice por circunstância. Nem os homens que aprenderam a tocar gaita e inventaram o funana, nem mulheres que arrumaram um canto bem posicionado em algum bairro de terra batida e o chamaram de terreiro, as mulheres de mãos juntas e de dedos esticados retirando o som da txabeta, que chamam luz ao batuco e tem germinado nessas gentes, a melodia do próprio batuco, mais aquelas de Santiago, nem homens de coração manso e de espírito leve, que soltaram melodia e a morna, foram sentir a gratuitidade das coisas que a terra dá, mas, o povo das ilhas para não desistir da sua existência e da conquista no meio do impossível confortavam-se na musica e na bruteza da terra. Os homens das ilhas não encontraram esperança de graça na pedra que ainda mantém o silencio das grandes obras que permitiram chamar esta nação de  país. Estão em silencio, completamente em silêncio as pedras desta terra, elas sempre estiveram aqui. Nós só chegamos há menos de cinco séculos e passamos a ser chamados de cabo-verdianos, a última raça da humanidade. Aquele filho de uma negra e de um branco, aquele que se cortou, no apelido, com o tal parente africano, aquele que sorriu por ter lhe ter sido posto o apelido do homem branco, que carregava chicotes e a noite fazia uma carrada de mulatos, que depois foram conhecidos por cabo-verdianos. Antes de nós no mundo já havia quase todas as raças. Mal o branco dobrou o atlântico ganhamos vida e nome como boas gentes de pele menos escura e algum significado em ser o grande branco da terra. A terra era nua, o vento ainda é nu, a pedra é silenciosa, ainda eles nos percebem e somos apenas uma carrada de mulatos procurando o irmão africano que nasceu aqui e foi só um escravo vendido às  outras terras e ficamos sós. Órfãos de referência e andamos a falar na ciência de olhar por detrás do pensamento. Sem pais e com mães com excesso de canseira e injúria escrita no seu próprio nome. 
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